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A esperança
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Flores

(N'um album)
J. Autran

Quem és tu, flor de petalas coradas,
Como virgem que ardesse n'um desejo?
Quem foi que te lançou a côr do pejo
N'esse seio de folhas purpuradas?

Não as tens já tão puras, nacaradas,
Como essa tua irmã, que eu além vejo,
Tão séria, que nem sente o leve beijo,
Que lhe furtam as auras perfumadas...

Porque? Ai! quem sois vós, flores mimosas?
Que nome vos poz Deus, ó minhas flores?
Dil-o um livro de phrases sonorosas?

Talvez ― Dar-vos-hão nome os sabedores...
Eu só sei que sois filhas extremosas,
As filhas do Senhor e seus amores!

Coimbra ― 61

Anthero de Quental

 

 

Maria Isabel


Romance original por Maria Peregrina de Sousa

Dedicado á memoria de minha irmã

(De pag. 186)

Ou boçaes ou tratantes

Subiu um homem dos seus quarenta annos, forte como um Hercules, de cabellos emaranhados e ar de basbaque. Seu traje era de homem do campom seu andar e gestos os d'um boçal na gêma.

― Que recado me traz da snr.a Carolina? disse logo Maria Isabel meio assustada. A estas horas mandar cá!..

― Eu... lhe conto... tartamudeou o homem, coçando na cabeça e fazendo tregeitos com os olhos e bocca. Gosto de... dizer as coisas do... comecilho. Assisto... n'uma casa a... escapulir para fóra... da cidade. Eu e a... minha companheira gostamos de... vêr aos domingos os... ranchos de...

― Pelo amôr de Deus dê-me o recado da snr.a Carolina!

― Já... lá vou. Hoje vimos... eu e a minha companheira uma mulher... já veterana, de corpo esguio e... cára de arremeter, a... dar ao braço e á perna que parecia um home! Seguia-a... um frangote a modo de marujo... com cachimbo na bocca e ares de namorante. Dizia graçolas ás... moças que encontrava...

― Bom homem, acabe com isso. A snr.a Carolina que manda dizer? Succedeu-lhe alguma coisa?

― Eu lhe conto. Pelos módos foi ahi... para fóra fazer uma jantaróla...

― Marendóla, atalhou André. Ouvi-lhe domingo passado dizer na despedida á snr.a D. Maria Isabel que haviam hoje de...

― Merendóla... ou... jantaróla... Era coisa de comer. E lá que a snr.a D. Maria Zabel vá á mão.. á gente!.. vá d'empace, mas voncecê!..

― Por Nossa Senhora lhe peço, exclamou a donzella, diga-me o que tem a dizer com brevidade!

― Eu... lhe conto. A tal mulheraça arrecolhia-se com o marujo... do cachimbo, quando... um cariolé... záz!.. vai per riba d'ella...

― Jesus!..

― E o marujo a querer ter mão no... cariolé...

― O' meu Deus!.. E ficou mal tratada?

― Eu... lhe conto. Passou-lhe só por riba... d'uma perna... Cuido que lhe não fez... muito mal. Não a mêche... e tem-a... inchada como a... minha barriga; mas ella só se desgraceia pelo mal de... seu filho.

― Seu filho?! Que mal lhe succedeu a elle tambem?

― Eu lhe... conto. Queria livrar sua mãe.. e... e... zás. Ficou debaixo do carriolé.

― Jesus!.. E está muito mal?

― Eu... lhe conto. Por uma unha negra... não lhe passou.. por riba do.. gasganete.. (salvo.. seja..) uma ro.. da; mas emagou-lhe.. (salvo.. seja..) este braço por aqui, e.. esta mão por alli.. e o peito.. (salvo.. seja) aqui ao pé do... estamago. Ficou como uma rãa.. estirado; por esse.. chão, sem dizer um ai Jesus, e a

Primeiro Anno ― 1865
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