A Arte Culinária na Bahia/Dos alimentos puramente africanos

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Dos alimentos puramente africanos

São estes os principaes alimentos de que o africano fazia abundantemente uso, entre nós, e são, hoje em dia preparados pelos seus descendentes, com a mesma perfeição:

ACASSÁ — Deita-se o milho com água em vaso bem limpo, isento de quaesquer residuos, até que se lhe altere a consistencia. Nestas condições, rala-se na pedra,[1] passa-se numa peneira ou urupema e, ao cabo de algum tempo, a massa fina adhere ao fundo do vaso, pois, nesse processo, se faz uso de água para facilitar a operação.

Escoa-se a agua, deita-se a massa no fogo com outra agua, até cozinhar em ponto grosso.

Depois, com uma colher de madeira, com que é revolvida no fogo, retiram-se pequenas porções que são envolvidas em folhas de bananeira, depois de ligeiramente aquecidas ao fogo.

ACARAGÉ — A principal substancia empregada é o feijão fradinho, depositado em água fria até que facilite a retirada do envoltório exterior, sendo o fructo ralado na pedra.

Isto posto, revolve-se a massa com uma colher de madeira, e, quando a massa toma a fôrma de pasta, addicionam-se-lhe, como temperos, a cebola e o sal ralados.

Depois de bem aquecida uma frigideira de barro ahi se derrama certa quantidade de azeite de cheiro (azeite de dendê), e, com a colher de madeira vão-se deitando pequenos nacos da massa, e com um ponteiro ou garfo são rolados na frigideira até cozer a massa. O azeite é renovado todas as vezes que é absorvido pela massa, a qual toma exteriormente a cor do azeite. Ao acaragé acompanha um molho, preparado com pimenta malagueta secca, cebola e camarões, moido tudo isso na pedra e frigido em azeite de cheiro, em outro vaso de barro.

ARROZ DE AUSSÁ — Cozido o arroz n'agua sem sal, mexe-se com a colher de madeira até que se torne delido, formando um só corpo e, em seguida, addiciona-se um pouco de pó de arroz para assegurar a consistência.

Prepara-se, depois, o môlho em que entram como substancias a pimenta malagueta secca, cebola e camarões, tudo ralado na pedra.

Leva-se, o molho ao fogo com azeite de cheiro e um pouco d'agua, até que esta se evapore.

Como complemento ao arroz d'aussá, o africano frigia pequenos pedaços de carne de xarque que eram espalhados: sobre o arroz junttamente com o môlho.

ÊFÓ — Corta-se a folha conhecida vulgarmente, por língua de vacca ou a mostarda e deita-se ao fogo a ferver com pouca água. Isto feito, escôa-se a agua, espreme-se a massa dahi resultante e colloca-se de novo na mesma vasilha com cebola, sal, camarões, pimenta malagueta secca, tudo ralado conjuntamente na pedra e, finalmente, o azeite de cheiro.

Prepara-se também o êfó com peixe assado, ou com garoupa, caso em que esta é cozida á parte.

Ainda mais: como o peixe é assado sem sal, ralam-se os respectivos temperos, em quantidade sufficiente e leva-se tudo ao fogo. O africano empregava ainda a folha de taióba no preparo do êfò.

CARURÚ — Em seu preparo observa-se o mesmo processo do êfò, podendo ser feito de quiabos, mostarda ou de taióba, ou de ôió, ou de filtras gramineas que a isso se prestem, como sejam as folhas dos arbustos conhecidos, nesta capital, por unha de gato bertalia, brêdo de Santo Antônio, Capéba, etc.,[2] ás quaes se addicionam a garoupa, o peixe assado ou a carne de xarque e um pouco d'agua que se não deixa seccar ao fogo. O carurú é ingerido com acassá ou farinha de mandioca.

ÊCURÚ — Preparado o feijão fradinho, como se fez com o acaragé, colloca-se pequena quantidade em folhas de bananeira, á maneira do acassá, e cozinhase em banho-maria, isto é, sobre garavêtos collocados no interior de uma panella com água.

Depois de prompta, a massa é diluída em mel de abelhas ou num pouco de azeite de cheiro com sal.

É uma verdadeira farofia.

XIN-XIN — Morta a gallinha, depenna-se, lava-se bem, depois de retirados os intestinos e corta-se em pequenos pedaços.

Deitam-se na vasilha ou panella para cozinhar com sal, alho e cebola ralados.

Logo que a gallinha estiver cozida, addicionam-se camarões seccos em quantidade, sal, se fôr preciso, cebola, sementes ou pevides de abobora ou melancia, tudo ralado na pedra, e o azeite de dendê.

BÓLAS DE INHAME — Despido da casca, lava-se o inhame com limão e coze-se com pouco sal. Em seguida é pisado em pilão e da massa se formam bolas grandes que são servidas com carurú ou éfó.

BOBÓ DE INHAME — Corta-se o inhame em pequenos pedaços, leva-se ao fogo com agua e finalmente tempera-se como o éfó.

FEIJÃO DE AZEITE (humulucú) — Cozido o feijão fradinho, tempera-se com cebola, sal, alguns camarões, sendo todas estas substancias raladas na pedra, addicionando-se, ao mesmo tempo, o azeite de cheiro.

A iguaria só é retirada do fogo depois de cozidos os temperos.

ALUÁ — O milho demorado n'agua, depois de tres dias, dá a esta um sabôr acre, de azedume, pela fermentação. Côa-se a agua, addicionam-se pedaços de rapadura e, diluida esta, tem-se bebida agradável e refrigerante.

Pelo mesmo processo se prepara o aluá ou aruá da casca do abacaxi.

