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A LAMPREIA



O POMAR DE DONA BENTA estava tão velho, que tio Barnabé, num dia em que estava lidando na horta, disse para Pedrinho:

— Se Sinhá continua teimando em não replantar as árvores de frutas, um dia vai lá e vê as jabuticabeiras dando mangas e as mangueiras dando "guaiabas".

— Por quê?

— Árvore é como gente, sinhozinho. Quando ficam muito velhas, garram a caducar, eh, eh, eh!... — e deu uma daquelas suas risadas gostosas em que parecia a gengivada inteira.

O menino ficou com essa história na cabeça, e um belo dia resolveu pregar uma peça na vovó — um dia em que Dona Benta e os outros foram passar a tarde na fazenda do Coronel Teodorico. Em que consistiu a peça? Ah, em trocar as frutas das árvores. Subiu à pitangueira com o bolso cheio de jabuticabas das de cabinho, e em certo galho trocou as pitangas por jabuticabas. Depois, numa das mangueiras, substituiu doze mangas por doze abacates, e foi amarrar as mangas num abacateiro. E fez outras mudanças assim. À tarde, quando Dona Benta voltou, Pedrinho deu um jeito de levá-la ao pomar sob pretexto de ver uma taturana verde "toda enfeitada de raminhos" que estava na pitangueira da Emília.

Dona Benta foi e viu, e muito admirou a estranha lagarta verde. Depois, erguendo por acaso os olhos, deu com umas coisinhas pretas num ramo a quatro metros do solo. Franziu a testa, curiosa.

— Que é aquilo, Pedrinho?

O maroto simulou não perceber coisa nenhuma. "Aquilo o que, vovó?"