A Mulher na agricultura, nas industrias regionaes e na Administração Municipal/Arboricultura

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Arboricultura
 

 

Se a floricultura é um largo e belo campo de exploração para o trabalho e iniciativa inteligente da mulher, a arboricultura está mais ainda ao seu alcance imediato, pois que a industria tem já bastante valorizados alguns dos nossos produtos frutiferos.

Pela fatalidade historica que empurra o povo português para a emigração — Moloch insaciavel que priva os nossos campos do braço masculino — e ainda pela tradição, pelo solo e pelo clima excepcionais de que gosamos, o nosso país está naturalmente indicado para se tornar um lindo e riquíssimo vergel.

Se compararmos a facilidade com que podemos ter aqui os mais delicados e mais cotados frutos para consumo, industria e larga exportação, com o trabalho e despesa que exige a mesma cultura em nações menos favorecidas pelo clima e que, apesar disso, conseguem uma industria exportadora, havemos de confessar que a nossa incuria só poderá desculpar-se pela relativa facilidade da vida nas terras do sol, como a nossa.

Regiões como o Algarve e Traz-os-Montes, onde frutifica a amendoeira, e o figo amadurece ao calor ardente do estio, podem ser, mais ainda do que são, uma fonte extraordinaria de riqueza nacional, disciplinando e melhorando o trabalho da mulher, que é já a alma dessas hoje pequenas culturas, amanhã transformadas em prodigioso manancial de lucro.

O Alentejo, apesar de não ser uma região tão mimosa de terreno para pomares e hortas, conseguiu mais do que nenhuma outra consagrar uma industria de secagem de frutos estimada em todo o mundo.

A ameixa de Elvas honra a cultura e a industria portuguêsas e merece a atenção de todos quantos se interessam pelo progresso do país.

É larga bastante a lista das arvores frutiferas que são já, e poderão ainda vir a ser mais, um grande ramo de exploração agricola, comercial e industrial, quando exploradas com persistencia e conhecimento do assunto.

O figo do Algarve atingiu este ano um preço altissimo, devido á falta do de Smyrna e á aceitação que tal alimento tem para os soldados em campanha; mas será sempre, mesmo em tempo normal, uma grande riqueza, podendo estender-se o seu cultivo e a sua secagem a outras regiões portuguesas, embora tenha de se recorrer ás estufas, que já existem na estação agricola de Mirandela. onde falta o sol ardente e persistente da região algarvia.

A amendoa, a noz e a avelã teem, assim como a ameixa, o figo e outras passas, um mercado seguro no Brasil, onde a valorizar os nossos produtos ha o amor com que o português exilado olha e quer a tudo quanto recorda a terra longinqua da patria. O mesmo sucede com o italiano e com todos os emigrantes, afinal, que são os melhores agentes comerciais das suas patrias respectivas. Mas, quanto á exportação de frutas secas para o Brasil, tudo depende dum ponto importante, que é acondicionamento e o poder-se contar com os transportes, de modo a ter as praças fornecidas em novembro, para se concorrer com os produtos similares doutros países, principalmente do sul da Espanha e da Italia, que já sabem que a grande venda destes artigos se faz especialmente para as festas do Natal.

Na região transmontana, conhecida pela terra quente, que já tanto tem beneficiado com o posto agricola de Mirandela, é necessario tornar bem conhecida das mulheres a fonte de riqueza que teem ao alcance das suas mãos.

Nessa provincia, em que não é dificil encontrar senhoras proprietarias que se interessem e saibam de agricultura praticamente, tanto como os maridos ou os pais, não será dificil fazer-lhes compreender o que a pomicultura industrial representará na economia das suas familias e quanto se espera da sua inteligencia e boa vontade. E' principalmente a essas senhoras que compete a organização metodica da industria exportativa dos frutos da região, interessando a mulher do povo pela propaganda de facto e pela associação, que valorize o seu trabalho.

