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MONTEIRO LOBATO

ainda apareceu no mundo e sem nenhuma arma para enfrentá-lo, nem um canivete! Vê que situação horrível, vovó?

Dona Benta achou que realmente a situação de Hércules não era nada boa, e que a ex-boneca havia cometido uma grande imprudência. — Tudo neste mundo tem limites. Emília excedeu-se. Hei de fazer-lhe um sermãozinho sobre os perigos do excesso. E depois, que aconteceu?

— Aconteceu que quando Hércules ia lançar a quinta e última flecha, Emília teve a sorte de lembrar-se da "humanização" e gritou, no instantinho em que a flecha ia escapando do arco: "Faz de conta que essa tem ponta!" e a flecha adquiriu ponta e matou o javali!... Não acha isso maravilhoso, vovó? Não acha que coisas assim só as fadas conseguem por meio de suas varas de condão?

Dona Benta franziu a testa e ficou pensando; depois disse:

— Você tem razão, minha filha. Coisas assim só as fadas conseguem realizar. Não há dúvida...

— Logo, Emília é uma fada, vovó! Logo, o tal "Faz-de-conta" que ela tanto usa é uma vara de condão disfarçada...

— Sim, uma vara verbal...

— ... porque as varas de condão podem ter todas as formas, e não só a de vara — pelo menos eu penso assim.

— E pensa muito bem, minha filha. A vara de condão de Aladino era uma lâmpada, a de certos mágicos é um anel, a dos sacis parece que é a carapucinha...

Calaram-se as duas. A minhoca já estava livre das formigas, mas continuava ali mesmo, a revolver-se em movimentos morosos. "Parece que está ferida" — disse Narizinho. "Deve estar envenenada" — observou Dona Benta. "Estas formiguinhas, quando mordem, injetam ácido fórmico. Para nós, gente, a dose de ácido fórmico duma picada de formiga não causa mais que um ardor na pele; mas para uma minhoca deve ser algo terrível, e com certeza mortal. Observe bem essa minhoca, Narizinho, para ver se ela morre.

Narizinho voltou ao assunto do "faz-de-conta" da Emília.