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A esperança
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Maria Isabel


Romance original por Maria Peregrina de Sousa

Dedicado á memoria de minha irmã

(De pag. 204)

XXVIII

Os dois confederados

Chegou Maximino com a maior velocidade á velha rua em que morava Carolina. Ainda que fosse muito cedo, encontrou já bastante gente no seu trafego. No Porto e nas suas aldeias circumvisinhas madruga o povo muito. A sua riqueza é o trabalho e a actividade. O filho de Custodio da Cunha estava a dois passos da casa da velha costureira, parou empallidecendo, quando viu sahir Francisco de casa de sua mãe em perfeita saude. Tinha a convicção de que Maria Isabel fôra roubada; mas a certeza do mesmo que imaginava o aterrou. Os namorados são egoistas; no primeiro momento não se pôde regosijar por ver o bom moço, que estimava, sã e sem a minima lesão.

― Que tem, senhor Maximino? gritou Francisco, vendo-o. Está tão pallido? E como se acha aqui tão de manhãsinha?

Maximino deu-lhe um abraço e os parabens de estar de perfeita saude; e baixinho lhe narrou depois o succedido.

― Mil raios partam o demonio do homem! exclamou Francisco, pois ha-de ser o mesmo figurão que já nos roubou a senhora D. Mariquinhas. Mas não se amofine. Nós havemos de dar caça ao pirata, e havemos de tomar-lhe o roubo. Somos dois contra um.

― Mas a pobre menina estará no poder d'elle no entanto.....

― Ainda que eu seja confiado, diga-me: o senhor Maximino tinha-lhe dito que gostava d'ella, pois não tinha?

― Não, meu bom Francisco, não! Fugia-lhe até, por que ignorava que meu pai viria a consentir na nossa união e não queria, nem devia fallar-lhe d'amor, se não podesse offerecer-lhe a miha vida e o pouco que hei de possuir. Se soubesse, como hoje, que meu pai consente em dar-m'a por esposa.... porém agora é tarde.... Roubaram-m'a e talvez a não torne a encontrar.

Não seja assim descoroçoado. Nem sempre venta de feição; mas não ha temporal que não acabe em bonança. Ainda que não tivesse dito á senhora D. Mariquinhas palavras de bem-querer, eu já lhe tinha dito que v. s.a morria por ella...

― Ah! quanto te devo, meu caro Francisco!

― Ora, depois que eu lhe disse isso, viveu ella muitos mezes com o senhor Maximino, e havia de conhecer que eu a não tinha enganado; e por força ha de ter affeição lá muito de dentro a v. s.a Não póde deixar de ser.

― Ai de mim!... Ainda quando assim fosse...... De q ue val isso, agora que eu perdi?

― O senhor Maximino é muito falto d'animo, para a sua idade. Eu cá sigo outro rumo. Animo até Almeida e d'ahi para diante ainda. Não sabe que a rapariga que tem um trancanaz d'affecto a um homem (e a um moço da sua estôfa sobre tudo) é capaz de remar sem remos contra a maré e de resistir aos aguaceiros e ventos de traversia? A senhora D. Mariquinhas comerá d'um boccado aquelles que quizerem fazel-a naufragar. Descance... mas não, não descance, nem perca o animo. Naveguemos de conserva com o prumo na mão e vélas ao vento!.... Procuremos cada um de nosso lado. E preciso porém, que tenhamos um porto de ancoradouro onde nos reunamos, para nos auxiliarmos. D'aqui em diante ao meio dia (e não se desconsole que não ha-de ser por muito tempo) havemos de nos reunirmos na Praça de D. Pedro perto da camara. Se algum de nós não poder apparecer, mandará um escripto a dar noticias, ou a pedir auxilio. E' preciso que tragamos agora no bolso quem cante. Ninguem sabe as despezas que terá de fazer. Ainda que eu seja confiado,... v. s.a quer que lhe empreste algum dinheiro para o que der e vier? Tenho ainda a minha soldada....

― Agradeço-te, meu bom amigo. Meu pae não me negará nada do que fôr preciso para encontrar Maria Isabel.

― Bom, bom. Então adeus senhor Maximi-

Primeiro Anno — 1865.
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