Todos sabem quanto teem valido os lindos pomares de Setubal com a sua exploração larga da laranja, principalmente exportada para a Inglaterra. Tanta fama teem ainda hoje os doirados pomos, tornados pelo nosso sol criador os mais saborosos do mundo, que até na Italia se lhes chama, vulgarmente, «Portugal».

O dôce cristalizado da laranja azeda foi tambem em Setubal, no tempo dos conventos, uma pequena industria caseira bastante compensadora, cuja exportação se fazia principalmente para a Escandinavia. Hoje esse comercio arrasta-se penosamente, sem esperanças de voltar a ser o que foi, porque ha coisas que só a mulher das classes mais elevadas pode fazer valer num trabalho domestico sem grande capital, nem valorização das horas despendidas.

Assim se vão perdendo outras especialidades de conservaria conventual, que tinham fama e nome, como a marmelada de Odivelas, as ameixas de Ferreira e outras que teriam de ficar exclusivamente industrias caseiras para se poderem manter.

Com o evolucionar da sociedade, que tudo transforma, esses antigos dôces de alto ponto assucarado vão sendo substituidos pela moderna compota, de que temos os melhores produtos na fabrica Brito, de Alcantara.

Toda a gente conhece, ainda que seja sómente de nome, as peras do Fundão, as maçãs da Beira, as melancias da Covilhã, os «primores» magnificos dos vergeis de Alcobaça, antiga cultura que inteligente propaganda ressuscitou e está valorizando, as azeitonas, as uvas de mesa do Douro, Setubal e Algarve, as cerejas e ginjas lusitanas, já afamadas no tempo de Plinio, que se refere ao apreço que lhes davam na Belgica e no Rheno, sem falar nos melões admiraveis que em diversas regiões se criam em Portugal e podiam ser exportados compensadoramente para terras onde não pódem criar-se e tanto se apreciam — tudo isso representa já hoje uma grande riqueza que, inteligentemente explorada, maior ainda se tornará.

No cultivo, na apanha, na secagem e principalmente no acondicionamento, teem as mulheres o seu lugar marcado, sendo para desejar que em breve possamos vêr as nossas frutas apresentadas com o esmero e limpeza com que apresentam as suas outros países, especialmente a California onde a nossa grande colonia está fazendo o que nós aqui devíamos tambem fazer. Á mulher portuguêsa deve ficar especialmente confiada esta grande industria, como sucede ás mulheres de outros países, que, por certo, não valem mais do que as nossas.

A ela, principalmente, no seu duplo papel de mãe e educadora, cabe a missão de conhecer, para a ensinar aos filhos e aos alunos das suas escolas, a religião da Arvore.

E ela que hade fazê-la amar, não sómente como produtora da riqueza frutífera, mas como regularadora do clima, como fixadora das areias movediças do litoral, dique invencivel á progressão constante das dunas, amparo das serras que se esborôam e assolam os vales, onde o homem tem o seu pão e o seu vinho, industria florestal, fogo sagrado do lar do pobre, sombra carinhosa das estradas, beleza suprema das matas pacificadoras na fôrça que representa o passado e o futuro.

Temos a obrigação de contar com a propaganda intensificada de todos os amigos da arvore, no sentido de interessar a mulher nesse culto, e confiâmos que não só o governo central como os municípios criarão as escolas praticas de pomicultura, auxiliada pela missão de propaganda que vai ás pequenas povoações ensinar e dirigir o cultivo scientífico, principalmente nos lugares em que exista já uma produção especial.

A essas missões-escolas é que compete ensinar como se tratam as arvores para a melhor produção dos frutos, a sua escolha e acondicionamento para a exportação em fresco, assim como a secagem e conservação em dôce.

Esta dupla campanha tem de ser posta em pratica imediatamente, porque tudo o reclama no país, que necessita de criar fontes seguras de riqueza, não perdendo uma oportunidade que talvez se não torne a apresentar.