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A esperança
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― Eu que tanto confiava na minha firmeza e coragem, ellas abandonam-me de todo!

― Quanto eu receio que elle adivinhe os meus sentimentos! Isso seria terrivel, meu Deus, para a minha altivez, porque eu amo um homem que não sei se me corresponde! Quantas vezes eu me envergonho de mim propria? ― As ardentes lagrimas lhe escaldavam as faces.

― Não poder combater esta paixão, que tem subido a tal ponto que não ha nada que lhe sirva de estorvo!

― Comtudo, no momento em que eu me persuadisse que era indifferente a Paulino, e que elle tinha percebido o meu amor, esse momento seria o ultimo da minha vida! então haveria em mim um sentimento que fallasse mais alto do que a religião, e eu me suicidaria !.. ― O rosto de Clotilde tinha assumido uma expressão de tanta firmeza que deixava adivinhar que a donzella tinha coragem bastante para levar a effeito o seu temerario projecto.

De repente essa fronte que o desespéro tornára aliva e radiante, curvou-se, e a menina cahiu soluçando aos pés da Cruz. Era o triumpho da virtude, e da reli- gião.

― Vós me perdoareis, meu Deus ― murmurava ella ― eu não sabia o que disse; sou uma louca bem digna de compaixão! Havia-me esquecido dos vossos beneficios, ó meu Deus, e que vós como pai benigno não vos esqueceis de vossas filhas.

Dai-me força para ámanhã o vêr sem me perturbar; eis a minha supplica d'hoje.

Os primeiros raios de sol, entrando pela janella, vieram allumiar esta scena. Como Clotilde estava bella! como lhe ficavam bem aquellas lagrimas de arrependimento! O cabello todo solto, cobrindo-lhe as costas e hombros, parecia um manto de azeviche,

Levantou-se, lavou os lagrimozos olhos, e fez taes diligencias para serenar o rosto, que passados alguns instantes ninguem diria, vendo-a, a noite que ella aca- bava de passar! Foi para o toucador, e em pouco tempo se adornou depois desceu para o jardim, aonde estava seu tio.

― Como hoje te levantaste tarde, Clotilde, ― disse o snr. Cunha ― passas-te mal a noite?

― Alguma coisa, meu tio, mas agora estou boa.

― Será bom esperarmos com o almoço até vir Paulino, porque elle ha-de aproveitar o fresco da manhã.

― Sou da sua opinião, meu querido tio.

― Eu vou dar um passeio à quinta da esperança, se elle vier manda-me chamar.


 
Os marinheiros

Era uma noute de estio,
Sobre um rochedo, na margem
Do meu Douro bonançoso,
Fui sentar-me. D'um navio
A equipagem,
Em tom cadente e saudoso,
Murmurava uma toada.

Esta gente desgraçada,
Em guerra co'os elementos,
Que provações, que tormentos
Soffrerá
Quando a embarcação veleira,
Entregue à furia dos ventos,
As ondas do mar singrando,
Contra a rocha carniceira
Vai bater... fender-se... e lá
Dar-lhe o mar por sepultura?!...

É bem triste
Dos marinheiros a sorte!

Quantas vezes a consorte
Beija o filho com ternura,
Porque o retracto vê n'elle
Do esposo... sem saber que elle...

Já não existe?!...
Era assim que os marinheiros
Desgraçados
Exprimiam os tormentos
Por elles no mar passados:

― Que triste vida passamos
Lá no mar
Longe da esposa que amamos,
E que ao partir nós deixamos
A chorar!

Quando uma nuvem sombria
Turva o céo
Logo a fronte se annuvia
Do marinheiro, que ria
Do escarceu.

Sua pallidez augmenta
Se um tufão