Página:As Reinações de Narizinho.pdf/270

Wikisource, a biblioteca livre
MONTEIRO LOBATO
259

branca. Apoiava-se em comprida bengala e vinha caminhando pausadamente, como quem está pensando.

— Parece uma figura que vi naquelle leque de dona Benta, disse Emilia. Com certeza é o dono do carneirinho.

— Não, disse Penninha. Aquelle homem é o senhor de Lafontaine, um francez muito sabio, que passa a vida nesta terra a observar a vida dos animaes.

— Conheço-o muito, disse Pedrinho. Tenho em casa um livro delle.

O senhor de Lafontaine approximou-se do rio e, escondendo-se atraz duma moita, ficou por alli a espiar.

O carneirinho estava com sêde. Abeirou-se do rio, espichou o pescoço e — glut, glut, glut — começou a beber.

Nisto um outro animal, de cara feroz, muito antipathico, sahiu da floresta, farejou o ar e dirigiu-se para o lado do carneirinho, lambendo os beiços.

— E' o lobo! cochichou Penninha. Vem devorar o cordeiro da fabula.

— Que judiação! exclamou a menina apiedada. Não deixe, Pedrinho. Jogue uma pedra nelle.

— Psiu! fez Penninha. Não atrapalhe a fabula. O senhor de Lafontaine lá está, de lapis na mão, tomando notas.

O lobo chegou-se para o carneirinho e disse, com a insolencia propria dos lobos:

— Que desaforo é esse, seu lanzudo, de estar a sujar a agua que vou beber? Não vê que não posso me servir dos restos dum miseravel carneiro?

O pobrezinho poz-se a tremer. Conhecia de fama o lobo, de cujas garras nenhum carneiro escapava. E com voz atrapalhada pelo terror respondeu:

— Desculpe-me, senhor lobo, mas Vossa Lobencia está do lado de cima do rio, emquanto que eu estou do lado de baixo. Assim, com perdão de Vossa Lobencia, creio que não posso turvar a agua que Vossa Lobencia vae beber.