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A esperança

 

redes- desmoronadas em parte. O laponio saltou ao chão com presteza, e abriu a portinhola do lado opposto á casa arruinada; tirou o chapeu e offereceu o braço por apeio á donzella. Ella sem reparar n'estas maneiras tão pouco proprias d'um rustico, desceu. Quiz dirigir-se á casa em que julgava estavam penando os seus amigos; mas o rustico com a voz rude com que havia fallado primeiro, só mais expedita, disse indicando a porta d'uma quinta:

― Para aqui é que mora o mordomo. E fujamos... Não vá este cariolé fazer-nos o que o outro fez á senhora Carolina e senhor Francisco.

― Mas, disse Maria Isabel, não é n'aquella casa que elles estão?

― Eu lhe conto... Mas fuja...

E pegando sem ceremonia n'um braço da donzella a levou para o portão que estava aberto. Os cavallos voltavam; e a prudencia aconselhava esta manobra. O laponio proseguiu, fazendo entrar a orphã no pateo da quinta:

― O meu pequeno disse-me da ginella que trouxeram para aqui os estupiados.

No fim do pateo via-se luz a uma das portas da casa O campesino precipitou-se para diante, tirou a luz da mão de Miquelina e deu-lhe um empurrão para que se escondesse atraz da porta.

Maria Isebel correu tambem para diante receiosa de que lhe quizessem occultar a morte d'algum dos seus amigos.

― Que ha de novo? disse ella assustada.

― Eu lhe conto... E' tudo velho aqui.

― Vi uma mulher...

― Era a minha companheira que ia buscar de beber para os molestados.

― Não morreu nenhum?

― Ninguem quer morrer. Suba e verá.

O homem levava a luz adiante. No meio da escada voltou-se para se assegurar que era seguido por a donzella. Avistou Miquelina que sahia do escondrijo em que elle a fizera metter, atirou-lhe com toda a força o chapeu á cara, dizendo:

― São aqui tantas as ratazanas..... Avistei agora uma, que lhe morderia, se podesse.

A filha de Ricardo d'Oliveira, que não era muito aguerrida com os ratos, subiu mais apressada. Chegaram á porta da sala, que o rustico abriu, dizendo:

― A senhora D. Maria Isabel.

Já não receiava que ella lhe fugisse; e se pôz ao lado com ar de fingida submissão, para deixal-a passar.

Maria Isabel entrou e soltou um grito. Tinha diante de si Ermelinda. Quiz retroceder, a porta estava fechada.

― Onde está a senhora Carolina e o senhor Francisco, disse ella com voz alterada? Quero vel-os.

Custava-lhe a persuadir-se que tinha sido victima de um logro. Pensava que Ermelinda estava alli por acaso.

― Envergonhe-se! disse Ermelinda. Uma menina delicada e da nossa familia, namorar um tosco marinheiro?.. Mandei-a buscar para minha companhia por que sou a sua parenta proxima.

― Ah! Então foi peta o que me disseram do desastre dos meus bemfeitores e amigos!? Deus seja louvado! Mas quero retirar-me d'aqui.

― Não cuide que se ausentará. Como precisa ser guardada...

Maria Isabel sem attendel-a, bateu na porta furiosamente bradando por soccorro.

― Que vergonha!.. tornou Ermelinda. Se quem Deus tem visse como se porta a sobrinha, que elle tanto amava, lançar-se-ia ao mar.

A donzella esgotada de forças, e vendo que ninguem accudia a seus brados, lançou-se sobre uma cadeira a derramar lagrimas amargas. Ermelinda continuava com as suas admoestações. A donzella não replicava; pensava nos riscos que ia correr e no que podiam imaginar os amigos de quem parecia ter fugido.

A porta da sala abriu-se, e disse uma voz entre zombadora e ceremoniosa:

― O chá está prompto. V. exc.as querem tomal-o aqui?

A orphã voltou-se sobresaltada. Parecia-lhe que a voz do homem rude que a trouxera ao engano. A figura era a mesma forte e atletica; mas o trage, a presença e as maneiras