Página:A Esperanca vol. 1 (1865).pdf/196

Wikisource, a biblioteca livre
196
A esperança

 
Branca
I

Se v. exc.as, minhas leitoras, querem, por um pouco, adormecer no coração as maguas da vida real com extranhas alegrias e novas impressões, entrem comigo no salão do baile e deixem-se mergulhar na onda tumultuosa do prazer, impellidas por ideialidades que as hão-de embriagar em quanto cá dentro houverem risos e lá fora brilharem estrellas... Depois, quando desmaiarem no ceu as vagas doiradas da noite, quando a lua esconder a face de traz da cortina azul do espaço, desvanecem-se as utopias e morrem como as flôres que ha pouco rescendiam e extinguem-se como as luzes, que ha pouco illuminavam. Estamos no baile. Ouçam o arfar dos seios que languesceram na vertigem das danças e as phrases soltas e ardentes de duas almas, que se entendem. Reparen nos olhares incendidos que se cruzam, nos sorrisos meigos que se encontram, nas mãos que se apertam voluptuosamente... Sorvam a longos haustos a poesia do quadro, em quanto as imagens não descoram e se extinguem deixando apenas ligeiras sobras na téla... Reparem n'esta mulher que está sentada á entrada do salão e que apenas agora vêmos de lado. Que gracioso perfil! Que harmonia e regularidade de traços se nota á primeira vista n'esta physionomia... Um sympatico moço, para quem ha pouco ella olhava, offereceu-lhe agora o braço e convidou-a á dança, por que a orchestra entoára as primeiras notas d'uma polka. Esta mulher tem os cabellos loiros como a ingleza, os olhos languidos como os da andaluza e sabe-se apresentar com a elegancia da parisiense. Oh! Entrou agora na sala um meu amigo. Desculpem v. exc.as, minhas leitoras, mas vou sair-lhe ao encontro para rogar-lhe que me inicie sobre particularidades da biographia d'esta mulher.

II

— Esta mulher chama-se Branca e é, como vês, uma formosa criança de quinze annos. Augusto da Cunha, o homem com quem dança, é aos olhos do mundo um amante desvairado, na minha opinião, porém, julgo-o um poeta, que a sociedade não conhece, porque não comprehende. Ha comtudo um homem «d'ouro», um namoradiço insupportavel (eil-o que passa, repara) preferido pela familia de Branca ao obscuro escriptor, que o talento nobilita, mas que para se alimentar escreve folhetins em diversos jornaes. Branca e Augusto sentam-se. Avancemos depressa para o vão d'aquella janella e ouviremos assim, disfarçadamente, a sua conversação.

— Branca, peço-lhe que seja forte para não ser victima das «conveniencias sociaes.» O dinheiro d'este homem é uma nuvem negra, que vem empanar-nos a felicidade, que eu via transluzir de longe... Ver cahir desflôridas as nossas verdes esperanças!.. Isto ensandece e mata...

— Socegue, Augusto, socegue. A victima não hade caminhar para o holocausto, porque prefere o suicidio á sujeição ignobil... Tenha confiança em mim... «A intelligencia é sempre preferivel ao dinheiro..» Assim o creio, Augusto.

— Obrigado Branca, obrigado. As suas palavras foram balsamo para as ulceras da minha alma. Sseja forte.. sim? Depois d'esta noite pesada, d'estes estremecimentos da incerteza, hade raiar a manhã da nossa felicidade. Obrigado, Branca, obrigado. Sou contente de si, porque sabe comprehender que a «intelligencia é sempre preferivel ao dinheiro.»

N'este comenos uma senhora de quarenta annos, pouco mais ou menos, por um imperioso volver d'olhos chamou Branca para junto de si. Ella estendeu a mão ao poeta e despediram-se em silencio. Despois atravessou a sala vagarosamente e foi sentar-se pensativa, n'uma cadeira, ao pé de sua mãe.

(Continúa).

Alberto Pimentel.

 

 
A noite de S. João
 

 

Vem sobre a terra com vagar descendo
As sombras d'essa noute meiga e pura,
Qual diaphano veu, que vêr nos deixa
N'um timido oscillar, milhões d'estrellas.
Noite de S. João, noite fadada,
Noite d'encantos, d'illusões, d'esp'ranças,
Depressa vem; por ti en ancia esperam
Corações innocentes, almas puras.
Noite de S. João, como és formosa!
Que singelos folguedos tu me inspiras!
Aqui, por sobre a relva, se prepara
D'aromaticas plantas a fogueira;
Em torno d'ella em danças vão girando
Mancebos e donzellas, que desprendem
Sonôrosas canções, que ao ceu revôam
D'envolta com o fumo da fogueira.
Alli a casta virgem colhe a medo
O fatidico cardo e a medo o queima
P'ra nelle soletrar o seu destino.
Outras além mais receiosas lançam
Em vazos de crystal quebrados óvos.
Da fonte ao pé um moço imberbe ainda
PEquenos papeis dobra, onde escrevéra
Uns nomes femenis e n'agua os lança.
Confiando que a sorte lhe revolva
O fatidico nome d'essa virgem,
Que lhe será, mais tarde, companheira.
Aquelle outro consulta uma estrellinha,
Onde deseja ler sua ventura!..
Um clarão singular a lua espalha,
Qual feiticeira alampada, que doura
Mysteriosas scenas sobre-humanas!..