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A esperança
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― O senhor é muito esperto! Trate da sua vida. Não tem aqui que vêr a sua philantropia. Aprenda d'este exemplo a ser economico, trabalhador e arranjado. Trate dos seus estudos e deixe-me o cuidado, cheio d'agruras, de me haver com os devedores. Eu é que tenho a meu cargo o leme da nossa pequena nau. A mim pertence olhar por tudo, para que tu, tua irmã e mãe não morram á mingua. Sou o ganha pão.

― Tem rasão, meu pae... perdòe. Mas seja menos duro para infelizes.

― Diz antes para ladrões!... Estás com ar de quem diz que sou cruel. E' verdade que o sou para os culpados e tratantes. Fique-te isto na memoria, Maximino, para que me não obrigues nunca a sel-o comtigo. Olha, estão n'aquela meza umas contas que ia examinar; queria vêr se o snr. Costa se enganou. Examina-as tu enquanto eu... trato d'outra coisa.

O mancebo assentou-se á meza contrafeito. Custodio da Cunha tornou para o seu ponto de observação.

Maria Isabel dizia ao cavalheiro amavel:

― Snr. Amaral!... confunde-me!... A nossa gratidão será eterna.

― Não tem que me agradecer, filha, respondia o credor benevolo; faço o que queria que me fizessem se eu fosse infortunado. E tambem não lhes faço grande coisa. A casa que ponho á sua disposição é em Villar e está sem moradores. Nem posso alugal-a. Tem trastes e roupas, que foram d'um verão que alli passei: podem servir-se de tudo; n'isso me obsequiarão. Estão-se a estragar essas coisas que lá tenho.

― Ah! senhor! tantos favores... mas não sei se devamos aceitar... Em Villar não conhecemos ninguem... Seria uma felicidade na nossa situação o isolamento, mas precisamos d'alguem que nos procure trabalho.

― Não lhe dè isso cuidado, filha. Recomendal-as-hei a uma boa familia que alli mòra, e que lhes arranjará trabalho quanto possam fazer.

― Que excellente coração tem v. exc.a

― Assim... assim... parece-me que não é de todo mau. Mas vamos, filha, aníme-se... não chore mais; poupe os seus formosos olhos. Vá dizer a sua mamã o que temos disposto, para ella viver ao menos socegada e sem andar aos baldões. Eu vou mandar dizer á rapariga que me guardava a casa, que as receba e que as sirva depois.

― Não, snr. Amaral, isso não! Não podemos pagar a creada; pasaremos sem ella.

― Louquinha!.. Como poderia passar sem ter quem lhe fizess serviços grosseiros? Tem as mãos muito mimosas, filha, não sabe ainda o que custa o trabalho pesado e rude que faz uma creada.

― Acostumar-me-hei a tudo, e as mãos se tornarão fortes e grosseiras com o trabalho.

― Não sabe o que está dizendo. Se as mãos se lhe tornarem asperas e calosas não poderá trabalhar em obras delicadas; e como ganhará então o sustento de sua mãe? Deixe-me emprestar-lhe por ora a creada, a quem pagava para arejar e limpar a casa; pagar-lhe-ha depois, quando tiver muito trabalho que lhe renda para bem viver. A' noite virá uma carruagem buscal-as.

― Uma carruagem!.. Não, meu senhor, não mande carruagem; iremos a pé. Se nos vissem sair d'aqui em carruagem que diriam?

― Filha, não sabe a distancia a que fica a sua nova morada. Não podem ir a pé. A carruagem ficará á esquina dos Loyos, perto do Moré.

E afastou-se, quasi correndo, sem lhe dar tempo a regeitar nem a agradecer, dizendo:

― Adeus, filha. Tenha coragem.

A filha de Maria Carlota ergueu as mãos, murmurando.

― Oh! meu Deus!.. Vós mandaes d'estes anjos sobre a terra para consolar os tristes e soccorrer os pobres!

Descia alguem dos andares de cima. A donzella tentou abrir a porta do sotão, para se subtrair ao novo vindo, e para communicar a sua mãe o soccorro que o céo lhes mandava. A chave, porém, era perra, e Maria Isabel queria fazer pouco ruido, para não acordar sua mãe, se ainda dormisse. Antes, pois, que tivesse aberto disseram-lhe com voz severa e quasi rude: