Galeria dos Brasileiros Ilustres/Marquês de Abrantes

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Em 1796 foi batizado na freguesia da vila, hoje cidade, de Santo Amaro, na província da Bahia, o Sr. Miguel Calmon Du Pin e Almeida, marquês de Abrantes.

Seus pais foram os Srs. José Gabriel Calmon de Almeida e sua mulher D. Maria Germana de Sousa Magalhães.

Mandado para a Universidade de Coimbra, ali aplicou-se e distinguiu-se muito entre seus colegas, pelo que foi premiado e com muita láurea obteve o grau de doutor em leis por aquela Universidade no ano de 1821.

Logo que se formou, o governo português quis aproveitá-lo para a magistratura e despachou-o juiz de fora de Porto de Moz em Portugal; ele porém não aceitou esse lugar e retirou-se em 1822 para o Brasil.

Ao chegar à sua província natal encontrou seus concidadãos exaltados pelos motivos que deram lugar ao grito de nossa independência; tomou partido com eles e ajudou-os no intento de obter aquele grandioso fim.

Por esse tempo achava-se sua província a braços com a luta das tropas do país com as portuguesas por causa de ter sido Inácio Luís Madeira de Melo nomeado governador das armas em substituição a Manuel Pedro de Freitas Guimarães, brigadeiro do Exército e brasileiro.

Os baianos, como era de esperar, tomaram partido por seu patrício, e o Sr. Calmon nessas conjunturas foi nomeado pela vila de Abrantes membro do conselho interino de governo instalado na vila, hoje cidade, da Cachoeira, e esteve firme naquele posto por quase um ano enquanto durou a luta do secretário do mesmo conselho.

Em todos esses movimentos tornou-se bem conhecido em sua província, onde desde logo gozou de grande influência, o que lhe valeu um lugar de seu representante na Assembléia Constituinte em que tomou assento, e da qual era primeiro-secretário no mês em que o Imperador Pedro I a dissolveu.

Nos princípios de 1824 deixou seu país para ir viajar à Europa, por onde se demorou até os fins de 1826.

Durante sua ausência seus comprovincianos não o esqueceram e quando se procedeu à votação para deputados à primeira As-sembléia Geral Legislativa no ano de 1825, o nome do Sr. Calmon foi um dos que mais bem aceitos foi, obtendo por isto aquele senhor a honra de ser eleito deputado.

Em 1827 tomou assento na Câmara dos Deputados, e no fim dessa sessão foi chamado pelo imperador aos Conselhos da Coroa.

Nesse ministério em que ocupou a pasta da Fazenda, ele deu execução à lei que fundava a dívida flutuante, e organizou a Caixa de Amortização da dívida pública fundada. Foi esse o tempo calamitoso de nossa guerra com Buenos Aires, em que o governo teve de lutar com mil embaraços, e não podia distrair a atenção para outro lado.

Demitindo-se em 1828 com mais quatro de seus colegas de ministério, o Sr. Calmon voltou ao seio da representação nacional, mas no fim da sessão desse mesmo ano o Imperador precisou de seus serviços e chamou-o novamente ao Ministério da Fazenda. Nessa pasta serviu até 1829, em que foi dela transferido para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, no qual permaneceu até 1830, quando pediu e obteve sua demissão.

O Sr. D. Pedro I não quis que seus serviços pela Independência e pelo Império fossem olvidados, e como remuneração deles condecorou-o com a dignitária da Ordem Imperial do Cruzeiro, e com a grã-dignitária da Ordem da Rosa no mesmo dia em que esta ordem foi criada.

A importante figura que fez na Câmara dos Deputados, em que logo se distinguiu como um de seus mais belos talentos oratórios, não podia jamais ser esquecida por seus comprovincianos, tão apreciadores e aproveitadores dos homens distintos; nas eleições pois a que se procedeu para deputados à segunda legislatura foi o Sr. Calmon reeleito pela Bahia.

Nos primeiros anos dessa legislatura, em princípios de 1831, partiu ele para a Europa com o fim de viajar. Achava-se portanto longe de sua pátria quando o povo amotinado levou o primeiro imperador a abdicar em seu filho o trono que os brasileiros lhe tinham dado. Esta importantíssima notícia foi surpreender bem longe do Brasil ao Sr. Cal-mon, que, sabendo ao mesmo tempo de todos os movimentos que agitavam seu país depois da abdicação, regressou da Europa e veio tomar assento na Câmara dos Deputados nas sessões de 1832 e 1833, em que muito apareceram seus dotes oratórios, ainda hoje mui justamente reconhecidos e respeitados.

Não foi reeleito para a terceira legislatura, por isto encerrou-se na Bahia durante os anos de 1834, 1835 e 1836; mas por esse tempo não esteve ocioso, antes buscou quanto pôde ser útil a seu país aconselhando a criação das Sociedades de Agricultura e de Colonização, que foram com efeito fundadas, e que o elegeram seu presidente.

A organização dessas sociedades não era nem podia ser naqueles tempos um fato de grande significação que chamasse a atenção do país; hoje, porém, que as cousas estão tão mudadas, é que se pode apreciar todo o seu valor, e votar sinceros agradecimentos aos autores daquela idéia tão útil quanto vantajosa.

O governo da Regência não quis deixar esquecido o Sr. Cal-mon; precisando de um presidente para a província da Bahia lançou mão dele, nomeando-o para aquele lugar em 1835.

