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A esperança
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lho, ou uma copada palmeira a convide a poizar.

«Carlos e Laura são os nomes dos meus amigos e companheiros da infancia. Foram creados com a intimidade d'irmãos, e sempre desde crianças foram dois irmãos extremosos, e inseparaveis.

«Trepavam ambos ao alcantil das rochas, e depois alli, assentados n'algum tapete de relva e musgo se entertinham a fazer corôas de flôres, que Carlos depunha na formosa cabeça da sua companheira, ou a correrem atraz d'alguma mariposa que doidejava em roda d'elles.

«Despois desciam para a planicie, e vinham assentar-se de mãos dadas, debaixo d'algum sinamomo ou acacia.

«As outras crianças que brincavam ao pé d'elles passavam quasi sempre desapercebidads, por que os dois jovens poucas vezes tomavam parte nos seus ruidosos divertimentos.

«Eu era a unica que muitas fezes lhe fazia companhia; por que o meu genio melancolico attraia-me para aquellas duas crianças que preferiam o bafejo da brisa, os cantos do rouxinol, e os tapetes de relva, ao dormir e esconder, á cabra-cega e a outros muitos folguedos que a mocidade inventa.

«Era eu um pouco mais velha que elles; ambos eram muito meus amigos, mas tratavam-me com algum respeito e deferencia, devido talvez á differença d'idade, ainda que pequena, ou ainda mais á seriedade do meu tracto.

«Laura, sobre tudo, mostrava-me uma estima, uma dedicação, que eu não pude deixar de a estremecer como uma irmã muito querida.

«Alguns dias em que Carlos estava mais melancolico, quasi triste, a pobre menina enterrogava-o com os olhos, e se os do seu companheiro não respondiam ia-se lançar chorando nos meus braços, e dizia-me entre soluços:

«Talvez que offendesse Carlos, elle está tão triste!

«Assim passaram a infancia. Os paes dos dois moços formaram projectos de casamento; queriam unir mais com os laços do matrimonio aquellas duas almas já tão presas pela sympathia.

«Decorreram mais alguns annos, e estes projectos foram abandonados, por motivos que eu omittirei....

«As duas crianças separaram-se; era chegado o tempo em que Carlos devia ir para o collegio.

«Choraram muito; e eu chorei com elles.

O pai de Laura formou outros projectos de uniões vantajosas para a sua filha, que tanto amava, e Laura submissa sugeitava-se á vontade de seu pae.

«Uma d'essas uniões estava a ponto de realisar-se, e eu perguntei um dia a Laura: ― a quem amas mais, ao teu noivo, ou a Carlos?

― Espera, minha Maria, ― me respondeu ella ingenuamente ― parece-me que ao meu noivo estimo-o com o cabeça, mas a Carlos,.. é com o coração.

«A donzella exitou em dizer isto, e fez-se corada como uma cereja!

«Comprehendi logo que aquella sympathia se tinha convertido em amôr, no coração da minha amiga, sem que ella o suspeitasse e tremi; pela sua felicidadae: ella ia dar sómente a sua mão ao homem com quem tinha de passar a sua vida!!

«Felizmente esta união foi desmentida como tantas outras o haviam sido.

«Carlos cada vez era mais triste, mais pensativo; e eu scismava ás vezes n'aquella melancolia sem lhe atinar com o motivo.

«Um dia veio Laura ter commigo debaixo d'um caramanchão aonde eu estava a lêr; e depois de me abraçar mostrou-me um papel.

― Que é isto? ― lhe preguntei eu.

― São versos que encontrei na relva que serve de tapete áquella acacia; de certo são de Carlos porque a lettra é sua. Queres vel-os? são bem lindos.

«Desdobrei o papel: eram effectivamente versos, e escriptos por Carlos! Elle estava a dois dias em casa de Laura, eram d'elle sem duvida alguma.