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A esperança

 

d'elles. Ambos estão já no reino da verdade!.. Deus me perdõe a raiva que lhes tive.

Parou de repente, olhando para sua mulher, que cobria um chaile e punha o chapeo, e disse passado um pouco:

― Mas penso agora que fiz mal em decidir trazer para casa Maria Isabel sem consultar-te. A casa é tanto tua como minha. Se assentas que não a devemos trazer para cá.....

― Pois crês que eu podia oppôr-me a uma acção generosa que queres fazer?

― Mas julgas talvez melhor que a protejamos fóra de casa? Mas consideremos... Em casa de Carolina dando-lhe nós uma pequena pensão podia estar; porém está só, exposta a muitos perigos e viverá mal e eu queria que a consolassemos de suas tristezas. N'um convento estaria melhor; mas isso fica caro para nós: agora, queria dar-lhe todas as commodidades e...

― Venha para aqui, atalhou Adelaide. Consolar-a-hemos; aconselhal-a-hei como mãe; Rufina a amará como irmã, e Maximino não nos dará desgostos. Tens razão. Façamos a obra completa.

Ouviu-se rodar uma carruagem.

― Não te disse? tornou Custodio da Cunha quasi com um sorriso, chega o coupé.

― E' verdade!.. Como acharei Maria Isabel?

― Teu filho ha-de saber mais promenores sua morada.

Em caso de difficuldade consulta o nosso fabricante João da Madgalena. E' homem capaz; e a gente da sua classe sabe tudo o que vai pelos seus arredores. ―

― Maximino entrava já no quarto com pascommedido para não mostrar muito ardor. Os paes muito severos ensinam, sem o sabere, a dissimulaç#ao a seus filhos. Maximino porem era franco e fingia mal. Seu pae o encarou e lhe disse com o seu ar sério:

― Maximino, acompanha tua mãe ao carro e vem fallar-me.

O coupé partia com Adelaide e Maximino ficou á porta emquanto o avistou. O coração lhe batia com impeto. Procurou socegar, para ir ter com seu pae.

 

 


Quem póde cultivar pomposas e lindas flores offerece-as com ufania a quem lhes sabe dar merecimento; mas eu que no meu jardinsinho só posso cultivar as mais humildes e menos bellas, offereço-as sem vaidade como as tenho e aqui vae a ultima que desabrochou e que offereço ao ill.mo snr. F. M. de Sousa Viterbo. ― É esta ―

A harpa triste que eu vibro

A harpa triste que eu vibro
Deu-ma um anjo do Senhor,
Dizendo-me: ― «olvida o mundo
«N'ella canta o Creador.

«Não te amofinem tristezas,
«Nem a cruz que o céo t'envia;
«Cuidas tu que é sobre a terra
«Que paz s'encontra, alegria?!

«Esqueces que és n'um desterro,
«N'um val de pranto e saudade;
«Não sabes ventura, gloria,
«São alem na eternidade?..

«Como querias achar
«N'este desterro, ventura,
«Quando o Redemptor sorveu
«Cheio, o calix d'amargura!..

«Sem uma queixa soltar,
«Soffreu sem um só lamento!
«Soffre tambem e n'esta harpa
«Canta d'um Deus o tormento!

«E nos dias d'afflicção,
«Com ella mitiga a dor,
«Tira sons melodiosos,
«Canta o Filho do Senhor!

«Canta a Virgem que foi mãe,
«Maria, a estrella formosa,
«Volve o pensamento ao céo,
«Vibra a corda mais mimosa.

A harpa triste que eu vibro
Deu-ma um anjo, d'esta sorte.
E qual o cysne expirante,
Cantarei até à morte.

Maria Adelaide Fernandes Prata.

 

 
Porto: 1865 ― Typographia de J. Pereira da Silva & F.o


Praça de Santa Theresa, n.º 63