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A esperança

 

ratou quanto ella tinha herdado de uma tia acolheu-se á casa paterna com tres filhos, para não morrer de fome.

 

 

Clotilde


Romance original

Ephigenia do Carvalhal Sousa Telles

(De pag. 332)

O regresso

― Vão fazendo as suas despedidas, minhas meninas, porque de tarde vamos embora.

― Já?! ― disse Clotilde abraçando-se á sua amiga.

― Não ha remedio, minha senhora, bem me custa separal-as, mas dou-lhe a esperança de breve se tornarem a ver.

Este dia passou com a rapidez do relampago para as duas jovens, e com a maior afflicção viram chegar o momento da partida.

― Minha Clotilde, tem animo e paciencia: bem vês que me não posso demorar, pois meu pai precisa dos meus cuidados.

― Pois sim, Josephina, não chorarei mais, guardarei as lagrimas, no coração... Olha, vês como os meus olhos estão enchutos? ― accrescentou a menina querendo chamar aos labios um sorriso.

― Minhas senhoras, o snr. marquez está á espera ― disse Rosa entrando no quarto de sua ama.

As duas amigas abraçaram-se e desceram a escada.

Tinham chegado á porta do jardim; os labios tremulos não articulavam as palavras da despedida, mas os corações unidos n'um estreito abraço, comprehendiam-se perfeitamente. Josephina soltou-se dos braços da sua amiga, e correu para fóra da porta.

― Tenham paciencia, minhas senhoras ― dizia padre Francisco, despedindo-se da filha do marquez ― são horas amargosas que seguem sempre os dias de felicidade.

Capitulo V

Paulino

Mais d'um mez dinha decorrido desde a partida do marquez de Santa Eulalia, e sua filha. Expressivas cartas escriptas de parte a parte, tinham vindo por vezes metigar as saudades das duas amigas. Bastava ver um d'esses pequenos manuscriptos, para comprehender a pura e singella amisade que unia as duas meninas.

No dia 9 de junho, pelas seis horas da manhã, estava Clotilde almoçando com o seu thio em uma elegante sala, que abria duas sacadas sobre um largo terreiro rodeado de acacias, que, agora cobertas de flores, com seu arôma, perfumavam a sala.

― Que agradavel e fresco ar aqui se respira ― dizia a menina offerecendo a seu tio uma chavina de chá.

― Com certeza; está uma bella manhã, e se tu queres, vamos dar um passeio depois do almoço.

― Iremos meu tio.

― Alguem chegou ― continuou o snr. Cunha, indo a uma das sacadas ― E' um criado do marquez: alli tens tu as desejadas noticias da tua amiga.

N'este tempo entrava Roza trazendo uma carta que apresentou a sua ama; esta com anciedade rasgou o fecho da carta, e leu o seguinte:

«Minha Clotilde, quando peguei na penna, era com tenção de descrever as saudades que tenho soffrido, mas dezisti da empreza como impossivel! Todas as expressões são sem força quando se quer descrever o estado d'alma de quem vive separado das pessoas que lhe sãi caras!! E tambem para que essa pintura para ti, que tens outro quadro irmão no desenho e carregado das côres?

«Olha minha amiga, hontem recebi carta de Paulino, em que me diz que no dia 26 chegará aqui. Elle não deixa de ahi se apiar, mas eu peço-te que o não demores muito, porque seriam momentos preciosos que me roubavas, e eu n'essa parte sou muito igoista.

«Meu pai tenciona dar um baile por occasião da sua chegada; encarrega me de convidar para elle, bem com o teu tio: eu fiada na tua amisade, espero que não faltes.

«A respeito do baile não digas nada a Paulino, porque o queremos surprehender. Tua amiga invariavel ― Josephina de Souza

― Veja o que me diz Josephina, meu tio ― dizia Clotilde, apresentando a carta ao seu tutor. Este depois de a ler, disse-lhe: ― Acceito o convite, iremos descrever a alegria de Clotilde, seria impossivel! Desde este momento não pensou em mais nada do que no dia 26 de junho! Com anciedade esperava o dia em que havia de ver Paulino; mas era um prazer misturado de receios o que ella sentia. Parecia-lhe felicidade superior ás suas forças.

Apoz dias, que lentamente se arrastavam, no entender de Clotilde, chegou a noite do dia 25. A menina não lhe foi possivel conciliar o somno em toda ella. A ideia de no dia seguinte vêr o mancebo, enchia-lhe todo o coração, occupava-lhe os sentidos.

― Oh! ― dizia ella sentando-se sobre o leito ― que será o que eu sinto, meu Deus? d'antes ao vêr Paulino só experimentava felicidade; só via n'elle o meu companheiro de infancia, e agora só a pensar n'elle, faz reverberar em minhas faces a chamma que me encendeia o coração. Não ouço pronunciar o seu nome querido, porque supponho denunciar no tumor da voz o segredo que esconde.