Página:A Esperanca vol. 1 (1865).pdf/210

Wikisource, a biblioteca livre
210
A esperança

 

no. Não tenho remedio senão ir ao navio; mas faço-me de véla cá para riba em menos tempo que é preciso no mar alto para virar de bordo. Ao meio dia ao pé da camara. Sem mais...

― Separaram-se.

― D'alli a poucas horas Maximino corria a cavallo as cercanias do Porto. Batia todas as moitas (como se expressaria um caçador), mas não dava com os rastos que buscava. Custodio da Cunha inqueriu dos alquiladores se algum dos seus carros tinha levado a ultima noite uma joven para o campo. No entanto Francisco procurava a sua namorada numero dous. Depois de muitas voltas e passos inuteis deu com ella na feira do Bolhão.

― Ora seja bem aparecida a senhora Joaquininha, exclamou elle. Já não ha quem a veja! Chega um home de viagem e nem por isso é mais feliz. A ingrata que nos faz cócegas no coração navega para outro rumo.

― O senhor Francisquinho é um traste!... Bem me tem dito a Marianna que me não fiasse nas suas fallas. Eu estava já desconfiada pelo não ver, porque o senhor não me procurou e já esteve com a Carolina da Josepha que o soube eu de raiz.

― Não seja desconfiada, senhora Joaquininha! Bem sabe que a minha mãe e madrinha d'ela, é muito amiga da mãe, não podia eu deixar de vel-a: e, palavra, tenho procurado a senhora Joaquininha como a agulha busca o norte. Se soubesse o que hoje tenho corrido para encontral-a, dar-me-ia um abraço.

― Um abraço?!... pois não destes!....

― Diga-me ao menos quando vai a Villar, para eu ter o gosto de acompanhal-a.

― Já não tenho que ir lá fazer. Minha irmã levantou o vôo d'alli ha dias com sua impertinente e presumida ama.

― E aonde pousaram?

― Eu sei cá! E' segredo ao que parece, pôrque não deram parte da mudança.

― A gente que não faz mal a ninguem para que se ha-de esconder? O dianho leve todos os segredos!!!

― E o senhor Francisquinho não faz mal a ninguem? Pois olhe que tenho minhas suspeitas de que esmurrou as ventas da minha irmã Miquelina...

― Eu?!... salvo seja!... Para que lhe haviɐ eu de fazer mal?

― Eu sei cá... O que sei é que ella trouxe a cara uma lastima e desde então fallar-lhe no senhor Francisquinho é o mesmo que fallar-lhe no cão tinhoso. E disse a nossa mãe trapos e farrapos do senhor Francisquinho! Não me tenho amofinado pouco com isso!

― Pois quer vel-a. Quero tirar a minha a limpo. Cá um home não ha-de ser assim enxovalhado sem mais nem honte. Aonde a hei-de procurar mais braça menos braça?

― Na minha verdade não sei aonde móra, mais a impertigada da ama; que aqui entre nós não me parece boa rez. Ah!.. Ponha-se diante de mim... Lá anda o José (o paquete da casa) a fazer compras. Se elle me vê com o snr. Francisquinho, vai dizer a minha irmã que eu estava com um embarcadiço e ella não me dará os brincos d'oiro que me prometteu, se eu o deixasse.

― Então adeus. Não perca os brincos.

― Espere. Antes quero perder os brincos do que a sua presença; mas posso enganal-a. Depois de pilhar os brincos digo-lhe que não deixo o snr. Francisquinho ainda que se vire o mundo.

― Mas é melhor que ella se ponha de bem comigo. Preciso saber onde está para lhe ir fallar. Vá a senhora Joaquininha assim como quem não quer a coisa e faça-se encontradiça com o rapazola e pergunte-lhe aonde deitaram ancora.

― José é muito marau!... Não me dirá nem á mão de Deus padre aonde estão. Se lhe pedirem segredo, não abrirá bicco ainda que o esfolem.

― Então senhora Joaquininha adeusinho.

― Aonde vai? E ella lhe agarrou com as mãos ambas n'um braço.

― Deixe-me navegar, senhora Joaquininha; não vá o mariola ir dizer que nos viu a conversar.

― Agora que elle se vai embora, é que o senhor Francisquinho tem medo que nos veja!