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A esperança
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― Pode voltar para traz.

― Para traz anda o caranguejo. D'aqui a um tudo nada o perderemos de vista. Deixe-se estar diante de mim e fallemos á nossa vontade. Mas o senhor Francisquinho que tem agora. Está assim a modo de quem viu o tardo!...

― E' porque tenho muita pressa.

― Chegou-lhe essa pressa do pé para a mão!...

― Com o gosto de ver a senhora Joaquininha esqueceu-me um recado do nosso capitão.

― Bem me fio eu n'isso!

― Póde fiar-se. Se me quer bem, deixe-me levantar ferro.

O diacho do rapaz, pensou elle olhando para traz, sumiu-se; mas hei-de pilhal-o). Deu um forte puchão ao braço preso, mas a rapariga o segurou com mais força dizendo:

― Cuidava que me escapava?! Pois não escapastes!... Ha-de prometter-me aqui que não ha-de procurar mais a Carolina da Josepha.

― Prometto tudo se me deixa agora ir aviar o negocio do piloto...

― Ora pilha-se mais depressa um mentiroso do que um coxo! O recado era do capitão, agora é do piloto.

― E' d'ambos, senhora Joaquininha. Deixe-me ir, senão perde-se a veniaga.

― Sim, seu grande traste! Eu já lhe conheço as manhas.

(Já não apanharei o rapazola) pensou elle desesperado. Elle podia livrar-se á força, mas a rapariga não o deixaria sem lutar com a coragem d'uma mulher zelosa, acudiria gente e quem sabe se o deixariam evadir-se! Emquanto o marujo pensava tudo isto, Joaquinha lhe apertava o braço com força, dizendo:

― Bem o conheço! Lombrigou alguma das suas afeiçoadas, e queria deixar-me para lhe ir fallar!

Francisco sem a contradizer olhou em frente e disse com um sorriso muito agradavel:

― Adeus senhora Carolininha. Como vai?

A senhora mãe deu-lhe o folar na Paschoa?

Joaquina voltou-se rapida e colérica. Procurou furiosa com a vista por um e outro lado. Não avistou a sua rival, nem alguem que lhe despertasse suspeitas. Tornou a virar-se para o seu arrôjado. Tinha desapparecido.

 

 

Quinze dias fóra do Porto


(de pag. 173)

II

O bom Jesus do Monte

Na manhã do primeiro dia, que passamos em Braga, partimos para o Bom-Jesus. Como as horas nos pareciam rapidas n'aquella amena es!ancia! Aquella suave melancolia do ermo ia bem á nossa alma, affeita a viver no povoado. Aquelle quadro, suprehendentementecolorido, é muito mais sublime por apresentar aos nossos olhos duas feições evidentemente caracteristicas. Uma perfeitamente idyllica, exuberante de graciosissimos traços. A outra melancolicamente arrebatadôra como os Tristes d'Ovidio e as meditações de Lamartine e ainda que triste e palida até certo ponto, vagamente illuminada dos reflexos da poesia da natureza. Isto é. Para as almas bem medradas d'esperança e alentadas de santas alegrias o Bom-Jesus não é mais que uma perpetua festa bucolica. ― Esta é a feição idyllica.

Então embalam a nossa alma nos seus sagrados extasis os suavissimos pôemas d'amor e saudade, gorgeados pelas aves, que se aninham entre moitas flôridas. Os perfumes das flôres silvestres, a magestade d'aquella explendida vegetação, a toada alegre e festiva dos sinos do templo, que do alto do campanario rola até aos nossos ouvidos, a engraçada chorea das cambiantes borboletas, que bailam de hastea em hastea, de virgulta em virgulta, são accidentes de perspectiva, que muito engrandecem o quadro tornando-o alegre e gracioso como um idyllio de Gessner e uma bucolica de Castilho.

A outra feição sublime, mas melancolica, frisa-se bem á tristeza do scismador, que alli vai curtir maguas da sua alma.