Voto facultativo

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VOTO FACULTATIVO ITEM "IX" DE RELATÓRIO FINAL - Da Comissão Temporária Interna encarregada de estudar a reforma político partidária - RELATOR: Senador SÉRGIO MACHADO

Com relação ao voto obrigatório ou facultativo, é importante registrar que nas principais democracias representativas o voto é, sempre, facultativo. Constata-se, de fato, uma correlação entre o voto obrigatório e o autoritarismo político. O voto facultativo é, sem dúvida, mais democrático e aufere melhor a vontade do eleitor.

Corrobora, ainda, a tese do voto facultativo o fato de que o exercício da cidadania é um direito fundamental do cidadão na democracia representativa. É quando o povo, regularmente, exerce o supremo poder. O poder de escolher os seus representantes.

O exercício da cidadania tem levado à maturidade política. Por outro lado, a obrigatoriedade do voto, na prática, não tem ocorrido, visto que após os pleitos eleitorais tem havido a apresentação e aprovação de projetos anistiando os faltosos.

Temos convicção de que o voto deve ser encarado como um direito e não como uma obrigação, um dever, passível de punição, por essa razão somos pela instituição do voto facultativo, mantendo, todavia, o alistamento eleitoral obrigatório para os maiores de dezoito e menores de setenta anos.

As propostas sobre o VOTO FACULTATIVO são:

PROJETO AUTOR POSIÇÃO DO PARLAMENTAR PEC. 006/96 Sen. Carlos Patrocínio Favorável PEC. 040/96 Sen. José Serra Favorável PEC. 057/95 Dep. Emerson Olavo Pires Favorável PEC. 190/94 Dep. Pedro Irujo Favorável PEC. 191/94 Dep. Valdemar Costa Neto Favorável, também a plebiscito e referendo.

PEC. 025/96 Sen. Sebastião Rocha Plebiscito sobre extinção do voto obrigatório PDC 236/96 Dep. Luís Marinardi Plebiscito sobre extinção do voto obrigatório PEC. 211/95 Dep. José Jatene Favorável PEC. 291/95 Dep. Osvaldo Reis Favorável Alistamento facultativo para > 16 anos

Em reunião realizada em 03/04/97, a Comissão acolheu a tese constante do Relatório Preliminar, favorável à extinção do voto obrigatório. Naquela ocasião opinamos que:

"Em primeiro lugar, o voto no Brasil, há muito tempo, é facultativo: de 47 para cá, tivemos 20 projetos de anistia; de 92 para cá, todas as eleições foram anistiadas. Nenhum de nós conhece alguém que tenha sido punido ou recebido pena por ter deixado de votar.

Vivemos, na verdade, uma ficção: estamos nos enganando, pensando que o voto tem que ser obrigatório. Acho que a obrigação do cidadão é ser eleitor - ter o título eleitoral é uma obrigação, um documento; entretanto, o ato de votar é um direito de cidadania que a pessoa exerce, e no seu exercício, na sua participação de cidadania, isso vai se ampliando.

Os países nos quais existe o voto obrigatório são aqueles onde mais vezes as constituições foram rasgadas e mais vezes entramos na escuridão do arbítrio.

Então, essa questão do voto obrigatório, da obrigação de a pessoa participar, não serviu para promover a educação, ampliar a questão da democracia. A meu ver, o voto facultativo amplia essa questão da democracia, serve para a educação do cidadão e faz com que as pessoas compareçam, votem.

No Brasil, em Minas Gerais, por exemplo, há uma abstenção muito elevada, pessoas que não comparecem e não exercem o direito democrático de poder escolher, de poder participar. Temos também um número bastante elevado de votos em branco e votos nulos.

Talvez essa proposta de voto facultativo, há alguns anos, não tivesse sentido, mas com o avanço da democracia brasileira, que tem sido demonstrada ao longo dos últimos tempos, em todos os episódios - o impeachment do Presidente da República, em que houve uma discussão, sem tanques nas ruas; uma discussão democrática, a participação na CPI do Orçamento; agora, essa questão dos precatórios -, está havendo um amadurecimento democrático muito grande na escolha nas eleições, na maneira de comportar-se e de julgar por parte da população , vendo o que é certo e o que é errado, e, às vezes, bem à frente da elite, pelo sentimento que tem das coisas.

