Página:Dom Casmurro.djvu/319

Wikisource, a biblioteca livre

Taes são os principaes rasgos da infancia : mais um e acabo o capitulo. Um dia, na chacara de Escobar, deu com um gato que tinha um rato atravessado na bocca. O gato nem deixava a presa, nem via por onde fugisse. Ezequiel não disse nada, deteve-se, acocorou-se, e ficou olhando. Ao vel-o assim attento, perguntámos-lhe de longe o que era; fez-nos signal que nos calassemos. Escobar concluiu :

— Vão ver que é o gato que apanhou algum rato. Os ratos continuam a infestar-me a casa, que é o diabo. Vamos ver.

Capitú quiz tambem ver o filho ; acompanhei-os. Effectivamente, era um gato e um rato, lance banal, sem interesse nem graça. A unica circumstancia particular era estar o rato vivo, esperneando, e o meu pequeno enlevado. De resto, o instante foi curto. O gato, logo que sentiu mais gente, dispoz-se a correr ; o menino, sem tirar-lhe os olhos de cima, fez-nos outro signal de silencio ; e o silencio não podia ser maior. Ia dizer religioso, risquei a palavra, mas aqui a ponho outra vez, não só por significar a totalidade do silencio, mas tambem porque havia naquella acção do gato e do rato alguma cousa que prendia com ritual. O unico rumor eram os ultimos guinchos do rato, aliás frouxissimos; as pernas mal se lhe moviam e desordenadamente. Um tanto aborrecido, bati palmas para que o gato fugisse, e o gato fugiu. Os outros nem tiveram tempo de atalharme, Ezequiel ficou abatido.