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A esperança

 

― Menina, faça favor de ouvir duas palavras.

Voltou-se mortificada. Estava diante d'ella o implacavel Custodio da Cunha.

III
Aviso desagradavel

― Ordena alguma coisa? disse a joven em voz baixa. Peço-lhe que não interrompa o somno de minha desventurada mãe.

― Parece-me que ella dorme fóra de tempo!... Mas não a perturbarei. Vim só para dizer-lhe uma coisa.

― Quer que torne a subir?

― Não é preciso. Em poucas palavras lhe explico o que me fez descer. A menina quer juntar á dehonra que lhe lega seu pae a propria deshonra?

― Que encarniçamento, meu Deus!.. Se v. exc.a tem filhas, por amor d'ellas deixe-me em paz. Nunca alguem lhes faça soffrer a milesima parte do que v. exc.a me tem feito hoje soffrer.

― Por ter uma filha é que vim dar-lhe um aviso. Espero nunca dar motivo a que haja quem a consuma por minha causa; mas, em caso de desgraça, antes queria que a atormentassem do que a seduzissem. Antes queria que ella tivesse a haver-se com um Custodio da Cunha, do que com um Amaral.

― Que diz, senhor?! Onde está a seducção? Conhece-se que o snr. Amaral é bom e generoso; teve dó da nossa desgraça e quer minoral-a. As suas palavras só indicavam compaixão.

― Pense bem. Não era uma compaixão assucarada?.. Tome bem sentido no que vou dizer-lhe. Não me importa que a menina aceite ou regeite os obsequios d'Amaral; não é minha parenta nem adherenta; mas quero abrir-lhe os olhos. Se se despinhar não seja com os olhos fechados. Vendo-a á borda d'um precipicio, é do meu dever indicar-lh'o.

― Meu Deus, meu Deus! seria possivel?!.. Mas não póde a maldade cobrir-se de tão bondosa apparencia. O snr. Custodio da Cunha engana-se. Conhece-se que o snr. Amaral é uma alma nobre e bemfazeja.

― Não lhe digo que elle seja avaro, nem incapaz de dar algum do seu ouro aos infelizes, por philantropia; confesso-lhe até que tem caracter generoso, mas o que nego é que seja capaz de fazer bem a uma rapariga sem segundas vistas, sobre tudo se ella tem olhos que lhe cairam em graça. Se a menina fosse feia, mandar-lhe-hia talvez uma avultada esmóla, mas não lhe offereceria a sua casa de Villar, que costuma ter sempre com uma linda moradora, e que, pelos modos, está agora devoluta. Porém, repito-lhe, faça o que quizer; não me importa a vida alheia. Se antes quer a deshonra do que a miseria, emquanto fôr nova e bonita....

― Pelo amor de Deus! balbuciou a menina cobrindo o rosto com as mãos, não diga mais!.. Faltava-me este espinho no meu caminho.

O pae de Maximino olhou-a alguns segundos em silencio, depois tornou a dizer:

― Posso perguntar-lhe o que tenta fazer?

― Em sendo noite irei, como já tencionava, para casa d'uma pobre viuva. A boa mulher empresta-nos a cama de seu filho, que é marinheiro e está ausente; depois Deus é que sabe o que será de nós. Os offerecimentos, que podem ser equivocos, do snr. Amaral, de certo nunca acceitaremos. Antes morreremos á mingoa, do que nos exporemos a um insulto. Respondo por mim e por minha pobre mãe.

― Muito bem. Assim quereria que minha filha se portasse, se cahisse na pobresa. E de que vive e onde mora essa viuva?

― E' costureira, e móra na rua Escura.

― Numero...

― Não sei o numero. Disse-nos que móra no centre da rua e que todos alli conhecem a costureira Carolina.

― Está bom. Como sabe aonde se ha-de recolher é quanto basta. Não a detenho mais. Desculpe tudo o que lhe disse na força da mi-