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XI

A poetisa

 

Continuei dirigindo-me para uma estancia.[1] Ahi encontrei só a mulher do capataz.[2] Como não podia vender-me ou dar um boi sem consentimento de seu marido, era necessario esperar a sua volta. Demais era tarde e antes do dia seguinte não se podia conduzir o animal até ao mar.

Ha momentos na vida de que a recordação ao mesmo tempo que elles se affastam continúa vivendo e augmentando na nossa memoria e tão bem que sejam quaes forem os outros successos da nossa existencia, essa recordação só se apaga com a morte. Era destino meu encontrar no meio d’este deserto, esposa de um homem quasi selvagem uma mulher de uma educação cultivada, uma poetiza sabendo pelo coração Dante, Petrarcha e Tasso.

Depois de ter esgotado toda a minha sciencia na lingua hespanhola, fiquei agradavelmente surprehendido, ouvindo-a responder-me em italiano, convidando-me graciosamente a assentar-me, em quanto seu marido não chegava. No meio da nossa conversação, a minha encantadora hospedeira, perguntou-me se eu conhecia as poesias de Quintana, e ouvindo a minha resposta negativa, fez-me presente de um volume d’essas poesias, dizendo-me que m’o dava para aprender por sua causa o hespanhol. Perguntei-lhe então se era poetisa.

— Ha alguem, me respondeu, que diante d’esta natureza não seja poeta?

E sem se fazer rogar recitou-me muitos trechos

  1. Nome das herdades na America do Sul.
  2. Dono do estabelecimento.