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A esperança
197

 

Gostosas illusões e meigos sonhos
Adejam sobre a terra em brando vôo....
Vae quasi finda a noite e a branca aurora
Pouco e pouco desprega o manto ao dia.
As sombras fogem, como os vultos negros,
Que se vão recolher na paz dos tumulos:
Com ellas vão tambem os meigos sonhos,
Chymeras e illusões, que a noite encerra.
Que esperanças não murcha a luz do dia!
Ai! quantas lilusões, tão gratas, doces,
Trocadas em amargos desenganos!
Das mãos da virgem a tremer resvala
A alcachofra gentil que chamuscada
Nunca verdor tomou c'o bento orvalho!
Tem outra a face triste, se contempla
Quanto de mau agouro o vaso encerra!
Por sobre a gema do ôvo em brancos flocos
Mortalha horripilante se desenha!
Sem consolo, o mancebo se desvia
Do limpido crystal onde lançara
Os pequenos papeis: estes fechados
Se conservam ainda á tona d'agua.
Nenhum d'elles se abriu, nenhum ostenta
O nome da mulher que tanto adora.
A consultada estrella não responden
Por não querer, inda que bem soubera,
Revelar do porvir tristes mysterios!...
Noite de S. João, pr'a que expozeste
Teu manto d'illusões à luz do dia?
Eil-as todas perdidas, desfolhadas,
Sem viço, sem a cor que tu lhe deste!
Murchas esp'ranças, illusões perdidas
E' o que resta de ti, noite formosa,
De teu meigo prazer, de teus encantos!!
Vae, ó noite fadada, vae, descança
Na lousa do passado, onde cahiste.
Vae que sempre d'agora e do futuro-
Voltarei para ti olhar saudoso!

Veiga de Lilla 24 de junho de 1865.

EPHIGENIA DO CARVALHAL SOUSA TELLES.

 

 
Amor de filha....
 

 

Eu d'ella nem sei mesmo o que se diga!...
Só para si vivia... Amor's não tinha...
Se a pobre rapariga
Nem á janella vinha!...

A's noites junto á meza costumava.
De dia a mesma coisa... a trabalhar!..,
Bordado não deixava
Sem primeiro acabar...

A costura de pranto rociada
Era espelho, onde eu via a sua alma...
De trabalhar cançada
Martyr ganhaya a palma!

Nem de noite deixava a sua agulha!
Nem por alva largava o seu dedal!...
E em pranto se mergulha
Aquelle rosto oval!...

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Será pois ambição, que assim a mova
A trabalhar continuo tão cançada?!
E' que n'aquella alcôva
Tem a mãe entrevada....

ALBERTO PIMENTEL.

 

 
AMOR NO OCEANO
ROMANCE MARITIMO
OFFERECIDO AO MEU AMIGO F. M. DE SOUSA VITERBO
II

Eram 6 horas da manhã, e o brigue, já fóra da barra, ia sulcando airosamente as aguas, que lhe embalavam, pacificas, o costado. O sol atirava ao largo os seus mantos crepusculares, para dourar a superficie das ondas, e encher de brilho as vélas côr de neve, que nunca pareciam ter andado expostas ás asperezas da tempestade, aos rigores dos aguaceiros. Ia ufano e cheio de galhardia, como se pensasse que era o vasto corpo, que encerrava e obedecia á intelligencia activa dos homens do mar.

O capitão continuava a dar as suas ordens.

— Larga o traquete — gritou elle — cassa mais aquella escota de bombordo... assim... aguenta... volta marinheiro.

— Orça... gritou por sua vez o piloto, que se achava no castello de proa... arriba.

O homem do leme executava fielmente estas manobras.

— Encontra... mais... observou o capitão a um marinheiro, a quem o navio estava entregue.

Assim pela manobra bem dirigida do ca-