DENGUÉ - É o milho branco cozido, ao qual se junta um pouco de assucar.

EBÓ - É preparado com milho branco pilado. Depois de cozido, certas tribus africanas addicionavam-lhe azeite de cheiro e outras o ouri.

Outro processo: misturam-se o milho e o feijão fradinho torrado, e, com uma pouca d'agua, deitam-se a ferver; depois, juntam-se sal e azeite de cheiro.

LATIPA OU AMORI - Era feito com as folhas inteiras da mostardelra, as quaes, depois de fervidas, temperavam como o éfó e deitavam a frigir no azeite de cheiro.

ABARÁ - Põe-se o feijão fradinho em vaso com agua até que permitta desprendel-o da casca, e depois de ralado na pedra com cebola e sal, junta-se um pouco de azeite de cheiro, revolvendo-se tudo com uma colher de madeira.

Finalmente, envolvem-se pequenas quantidades em folhas de banauelra, como se faz com o acassá, e coze-se a banho-maria.

ABERÉM - Prepara-se o milho como se fora para o acassá e delle se fazem umas bolas semelhantes ás de bilhar, que são envolvidas em folhas seccas de bananeira, aproveitando-se a fibra que se retira do tronco para atar o aberém.

É servido com carurú e tambem com mel de abelhas. Dissolvido n'agua com assucar, é excellente refrigerante.

Havia ainda o aberém preparado com assucar, cujas bolas, do tamanho de um limão, eram ingeridas sem outro qualquer elemento adocicado.

MASSA — Rala-se o arroz, cozinha-se, e formam-se pequenas bolas que se envolvem em polvilho de arroz. São também refrigerantes, dissolvidas em água com assucar.

O preto mussulmano, porém, frigia essas bolas de arroz no azeite de cheiro, ou no mel de abelhas, constituindo essa iguaria verdadeira preciosidade, em suas cerimonias religiosas.

IPÉTÊ — O inhame descascado, cortado miúdo, fervido até perder a consistencia, é temperado com azeite de cheiro, camarões, cebola e pimenta, estes últimos ralados na pedra.

A'DO — É o milho torrado reduzido a pó e temperado com azeite de cheiro, podendo-se-lhe juntar o mel de abelhas.[3]

OLUBÓ — Descascada e cortada a raiz da mandioca, em fatias muito delgadas, são estas postas a seccar ao sol.

Na occasião precisa, são essas fatias levadas ao pilão, e ahi trituradas e passadas em peneira ou urupema. A água a ferver, derramada sobre o pó, produz o olubó, que é uma espécie de pirão.

OGUÉDÉ — É a banana denominada da terra frita no azeite de cheiro.

EFÜN-OGUÉDÉ — Prepara-se com a banana de S. Thomé, não amadurecida de todo, descascada, cortada em fatias e deitada ao sol para seccar.

Dias depois pisa-se, no pilão, passa-se na peneira e obtem-se a farinha chamada — efun-oguédé.

ERAN-PATÊRÊ — É um naco de carne verde, bem fresca, salgada e frita no azeite de cheiro.


Os africanos ainda condimentavam as suas refeições com o ataré (pimenta da Costa), em quantidade muito reduzida; com o irú, fava de um centimetro de diametro, usada em quantidade diminuta; com o pejerecum ou bejerecum, outra fava de quatro centimetros de comprimento por dez millimetros de espessura, empregada no tempero do carurú; com o iêrê, semente semelhante á do coentro e usada como tempero do carurú, do peixe e da gallinha.

Faziam ainda os africanos largo emprego do egussi (pevide de abóbora ou melancia) no condimento de certas iguarias.

O africano, em geral, era sóbrio no uso de bebidas alcoolicas: não se davam ao vicio da embriaguez, mas do dendezeiro extrahiam generoso vinho.

Para esse fim, na parte superior do tronco dessa palmeira, faziam uma incisão e collocavam um pedaço de bambu para servir de escoadouro da seiva. Ao liquido que cahia em uma cabaça ahi amarrada, davam o nome de vinho de dendê.

Posteriormente, na Bahia, foi o vinho posto a fermentar e filtrado antes de engarrafado, e isso lhe imprimia certa potencia alcoolica e caracteristica, sem embargo do paladar agradavel e saboroso.



  1. A pedra de ralar, como vulgarmente lhe chamam, mede cinoenta centimetros de comprimento por vinte e três de largura tendo cerca de dez centimetros metros de altura.
    A face plana em vez de lisa, é ligeiramente picada por canteiro, de modo a tornal-a porosa ou crespa. Um rôlo de forma cylindrica, da mesma pedra de cerca de trinta centimetros de comprimento apresenta toda superficie tambem aspera.
    Esse rôlo impellido para a frente e para traz, sobre a pedra, na attitude de quem móe, tritura facilmente o milho, o feijão, o arroz, etc.
    Estes petrechos africanos são geralmente conhecidos, na Bahia, e muita gente os prefere á machinas de moer cereaes.
  2. Os doentes do figado fazem demorado uso da capeba e do brêdo de Santo Antônio, como legumes, no cosido de carne verde.
    A bertalia, preparada com bervas é excedente prato e no cosido substitue admiravelmente a couve.
  3. Ao milho torrado e ralado na pedra, depois de passado na peneira addiccionava o africano um pouco de assucar e a isso chamavam Fubá de milho
    Ainda mais: o africano deitava ao fogo um algruidar com areia e certa quantidade de milho que ia estalando à medida que augmentava a timpreatura e assim obtinhi a pipoca do indígena, a qual era vendida com pedaços de coco secco.