A Mulher na agricultura, nas industrias regionaes e na Administração Municipal/Floricultura

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Ilustração a preto e branco com motivos florais
Arabesco decorativo de início de capítulo
Floricultura
 

 

A par das industrias agricolas devemos contar como das mais importantes afloricultura, tão importante, tão variada e compensadora como a dos cereais ou outros produtos alimentares... Porque é bem certo: nem só de pão vive o homem... Antes pelo contrario: as necessidades do ser civilizado são tão diversas das do seu irmão primitivo, que se dirá, talvez sem exagero, que sofremos mais com a privação do dispensavel, do que verdadeiramente com a falta de certos alimentos que já não são a única base da nossa alimentação variada.

Quando ao camponio boçal se fala da grande e bela industria das flores, vêmo-lo arregalar os olhos de espanto e encolher os hombros com piedade pelas coisas que certa pobre gente das cidades pensa e diz. E que ele, que só por instinto e curiosidade do senso artistico, inato no ser humano, no balcão da sua pobre casa cultiva as mais singelas sardinheiras ou os cravos mais plebeus, não pode sequer fazer uma leve idéa do que seja a floricultura industrial. E no entanto ha em Portugal plantações de palmeiras que, exportadas para o luxo dos países do norte da Europa, dão tanto ou mais rendimento do que o trigo e o vinho. Em Setubal, onde primeiro se iniciou em ponto grande o cultivo da palmeira, planta ornamental e decorativa, larga e compensadamente exportada para a Europa Central, ha já três vastas quintas com esta exploração arboricola.

Todos sabem, sem duvida, o valor de algumas orquídeas, as lindas parasitas de que os bosques do Brasil se ornam formosamente.

Ninguem ignora, por certo, quanto a moda algum dia valorizou as túlipas em que na Europa, principalmente na pacata Holanda, se gastaram verdadeiras fortunas.

E não perdendo nunca o fio da tradição, que é o que faz a grandeza moral dos povos, esse pequenino país ao qual tantos laços históricos nos ligam, possue hoje a melhor organização agrícola e o mais inteligente ensino de todos os ramos desta grande sciencia. A floricultura explorada comercialmente ocupa uma superfície total de 74:575 hectares da terra holandêsa.

A cultura floral ao longo da costa contava em 1904 uma extensão de 3:264 hectares de plantas bulbosas; pois em 1907 exportava 15 milhões de kilos de flores, representando um valor monetario de 10 milhões de florins.

Mas para este admiravel resultado concorreram a propaganda e o ensino e não pouco o decreto de 20 de Novembro de 1899 criando o serviço fitopatológico para combater as doenças das plantas e garantir ao estrangeiro que o produto exportado está livre de qualquer doença.

Na Gueldre, aregião da Betuw, ha uma extensão de 6:000 hectares de vergeis.

Só a terra consagrada á cultura da grosêlha ocupa uma superfície de 2:000 hectares.

A cultura das framboêsas na Baronia de Breda tem um rendimento anual avaliado em um milhão de kilos e o mesmo sucede ás uvas cultivadas nas estufas do Westland.

Em 1904 o total das terras exploradas pela arboricultura holandêsa elevava-se a 2.075 hectares, dando lugar auma exportação media de 10 milhões de kilos por ano, enviados principalmente para os Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, Belgica e Dinamarca. E tudo isto é, em grande parte, o trabalho da mulher e tudo isto — devemos pondera-lo — seria no nosso país uma fonte preciosa de riqueza publica, com muito menos trabalho e cuidados, tendo a nosso favor o sólo e o clima admiraveis que são a nossa maior fortuna.

E não só na Europa central, mas até na extrema oriental, a floricultura é hoje uma das mais belas fontes de receita dos povos.

Não é, certamente, novidade para ninguem dizer-se que ha na Bulgaria e na Turquia povoações inteiras que exclusivamente vivem do cultivo das rosas, que, destiladas em perfume suavissimo, valem mais do que o oiro. E o mesmo sucede nessa deliciosa terra dos Alpes, a perfumada Grasse, onde a população, principalmente as mulheres e as crianças, se entregam á simpatica tarefa da floricultura industrial.

Que o nosso país é eminentemente apropriado á floricultura, assim como ás culturas do pomar e da horta, já dois seculos antes da era cristã o dizia o historiador Polybio, quando afirmava que, «pelo bem temperado do seu clima, na Lusitania jamais se estragavam os frutos e que as rosas, os goivos brancos, os espargos e outros produtos semelhantes só deixavam de criar-se durante três meses no ano.»

Um campo de rosas ou de violetas, uma encosta coberta de junquilhos nevados, um pomar de lilazes ou de laranjeiras que só dão flôr, canteiros de lirios e de nardos... eu não sei de maior encanto para o espirito duma cultivadora inteligente, que pode calcular, sem de modo algum lhe tirar a poesia, o fabuloso lucro que desse encanto provirá. É na verdade realizar o ideal maximo, juntar o util ao agradavel.

A floricultura, sob o ponto de vista comercial e industrial, é, sem duvida, um dos campos mais apropriados á utilização inteligente do trabalho da mulher.

Pelas ligeiras notas que aqui démos, e que mais largas não podem ser, porque outros assuntos solicitam a nossa atenção no desenvolvimento desta tese, todos ficam compreendendo a riqueza imensa em que se póde tornar para o nosso país o estudo e desenvolvimento floricula.

Pelo nosso clima, pelo nosso solo e pelo amor inato do nosso povo á flôr, Portugal está naturalmente indicado para realizar a frase do poeta e ser realmente «o jardim da Europa...» O comercio interno da flôr vai-se entre nós desenvolvendo bastante, em especial nas grandes cidades, como Lisboa e Porto. Mas não basta esse horizonte á inteligencia e labor duma população economicamente educada. Além da exportação da flôr viva, chamemos-lhe assim, que póde ir para a Europa central e Espanha, como até hoje tem vindo de lá para cá, temos a exploração industrial que, como dissémos, faz a fortuna de muitas regiões. Que enorme campo não é esse para a actividade da mulher, não só para operarias e cultivadoras assalariadas, como para a proprietaria inteligente e industrial, instruida no seu mistér?! Só neste limitado campo da floricultura comercial a mulher portuguesa tem muito por onde exercer a sua actividade e auferir o seu pão honestamente, desde a modesta vendedora de flôres que necessita de educação para valorizar a mercadoria, fazendo ramalhetes artisticos e apresentando-se vestida com graça, até á proprietaria dos jardins, á industrial, á operaria e áquela que dirija quimicamente os alambiques de destilação, á que vigie o acondicionamento das essencias e á comerciante, que é o traço de união entre o produtor e o publico.

No nosso país ha regiões privilegiadas para a floricultura, bastando que oficialmente o governo encarregue os especialistas de estudarem as melhores zonas floricolas e dentro delas fazerem então a propaganda pelos seus habitantes e em especial entre as senhoras a quem mais apropriada está essa cultura, instituindo-se cursos moveis para o ensino, até que se torne em pratica geral. Criado o interesse, obtida a compreensão do assunto, a iniciativa particular fará o resto.

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