Essa questão do voto facultativo, do direito do cidadão exercer, é bastante positiva. Mesmo as pesquisas de opinião demonstram que praticamente 70% da população, no Brasil todo, quer o voto facultativo. Isso é um avanço, é uma maneira de garantirmos o direito do cidadão e acabar com a história daquele paternalismo, não de ser obrigado; se for obrigado, o cidadão não vai. Há também outras coisas que não têm servido para avançar na democracia.

Na verdade, o nosso povo, a nossa gente, gosta de participar do processo político por esse Brasil afora e participa dos comícios, das reuniões. Acho que se poderia dar um avanço profundo nessa questão do voto facultativo."

O Senador JOSÉ FOGAÇA, também comentou favoravelmente o assunto:

"...Sempre fui adepto do voto obrigatório e mudei radicalmente a minha posição após o plebiscito que consolidou o presidencialismo no Brasil. Percebi que 95% das pessoas que iam para os locais de votação não tinham clara idéia do que estavam votando. Percebi também que quando um cidadão não tem idéia do que está votando ele prefere manter o conhecido, mesmo que ruim, a votar no desconhecido.

O voto obrigatório é uma tendência ao retrocesso, ao atraso, porque podemos obrigar um cidadão a votar, mas não há quem o obrigue a se deter, a estudar, a analisar, a avaliar um assunto complexo, como é o sistema de governo, por exemplo. Certas pessoas se interessam e outras não. Aliás, é um direito institucional do cidadão não se interessar por determinado assunto.

Digo isso, Sr. Presidente, Sr. Relator, porque entendo que o voto facultativo tem outra qualidade que deveria ser ressaltada: quando houver voto facultativo, estados, municípios e o próprio país poderão fazer com muito maior liberalidade, em número muito maior, plebiscitos e referendos. Há países, como a Suíça, que fazem plebiscito para tudo - para criar um imposto há plebiscito, para entrar ou não na União Econômica Européia há plebiscito, ou seja, há plebiscito para tudo na Suíça -, mas o voto não é obrigatório.

Então se pode fazer até dois plebiscitos em um dia porque votarão as pessoas interessadas, as pessoas que estudaram o assunto. Da mesma forma, a experiência vale nos Estados Unidos e em outros países europeus. De modo que o voto facultativo vai aperfeiçoar essa democracia participativa popular, vai permitir que ela seja mais ampla, mais abrangente do que é hoje."

Assim, a grande indagação que se coloca hoje é: devemos adotar o voto facultativo ou permanecer com a obrigatoriedade do voto ? Qual dos dois atende melhor à evolução do processo político e a participação da sociedade?

Eis uma pergunta que aflige vários políticos mas que, pensamos, sob a ótica do cidadão não encontra muitas vozes discordantes, haja vista as pesquisas realizadas sobre o tema, que dão conta de que a maioria da população brasileira não só apoia o voto facultativo, como repudia o obrigatório.

De fato, segundo pesquisa elaborada em 1995, pelo instituto VOX POPULI, 67% dos consultados opinaram favoravelmente à adoção do voto facultativo e, um dado mais relevante, 60% dos entrevistados votariam mesmo o voto sendo facultativo.

E não foi só aquele instituto que efetuou pesquisa sobre o tema. Em 1994, o IUPERJ divulgou os resultados de consulta em que 51,4% dos entrevistados votariam ainda que o voto fosse facultativo.

Já o IBOPE, mediante pesquisa realizada em setembro de 1996, concluiu que 64% dos entrevistados apoiam a adoção do voto facultativo.

Pesquisa instantânea realizada pelo Fantástico, programa dominical da Rede Globo de Televisão, já no período eleitoral de 1998, por meio de participação direta dos telespectadores, via telefone, demonstrou que mais de 80% dos pesquisados são favoráveis à adoção do voto facultativo. Este dado, pela própria ausência de rigor na amostra, deve ser e está sendo usado com reservas.

Preocupam-se, alguns, com o elevado índice de abstenção que poderá advir da adoção do voto facultativo. Segundo o raciocínio daqueles que defendem a permanência da obrigatoriedade do voto, o índice de abstenções aumentaria demasiadamente, visto que os eleitores não compareceriam às urnas em sinal de protesto, colocando em risco a legitimidade dos eleitos.