O Sr. Calmon porém não quis aceitar a honra de presidir sua província natal, pelo que o mesmo governo despachou-o em 1836 ministro plenipotenciário do Brasil junto à corte de Viena da Áustria, lugar que ele ainda recusou aceitar.

Nesse ano houve no Senado uma vaga pela província da Bahia; o Sr. Calmon apresentou-se candidato a ela e obteve entrar na lista tríplice; o governo porém escolheu a outro para preencher o dito lugar.

Em 1837 tomou assento na câmara temporária em qualidade de deputado suplente, e nesse posto concorreu com seus colegas para a resolução que tomou o Regente Feijó de resignar o poder que lhe fora confiado, e que de fato passou às mãos do ministro do Império, Pedro de Araújo Lima, depois confirmado naquele alto lugar.

Por ocasião desta alteração política o Sr. Calmon deixou o retiro em que tinha vivido desde 1834, e veio pela vontade do novo regente interino ocupar um lugar no ministério de 19 de setembro daquele mesmo ano.

Nesse ministério ocupou a pasta da Fazenda e teve juntamente com seus colegas de ver-se em sérios embaraços, porque a revolução do Rio Grande do Sul continuava sempre terrível menos por força que lhe fosse própria, do que pela que se lhe emprestava da corte, enfraquecendo-se as armas da legalidade com ordens e disposições inqualificáveis.

Nem foi este o único embaraço oposto à marcha do ministério de 19 de setembro; na Bahia rebentou a 7 de novembro daquele mesmo ano a revolta que proclamou independente o Estado da Bahia até à maioridade do Sr. D. Pedro II, e no Maranhão rebentou a guerra dos balaios, tão terrível pelos atos de atrocidade que cometiam aquelas tropas desenfreadas.

Apesar de tudo isto o governo foi continuando e trabalhando quanto era possível não só por desafogar o país dos horrores da guerra, como por avançar alguma coisa em sua administração.

O ministro da Fazenda por sua parte não esteve descansado durante esse tempo calamitoso; foi em sua administração que se encetou e regulou a emissão dos bilhetes do Tesouro.

Durante esse seu ministério vagou pelo Rio de Janeiro uma cadeira no Senado; ainda se propôs a ela e entrou na lista tríplice, mas pela segunda vez foi deixado de parte, sendo outro o escolhido.

Em 1839 deixou o ministério que ocupara desde 1837 e reti-rou-se para a Bahia donde em 1840 propôs-se candidato a uma vaga do Senado pela província do Ceará.

Desta vez foi mais feliz. O Ceará, que nunca o tinha visto, nem recebido dele o menor benefício, incluiu-o na lista tríplice para seu senador, e o Regente, querendo dar àquela província um representante capaz de fazer-lhe todo o bem e advogar com toda a vantagem os seus palpitantes interesses, escolheu-o para aquele lugar, donde se grandes bens não tem feito à província que representa é porque não tem absolutamente podido, em vista das péssimas condições naturais daquela parte do Brasil, que não podem de modo algum ser reparadas, nem mesmo melhoradas.

Poucos dias depois da aclamação do Sr. D. Pedro II tomou o Sr. Calmon assento no Senado brasileiro, sendo por este tempo convidado por aquele augusto senhor para fazer parte do Ministério que então se organizou, e no qual não entrou por ter S. M. I. aceitado a escusa que solicitara.

Nesse mesmo ano casou no Rio de Janeiro com a Srª D. Maria Carolina da Piedade Bahia, filha do Sr. Comendador Manuel Lopes Pereira Bahia, hoje barão de Meriti.

Logo que foi dissolvido o Ministério da Maioridade, e teve-se de organizar outro, S. M. convidou novamente ao Sr. Calmon para fazer parte deste, convite que ele aceitou, encarregando-se ainda da pasta da Fazenda.

Durava ainda por esse ano a revolução do Rio Grande do Sul, e para mais complicação rebentou em Minas e S. Paulo a revolta que, embora sopitada logo em seu começo, não pouco custou contudo ao Ministério, que teve de exercer sobre os seus chefes mais influentes perseguições desculpáveis pelas circunstâncias em que uns e outros se achavam colocados.

Em 1843 retirou-se o Sr. Calmon do Ministério, e no mesmo ano foi nomeado conselheiro de estado ordinário.

Em 1844 foi encarregado pelo governo imperial de uma missão especial a Berlim, cujo fim era negociar um tratado de comércio com o Zollwerein, e conquanto essa missão não tivesse o desejado efeito, não perdeu o nosso encarregado o seu tempo, tendo obtido por meios indiretos que o Parlamento inglês revogasse a cláusula que havia proibido o consumo do açúcar produzido por trabalho escravo; cláusula que, como é fácil reconhecer, prejudicava muito profundamente aquele importante ramo do nosso comércio.

Regressando ao Brasil em 1847 tem o Sr. Calmon continuado a servir ao país e ao monarca no Senado e no Conselho de Estado, e a prestar outros serviços de não pequena utilidade pública, como presidente da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional e da Mesa do Recolhimento de Santa Teresa para asilo da infância desvalida; comissário do governo no Instituto dos Meninos Cegos; presidente da Comissão Promotora do Instituto dos Surdos-Mudos; provedor da Santa Casa da Misericórdia e presidente da Imperial Academia de Música Nacional.

Por graça imperial foi nomeado em 1849 visconde de Abrantes, com grandeza, e em 1854 marquês do mesmo título.