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A esperança
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― Não, meu pae, não. Mas tenho considerado que fiz muito mal em não seguir a occupação de meu pae e a oppôr-me á sua vontade; e tambem que os meus longos estudos fazem um grande pezo á casa, e desfalcam aquillo que no futuro podia ser um dote para minha irmã.

O ancião corrêra a mão pela testa e a demorou sobre os olhos, curvando a cabeça sobre o peito.

Maximino esperou em silencio, mas vendo seu pae immovel, assustou-se e correu a elle, bradando:

― Não está bom?!

E tomando-lhe a mão pertendeu descobrir-lhe o rosto.

Zangou-se Custodio da Cunha por ser pilhado em flagrantes signaes de ternura, porque tinha os olhos cheios de lagrimas, e bradou com impeto:

― Deixa-me!..

O mancebo afastou-se atemorisado. Depois examinou seu pae com terna affeição, pensando:

― Faço mal em temel-o. Minha mãe tem razão em dizer que só ola o conhece e availa. Tem uma alma como poucas. Agora estava elle commovido pelo que eu lhe estava dizendo. Fiz mal em devassar o véo de dignidade com que queria occultar-me as suas lagrimas.

A voz do ancião, doce como poucas vezes se ouvia, fez estremecer o moço de admiração e contentamento:

― Assenta-te perto de mim, meu filho: disse elle indicando-lhe uma cadeira a seu lado.

Maximino obedeceu.

― Quando eu queria, continuou, que te desses ao negocio, estava persuadido que não havia occupação melhor, nem mais honrosa. Os enxertos em arvores taludas pegam mal. Os teus mestres e lentes dão-me boas informações de ti. Emquanto ao peso que fazes á casa, eu ainda me não queixei. Se não estou nadando em prosperidade, tambem não estou reduzido a cerciar os estudos de meu filho.

― Mas.. perdôe, meu pae, a minha observação. Minha irmã foi privada dos seus mestres.

― Os estudos d'ella não eram precisos. Eram um luxo; os teus são uma necessidade: são o teu futuro e talvez mesmo o d'ella. Ninguem póde prever eventualidades. Desejava que Rufina fosse muito prendada: mas fizemos o que podemos; e no que já sabe achará recursos para se entreter a si e aos outros. Tu, porém, continúa com os teus estudos, e faze por te distinguires.

― Farei tudo o que ordenar, meu querido pae.

Esta ultima frase dita com ternura, tornou a commover o pae. Um momento guardaram silencio, depois disse Custodio da Cunha:

― Vai para os teus livros, meu filho; por ora é essa a tua occupação. Se as circumstancias ordenarem outra coisa, mudarei de tenções e tu de tarefa; mas espero que não. Um homem deve sujeitar-se a qualquer genero de vida, contanto que viva com honra.

Maximino retirou-se profundamente enternecido e o pae não o ficava menos.

 

 
A borboleta


Dedicada e offerecida ao meu adorado pae

Borboleta côr de neve
D'onde vens a vôajar?
Se és acaso mensageira
Que novas me virás dar?

Vens dizer-me que é já findo
Esse tempo de amargura;
Que em breve vai ser trocada
Em risos minha tristura?

Que a saudade vai fugir,
A triste ausencia findar;
Que passados poucos dias
Posso o meu pae abraçar?

Diz-me, diz-me borboleta,
Onde está o pae que adoro?
Não respondes, não tens pena
D'estas lagrimas que eu chôro?!

Tua côr é innocente,
Não me podes enganar.