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A esperança
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olhos para não ver todas as miserias que nos cercam. Comtudo consultarei teu pae... verei se se póde fazer alguma coisa para minorar os males das infelizes por quem tanto te interessas.

N'este comenos appareceu á porta um creado e disse que o snr. Custodio da Cunha mandava pedir á senhora que fosse ao escriptorio, se lhe fosse possivel.

Adelaide levantou-se logo e pousou o seu trabalho na mesa, como quem tenciona interrompel-o por pouco tempo. Olhou para seu filho que estava na mesma posição melancolica, anediou-lhe a cabeça com carinho e lhe disse:

― Estimo, Maximino, que sejas sensivel ás desgraças alheias, mas não tanto. Faz-se o bem que se póde; e aquelles males que não podemos remediar, recommendam-se á bondade divina.

V
A boa esposa

Entrou Adelaide no escriptorio de seu marido, que estava assentado á escrivaninha, só, e com ar cuidadoso. Ella assentou-se perto. Sentia immensa compaixão por aquelle homem que se esforçava por occultar pesares e receios. A boa esposa adivinhava o que o seu marido queria encobrir-lhe: sorriu-se porém para elle, recalcando no coração as dores que estava soffrendo, e lhe disse serena:

― Chamaste-me. Precisas que te ajude n'alguma coisa? Dizes que tenho lettra rasgada, e o anno passade me confias-te o teu copiador. Se tens qualquer serviço que dar-me, bem sabes...

― Sei que és uma santa: interrompeu Custodio apertando-lhe uma das mãos com força.

Olhou-a em silencio por algum tempo e acrescentou mais socegado.

― Chamei-te para conversarmos. Estava cançado d'algarismos. Quiz distrahir-me para voltar á minha tarefa.

― Fizeste bem. Não deves cançar-te demasiado. Cuidas muito pouco de ti.

Tornaram a ficar em silencio. Adelaide conhecia que seu marido queria dizer-lhe alguma coua que não ousava; mas receiava affligil-o com perguntas. Ouvia-se em cima o som do piano. A mãe de Rufina arrependia-se de ter mandado sua filha tocar. Talvez aquella expressão de alegria descontentasse seu marido, n'aquelle momento. Elle lhe disse, porém, encostando a barba á mão e encarando sua mulher sem sinal de descontentamento:

― Rufina está tocando muito bem.

― Não toca mal.

― Poderia talvez despedir-se o mestre. Não será nunca uma professora, e para se divertir parece-me que sabe quanto basta.

― De certo. Hoje mesmo mandarei pagar ao mestre as visitas que se lhe devem, dizendo-lhe que o avisarei quando nossa filha tornar a dar lições. Escusa elle e Rufina saberem já que as lições acabaram de vez.

― Seja como dizes... Tens muita descripção... Tambem... parece-me...

― Que nossa filha sabe sufficientemente o francez, não é isso? Tambem penso o mesmo. Podemos despedir o mestre. Eu e Maximino sabemos bastante para a não deixarmos esquecer do que ella aprendeu.

― Obrigado!... murmurou Custodio da Cunha.

E tornaram a ficar em silencio. Foi Adelaide, que resolutamente o interrompeu dizendo:

― Sê franco commigo. Queres indicar-me alguma economia mais?

― Ah! minha boa Adelaide! que economias podia eu lembrar, que tu não tenhas posto em pratica desde que governas casa? Se podessemos, porém, passar sem o creado... se a Rosa podesse bastar para todo o serviço de portas a dentro... mas seria muito para as forças d'ella.

― Não é, não. Ella tem boa vontade, e muita amisade por nós. Com isto faz-se muito serviço; e, como é creada antiga, eu e a Rufina teremos muito gosto em ajudal-a.

Custodio da Cunha voltou o rosto para o outro lado, e difarçadamente enxugou uma lagrima.