Analisando, todavia, os relatórios do TSE, verificamos que:

1 - nas eleições presidenciais de 1994, os votos em branco e os nulos, somados à abstenção, atingiram a proporção de 36,52%; já nas eleições de 1998 esse somatório atingiu o índice de 40,19%.

2 - nas eleições de 1994, para governadores, considerados os dados globais, 39,02% dos eleitores se abstiveram, votaram nulo ou em branco; enquanto que nas eleições de 1998 foi de 37,8%;

3 - considerando estado por estado e o Distrito Federal, verifica-se que a melhor resposta ao chamamento às urnas (somatório dos índices de abstenção, votos em branco e votos nulos), em 1994 e em 1998 ocorreu no Distrito Federal com, respectivamente, 29,89% e 21,2%; seguido de perto pelo Rio Grande do Sul, em 1994, com 30,87% e pelo Amapá, em 1998, com 21,8%.

Uma curiosidade a ser observada é que, em 1994, São Paulo obteve o melhor índice de comparecimento, visto que apenas 11,37% dos eleitores deixaram de comparecer; e em 1998 o Amapá atingiu o índice de 13,6% de abstenções;

4 - em contrapartida, os dados demonstram que, em 1994, no Maranhão, o somatório dos que deixaram de comparecer aos que votaram em branco ou nulo ascendeu a 67,44% do eleitorado; seguido de perto pelo Pará, com 65,88%, enquanto que nas eleições de 1998, o pior resultado deu-se na Bahia, com 56,3%, seguido de Alagoas, com 51,8%.

Do cotejo dos dados da pesquisa, que revela uma intenção do eleitorado, com a estatística da realidade eleitoral, deduz-se que o voto facultativo, confirmada a tendência da pesquisa, não trará prejuízo à qualidade ou à legitimidade dos eleitos, visto que o atual modelo, por força do § 2º do art. 77 da Constituição, desconsidera os votos nulos e os em branco para a apuração da eleição majoritária e, a partir das eleições de 1998, mesmo para os cargos proporcionais, passaram a ser considerados apenas os votos válidos para a apuração do quociente eleitoral.

Vale dizer, o que conta são os votos nos diversos candidatos e legendas e não o número de eleitores inscritos ou que compareceram.

O direito de escolher, diretamente, seus representantes é uma prerrogativa inerente à cidadania.

O voto é, pois, um direito do cidadão, é a hora sublime do exercício da democracia, visto que é o momento em que o poder é exercido diretamente pelo povo.

Ao tornar-se obrigatório, deixa de ser um direito e passa a ser uma imposição. Deixa de ser a livre manifestação para transformar-se em manifestação forçada, que caracteriza a ausência de liberdade.

Não nos parece que resista a uma análise comparativa a fundamentação de que o voto facultativo favoreceria a instabilidade democrática, como conseqüência direta do fato de promover o distanciamento entre o governante e a vontade da sociedade.

Se o voto obrigatório fosse garantia de estabilidade democrática não teria havido golpe no Brasil, nem na América Latina. Todavia, segundo pesquisa realizada, o voto é obrigatório em apenas 30 países do mundo, estando a metade na América Latina.

Nas grandes democracias do mundo o voto é, sempre, facultativo. Constata-se, por outro lado, uma correlação entre o voto obrigatório e o autoritarismo político. O voto facultativo é, sem dúvida, mais democrático e aufere melhor a vontade do eleitor. Trata-se, aqui, da valorização do voto de qualidade.

Outros dois argumentos muito utilizados - e dos quais discordamos - são o de que o voto sendo facultativo favoreceria a sua troca por pequenos favores e o de que o voto obrigatório milita em favor da qualidade da representação popular.

Em primeiro lugar, seria hipocrisia afirmar que no modelo atual - da obrigatoriedade do voto -, não ocorre, em larga escala, a deplorável "negociação" do voto.

Há quem venda o seu voto porque, evidentemente, há quem o compre. Há, inclusive, quem premie a abstenção, quem alugue o título e outras formas de negociação.

Analisando por este prisma, o que facilitaria mais a troca do voto por pequenos favores, o fato de o eleitor ter obrigatoriamente que comparecer às urnas, sob uma pseudo-pena , ou, ao contrário, o fato de o eleitor só comparecer à seção eleitoral movido pela sua consciência?

