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A esperança
289

 

Maria Isabel


Romance original por Maria Peregrina de Sousa

Dedicado á memoria de minha irmã

(De pag. 287)

XXXIIII

Assalto e polemica

Ao chegarem á estrada avistaram os dois cavalheiros os fugitivos em grande distancia.

― Aposto, exclamou o criado, que aquelles são os que buscamos.

― Com mil demonios! replicou o amo, por alli ha casas, e o negocio não é para publicidade.

― Estes rusticos enganam-se bem. Deixe-me v. exc.a com elles. Caminhemos mais rapidos.

― Ella vai com o marujo que tem arte magica. Aquelle demonio anda-me sempre desarranjando os planos mais bem combinados.

― Então será o mesmo que já a roubou de Villar?

― Pois qual ha-de ser? Creio que a maruja não segue em massa os preceitos de D. Quixote. Este ao menos caminha a pé.

Entraram n'uma casa. Podemos galopar. Estão na ratoeira.

Chegaram em breve á casinha em que se recolheram os fugitivos. Damião pôz pé em terra e bateu á porta com arrogancia.

― Quem é?! disse de dentro a voz estridente d'uma mulher.

― Abra da parte do senhor barão que é tutor da senhora que aqui se recolheu.

Os titulos são desconhecidos nas aldeias rusticas. Se n'alguma se estabelece um titular bemfazejo, é amado; se dispotico, é temido; mas nem por isso serão respeitados outros que por acaso alli transitem. A dona da casa pois, mulher inteiramente rustica apezar de não viver uma legua longe do Porto, se ouvira fallar em barões, não déra a isso importancia e não sabia o que fossem; mas tinha ouvido com muita atenção um sermão do Calvario em que muita vez metteu o prégador o santo barão Nicodemus e o santo barão José D'Arimatêa, e como era de ideias muito curtas, confundiu tudo, e respondeu:

― Ainda que o santo barão que cruxificou a Nosso Senhor Jesus Christo cá viesse, não lhe abria a porta. Vão com Nossa Senhora e as almas santas bemditas.

― Ella que diz? ― perguntou Amaral espantado.

― Se não está zombando comnosco ― respondeu o lacaio ― é tola. Não vá ser manha para ganhar tempo.... Como vossa excellencia está a cavallo, queira olhar por cima da parede, não vão os fugitivos safarem-se pelos campos fóra.

― Nada!.. Os campos são descobertos. Não poderão fugir sem que eu veja.

Damião bateu com mais força ainda, bradando:

― Abra, senão vai a porta dentro.

― E eu barrego aqui d'el-rei, e hei-de ter quem me despique.

― Entregue-nos a menina que pertence a meu amo, e não lhe succederá mal; senão... depois se arrependerá.

― Eu não sei se pertence, nem se não pertence. Vá fallar ó sinhor rigidor e antão fallaremos.

Damião metteu os hombros á porta e arrombou-a.

A mulher bradou em voz de falsete:

― Aqui d'el-rei ladrões!.. aqui d'el-rei casa arrombada!..

Assustou-se Amaral. Não queria motim, nem que accudisse alguem que o conhecesse. Saltou do cavallo, deu-o a guardar a um rapaz

Primeiro anno ― 1865
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