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que lhe podia dar. Silvestre aprendeu consigo um pouco de francês. Aos catorze anos, o pai quis fazê-lo seu ajudante na procuradoria; mas a organização franzina do pequeno era pouco auspiciosa para tais labutações. Pareceu-lhe melhor metê-lo em um cartório, onde ele se habilitava para escrevente juramentado, e mais tarde escrivão ou tabelião, não saindo assim dos limites do foro a dinastia dos Vargas.

Silvestre não exprimiu a menor objeção acerca de tais planos. Ouviria acaso alguma coisa do que diziam dele? Sozinho, a olhar para o ar, com a cabeça entre as mãos, parecia dominado por uma idéia fixa. Seus olhos, grandes e brilhantes, encerravam toda a vida que fugira do resto do corpo. Com os cabelos lisos, incultos e caídos sobre as têmporas, dava uns ares remotos de Bonaparte, mas um Bonaparte mais do pensamento que da ação, e muito menos másculo. Na família, a opinião aceita é que Silvestre era doente — doente de alguma coisa física — ou coração ou baço — ou vermes. Da alma não podia ser, o pequeno não tinha desgostos. A família acreditava que a alma só adoece de desgostos.

As noites eram gastadas por ele, em grande parte, a ler um tomo velho comprado a um algibebe, certo dia em que a mãe lhe deu algum dinheiro. Ninguém sabia o que era o livro, que estava escrito em francês; mas a mãe achou natural explicação daquele amor às letras desde que a filha lhe deu notícia de que a obra era lardeada de estampas. Era claro que os bonecos divertiam o menino. Infelizmente, Silvestre descuidou-se um dia e deixou-o sobre a mesa de jantar. O pai viu-o, abriu-o e confiscou-o.

— Um pirralho a folhear retratos de mulheres nuas!

Silvestre chorou lágrimas de desespero no interior da alcova. A mãe, que o livrara do castigo já planejado pelo procurador, foi consolá-lo da perda, não menos que aconselhá-lo a não perverter-se com estampas desonestas. O pequeno ouviu-a, mas continuou a chorar, até que a própria dor adormeceu, os olhos secaram e a esperança lhe animou o rosto. A primeira quantia que pôde obter foi destinada a outro exemplar da obra; andou por algibebes, catou estantes e gavetas, durante uma semana e mais, até que descobriu o exemplar suspirado. Se tivesse achado um brilhante não ficaria mais contente. Meteu o livro entre a camisa e a pele e guiou para casa, onde o escondeu a sete chaves, tendo cuidado daí em diante em o não deixar rolar por cima das mesas.

Assentado que Silvestre entraria para um cartório de escrivão, foi esta ordem transmitida ao pequeno, que enfiou, mas não resistiu. Pelo contrário, alegrou-se muito, quando o pai lhe disse que era preciso ganhar a