Parece-nos que o voto obrigatório é indutor dessa "negociação". O que o eleitor que não tem consciência da importância do seu voto provavelmente pensa é: "se eu tenho que comparecer, que eu tire algum proveito imediato"! Corrobora essa afirmação o fato de que pesquisas demonstram que mais de 80% dos eleitores não se lembram do nome do deputado federal em que votou no último pleito.

Este raciocínio nos leva a afirmar que o voto facultativo, por valorizar voto de qualidade, por estimular o comparecimento motivado pela consciência política, pela expectativa de uma representação identificada com as suas aspirações, pela confiança num projeto político levará às urnas o eleitor disposto a investir no futuro da Nação. O eleitor que confia na possibilidade da construção de um país melhor para seus filhos e netos. O eleitor que acredita que o exercício da cidadania é pressuposto de qualquer Nação.

O Senador José Fogaça, no âmbito da Comissão, trouxe um outro argumento extremamente válido e no qual ainda não havíamos pensado.

Sua excelência defendeu o voto facultativo como o meio de aumentar a democracia direta, na medida em que viabiliza a ampliação do processo de consulta popular nas cidades.

Serão esses exercícios periódicos, Senhores Senadores, livres, facultativos, que terão profundo conteúdo pedagógico sobre o eleitorado brasileiro.

Aumentará, sem dúvida, a responsabilidade dos Partidos na medida em que deverão escolher candidatos identificados com as aspirações da comunidade que pretende representar. E mais, competirá aos partidos políticos utilizar o tempo de televisão de que dispõem para conscientizar os cidadãos da importância, da inalienabilidade, da sua consciência e, por conseguinte, do seu voto.

Quando do exame desse tema, na reunião do dia 03.04.97, Senador LEOMAR QUINTANILHA, assim se expressou :

"... entendemos que a proposta apresentada pelo Relator reflete a realidade que estamos vivendo. De há muito, o voto no Brasil não é obrigatório. É obrigatório o comparecimento às urnas. É obrigatório o registro como eleitor. Na verdade, o cidadão chega ali e deixa de votar, ou simplesmente coloca a cédula em branco na urna, ou anula o voto; não exercita efetivamente seu direito de votar, às vezes, até contrariado por esse caráter de obrigatoriedade.

Na verdade a população precisa, cada dia mais, ser conscientizada da importância de participar do processo decisório e não deixar que outras pessoas decidam. A partir do instante em que o cidadão entender - da forma como inteligentemente o Relator colocou aqui - que o voto deve ser o exercício de um direito e não um dever e procurar defender os seus interesses, escolher os seus representantes, aí sim, é bem provável que tenhamos até uma inversão do quadro a que estamos assistindo hoje, em que o nível de abstenção é elevadíssimo e os votos em branco também vêm acompanhando esse índice de forma assustadora.

Entendo que o processo de conscientização e o de permissão - fazer com que seja facultativo o voto - vão realmente contribuir para a ampliação do processo democrático. A conscientização da população vai fazer com que o cidadão sinta interesse em participar do processo eleitoral e não compungido, obrigado, sujeito a essa participação."

É importante destacar que a PEC 40/96, que tem o Sen. José Serra como primeiro subscritor, está aguardando Parecer na Comissão de Constituição e Justiça e, na qualidade de relator, estamos aguardando a solução definitiva desta Comissão Especial para apresentar o nosso relatório contemplando especificamente aquilo que ficou definido por este colegiado, o que é retratado na seguinte proposta:


PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº , DE 1998

Dá nova redação ao art. 14 da Constituição Federal, instituindo o voto facultativo.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:

Art. 1º O caput e o § 1º do art. 14 da Constituição Federal passam a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto facultativo, direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

§ 1º O alistamento eleitoral é:

I - obrigatório para os maiores de dezoito anos;

II - facultativo para:"

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Art. 2º Esta Emenda Constitucional entrará em vigor na data da sua publicação.

ITEM "IX" DE RELATÓRIO FINAL - Da Comissão Temporária Interna encarregada de estudar a reforma político partidária - RELATOR: Senador SÉRGIO MACHADO