Dicionário de Cultura Básica/Fantástico

Wikisource, a biblioteca livre

FANTÁSTICO (Bruxaria e magia: gênero literário) → Kafka

"No creo en las brujas, pero que las hay, las hay"
(Ditado espanhol)

Da palavra grega phantasma, que significa "visagem", fantástico é o que é apenas imaginado, não existindo na realidade, sendo o devaneio, a fantasia, seu conceito aproximando-se do sentido de "ficção". Fantásticas são todas as formas de religiosidade que admitem a transcendência da realidade material, imaginando a existência de um mundo superior (ou inferior) ao da nossa experiência sensorial. O Olimpo dos gregos, o Paraíso dos cristãos ou dos maometanos, assim como credos indígenas, são construções ideológicas, criadas pela fantasia. De um modo geral, todas as formas de religião e de arte são fantásticas, pois ficcionais. Mas, especificamente, chamamos fantástica uma obra de arte literária, teatral ou pictórica, que transcende o real, baseando-se no sonho, no sobrenatural, na magia, no terror ou na ficção científica. Podemos distinguir um fantástico eufórico, feérico ou apolíneo (→ Apolo) de um fantástico disfórico, aterrorizante ou dionisíaco (→ Dionísio). Ao primeiro tipo pertence o maravilhoso "cor-de-rosa", o imaginário que nos protege: o mundo das fadas, dos "anjos-da-guarda", das divindades benfazejas. Pelo segundo tipo de fantástico, a intervenção sobrenatural causa terrores imaginários no seio do mundo real. Temas e personagens da literatura fantástica podem ser relacionados com os arquétipos de que fala Jung, o discípulo de Freud. Assim, por exemplo, o motivo do lobisomem (licantropia) é visto como uma doença mental em que o enfermo se julga transformado em lobo ou num outro animal cruel (aranha, urso), por força de um regresso à selvageria anti-social: a fera é o aspecto do ser humano que se recusa a participar do convívio comunitário, que nos obriga à prática da racionalidade, da bondade, da justiça. O vampiro expressa o medo da morte e o desejo do não-envelhicimento: sugando o sangue (considerado a essência da vida) dos outros homens e praticando uma sexualidade sem limites, o homem é súcubo da sedução da imortalidade. O fenômeno do sparagmos (dilacerações, partes separadas do corpo: a mão, o olho, etc.) diz respeito ao tema da posse: o homem já não é livre, pois um outro habita nele, fala por sua boca, age por suas mãos. A este pode ser associado o motivo da dupla personalidade, do hipnotismo, da loucura e dos efeitos das drogas, fatores capazes de libertar as forças do instinto, do id freudiano, que se sobrepõem à atividade racional. Outros motivos fantásticos são a inversão do visível e do invisível: a alma se torna visível (espectros dos mortos) e o corpo invisível (casas assombradas); as alterações do princípio da causalidade: bilocaçoes, atravessar paredes, regresso de pessoas do outro mundo; enfim, tudo o que infringe o sistema coerente estabelecido pela estrutura cósmica e pela razão humana.

Tzvetan Todorov, no seu livro Introdução à literatura fantástica, assim define o fantástico: "uma hesitação entre o estranho e o maravilhoso", entendendo o estranho como o sobrenatural "explicado" e o maravilhoso como o sobrenatural apenas aceito, sem nenhuma justificação. Em face de um acontecimento extraordinário, que foge às leis normais da natureza física e da razão humana, um personagem ou o leitor virtual é tomado por um sentimento de medo, de horror ou de simples curiosidade. Se, no decorrer do enredo, for apresentada uma explicação racional do fenômeno extraordinário, estaríamos perante o gênero que Todorov chama de "estranho". Caso típico é o conto policial, assim como idealizado por Edgar Allan Poe, o criador desse gênero narrativo. No conto, Os crimes da rua Morgue, duas mulheres, mãe e filha, são encontradas selvagemente mutiladas dentro de um quarto, cujas portas e janelas estão fechadas pelo lado de dentro. A narrativa coloca o leitor perante o mistério, o que parece inexplicável, pois as circunstâncias dos crimes não fazem entrever nenhuma solução possível, até um sagaz detetive não solucionar o enigma: o assassino fora um orangotango que trepara pelo muro externo da casa e alcançara a janela do quarto, que se fechara ao animal fugir.. Já o sobrenatural propriamente dito dá-se quando o fato extraordinário não apresenta nenhuma explicação racional e só pode ser admitido pela fé na religião e na magia. A esse gênero Todorov chama de "maravilhoso". O fantástico, segundo ele, estaria numa hesitação entre o estranho e o maravilhoso, apresentando uma gama de variações, que vai do estranho puro ao maravilhoso puro, passando pelo fantástico-estranho e pelo fantástico-maravilhoso. Para entendermos melhor a diferença entre os vários tipos de fantásticos, podemos comparar duas famosas obras literárias que tratam do mesmo tema: As Metamorfoses (romance vulgarmente conhecido com o título "O Asno de Ouro") do poeta latino Apuleio e A Metamorfose, conto do escritor moderno Franz Kafka. A obra de Apuleio narra a transformação do protagonista Lúcio em Asno, a de Kafka a transformação de um homem em Barata. O assunto de ambas é fantástico, só que no primeiro caso estamos perante um estranho explicado, pois Lúcio foi metamorfoseado em asno pelas artes mágicas de uma feiticeira, recuperando a forma humana pela intervenção da deusa Ísis; ao passo que Gregor Samsa, o protagonista do conto kafkiano, ao acordar de manhã, repentinamente, percebe que está transformado num inseto hediondo sem saber como e porque se deu a metamorfose. Portanto, a interpretação só pode ser simbólica. Na literatura contemporânea, o fantástico aparece freqüentemente sob a forma de ficção científica. A escritora britânica contemporânea J. K. Rowling varreu o planeta com suas histórias fantásticas, de magia e bruxaria, centradas na figura do menino Harry Potter, de cabelo assanhado e com uma estranha cicatriz em forma de raio na testa. Dos livros para a tela do cinema o passo foi fácil, fascinando leitores e expectadores com a série de Harry Potter.