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A esperança
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vam Adelaide e Rufina trabalhando na sua pequena salla de lavor, modestamente trastejada, mas muito limpa e arranjada.

Maximino entrou e assentou-se atraz de sua irmã. Estava pallido e triste. Ordinariamente, quando estava com Rufina, brincava com ella e a estorvava de trabalhar, o que lhe merecia alguns sorrisos de sua mãe, ou brandas reprehensões se a brincadeira se prolongava. A menina voltou para elle seu rosto alegre: esperava alguma travessura, mas esperou debalde. O mancebo sorriu-lhe tristemente e não se moveu. Ella continuou a trabalhar, dizendo:

― Está alguma para acontecer! Maximino não faz das suas...

― Está tu socegada, replicou sua mãe, que tambem não estava alegre. Não o excites: as suas travessuras te divertem e a mim não; principalmente quando vosso pae tem cuidados ou tristezas.

Ficaram todos em silencio.

O mancebo olhava melancolico para sua mãe e irmã. Queria dizer alguma coisa e não ousava. Elle era um moço de vinte annos incompletos, rosto interessante composto de feições irregulares, olhar meigo, bigode e cabello d'um castanho quasi louro, voz sonora, e bonita figura. Tinha maneiras delicadas como sua mãe, genio brioso como o de seu pae, caracter honrado como ambos. Rufina tinha de quinze a dezeseis annos. Era bonita sem ser formosa, e alegre como o são todas as meninas que teem uma mãe extremosa, que as não deixam aborrecer-se na ociosidade, nem as opprime com tarefas excessivas.

Estiveram alguns minutos sem dar palavra. Rufina, para se distrair, cantava, em voz baixa, uma canção franceza, que tinha estudado ha pouco.

Adelaide, admirada do silencio e ar triste de Maximino, disse a sua filha:

― Deixa agora ficar isso, Rufina; a gente nova precisa de mudar de serviço. Vai tocar. Não deves despresar uma prenda que fica tão cara. E teu pae se distrae a ouvir-te. Aperfeiçôa aquellas peças de que elle mais gosta. Devemos dar a distração e felicidade áquelles que gastam os dias, e ás vezes as noites, a ganhar os meios de nos darem a abundancia e todas as commodidades da vida.

O mancebo suspirou profundamente.

A donzelinha dobrou a costura, arranjou a sua caixinha e levantou-se. Voltou-se para seu irmão cruzando os braços e encarando-o; depois, dando-lhe uma palmadinha, disse-lhe, meia agoniada, meia risonha:

― Assim é que eu castigo a gente animada. O senhor Maximino foi de certo a Valongo; (*)[1] agora por que....

O mancebo prendeu-a nos braços e deu-lhe dois beijos; mas isto mesmo era feito com melancolia, e disse-lhe depois:

― Vai tocar, minha irmãsinha. Precisamos do som alegre do teu piano.

― Eu vou, respondeu ella apertando-lhe o rosto entre as mãos, mas não quero que tornes a Valongo.

D'alli a pouco ouviu-se o som do piano. Maximino suspirou. Lembrou-se d'um rico piano que vira na vespora em casa de Ricardo d'Oliveira, que havia de entrar no leilão, e do que lhe disseram de Maria Isabel ― que tocava com perfeição, e cantava muito bem.

― De que servem aquellas prendas á infeliz? pensava elle. Se á nossa Rufina sucedia o mesmo...

― Que tens, meu filho? disse Adelaide com muita doçura. Se fizeste alguma loucura que tenha de me affligir, ou de indispôr teu pae, melhor é que m'a confesses. Remedial-a-hemos se podermos, e abrandarei a ira de teu pae. Confessar a culpa é principio de reparação.

― Maximino levantou-se e foi assentar-se na cadeirinha de trabalho de sua irmã, para ficar mais ao nível de sua mãe, também assentada em cadeira baixa. Encostou o cotovello no joelho e a face na mão e disse em tom dorido:

― O' minha mãe!.. Se visse o que hontem vi... Fui a casa de Ricardo d'Oliveira, para me divertir. Ouvia ralhar tanto d'aquelle homem, que causava a meu pae tanto mal, que desejava gosar do abatimento delle e da sua familia.

 
  1. Ir a Valongo quer dizer ― desconfiar. ― O que deu origem a esta phrase, não sei.