A Mulher na agricultura, nas industrias regionaes e na Administração Municipal/Agricultura geral

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Agricultura geral
 

 

Especializámos propositádamente os três ramos afins da agricultura, em que á mulher cabe um lugar de destaque, porque são eles os que melhor se adaptam ao regimen da pequena cultura, a que estão entregues três quartas partes do terreno agricultado em Portugal.

A renovação agrícola hade fazer-se no nosso país, não tanto pela vontade consciente dos homens, mas ainda mais pelo impulso que nos vem de todos os lados e á mulher pertencerá um papel que, ou útil ou quasi nulo, conforme a educação e a instrução que neste momento lhe começarmos a dar.

Sessenta por cento da população portuguêsa entrega-se aos trabalhos agrícolas e sem termos á mão uma estatística que rigorosamente o comprove, dêsses sessenta por cento a maioria deve ser de mulheres e crianças, que tanto labutam na terra e nas indústrias a ela sujeitas.

A mulher, em Portugal, tem sempre desempenhado um papel importante nos trabalhos agrícolas, principalmente, como atraz o constatámos, nas colheitas, nas mondas e sachas, nos transportes e sementeiras, em todos os trabalhos mais ou menos pesados.

Nas províncias do Norte, a mulher faz todos os serviços agrícolas, ainda os mais duros, como tirar água dos poços com os primitivos engenhos movidos a braço, lançar asemente á terra e o adubo que a fertiliza, lavrar, malhar, e até revolver o solo com a enxada polida pelo labor.

E tudo quanto faz representa o amor pela terra que lhe dá o sustento dos filhos e a fartura do lar.

No litoral minhoto, vêmo-la partilhar o seu esfôrço ingente no cultivo da terra e, na luta com o mar, ter atitudes verdadeiramente helénicas, para lhe arrancar as algas que a onda vem trazer á praia e mais tarde representam o adubo precioso.

Nas grandes explorações agrícolas, o seu trabalho é aproveitado, tanto como o do homem, e melhor do que ninguem o sabem os agricultores alentejanos, que para as suas grandes lavouras tanto necessitam dos emigrantes ratinhos da Beira.

Veem aos ranchos, descendo das terras ásperas e lindas da montanha e passam mêses seguidos longe da casa e da família, sob a direcção do capataz, labutando ao lado do homem, seu companheiro no trabalho e na dôr, mas sempre seu superior no salário.

Na Companhia das Lezírias do Tejo e Sado, onde ha dois anos se enveredou pelo esperançoso caminho da cultura intensiva e melhorada do arroz — prometedora riqueza que já não pouco tem influido pelo exemplo entre os lavradores vizinhos e muito hade representar na futura economia nacional — lá as vimos ha pouco, essas corajosas montanheiras de saia arregaçada, chapéo sôbre o lenço vistoso, os seios bem juntos sob a blusa de chita, as pernas mal protegidas por meias altas, prontas a entrarem nos campos irrigados onde o arroz já tem amarelecidas as espigas fartas, que a foice ligeira hade cortar e ás braçadas seguirão para a máquina que na eira resfolga e vive, como se tivesse dentro a alma generosa duma bôa fada.

Vendo-as tão laboriosas, tão resignadas, tão fortes, recordamos naturalmente as quadras de Cesário Verde, o poeta português que melhor soube compreender a poesia rural em toda a sua fôrça e verdade, libertado de bucolismos ridículos:

«Enquanto a ovelha arredonda,
Vão tribus de sete filhos,
Por várzeas que fazem onda,
Para as derregas dos milhos
E molhadelas da monda.

«De roda pulam borregos;
Enchem então as cardosas
As moças dêsses labregos,
Com altas botas barrosas
De se atirarem aos regos!

«Ei-las que veem ás manadas
Com caras de sofrimento,
Nas grandes marchas forçadas,
Vem ao trabalho, ao sustento,
Com fouces, sachos, enxadas!
 

«Âi o palheiro das servas,
Se o feitor lhe tira as chaves!
Elas chegam ás catervas,
Quando acasalam as aves
E se fecundam as hervas!»

E não só em Portugal, mas em todos os países do mundo, é considerável o número de mulheres que trabalham na agricultura. Simplesmente entre os povos de primitivismo bárbaro ela é a escrava, a serva imbecilizada, que trabalha sem nobreza nem autonomia para o senhor, que a trocou por algumas cabeças de gado.

Um pouco mais acima, na escala da civilização, é ainda a serva adstrita á gleba miserável que revolve com os seus braços e rega com o suor do seu rosto para os senhores que lhe desconhecem a alma e lhe desprezam o labor.

Só mais tarde, quando os povos atingem a maior consciência e a mais alta cultura, a mulher retoma, mas então voluntariamente, o trabalho da terra, que é a sua fôrça, mas como elemento consciente e fomentador da maior riqueza.

Eis o período que julgamos o nosso país ter atingido e por isso indicamos á mulher o largo e belo caminho que diante dela se rasga nos domínios da agricultura e do seu indispensável complemento — a pecuária.

Mal se podem separar, num trabalho agrícola consciente, os dois estudos que formam um todo homogéneo — a agricultura e a pecuária. Uma não pode viver sem a outra; se um campo é largo e cheio de benefícios, o outro não o é menos; e em ambos a mulher tem o seu lugar marcado, de modo a ser uma inapreciável fomentadora da riqueza pública.

Enunciando alguns ramos da indústria pecuária, de modo nenhum pensamos em esgotar o assunto, nem sequer abraçar todas as modalidades da complexa sciência zootecnica, mas simplesmente queremos referir-nos ao que mais se pode imediatamente vulgarizar com utilidade para a economia do país e para a libertação e nobilitação da mulher pelo trabalho consciente, que é o nosso ideal.

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