Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/375

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sem é outra coisa para lidar comnosco. Teem lá umas maneiras de enfeitiçar um homem, que quem uma vez foi tractado por ellas em doença, já se não entende com outros enfermeiros. Lá sabem temperar os remedios, arrefecer os caldos, ageitar a roupa da cama e os travesseiros, que parece que uma pessoa come, bebe e dorme ainda que não tenha vontade, desde que ellas queiram. Por isso, como a rapariga é afilhada de v. exc.ª e a snr.ª baroneza foi para Lisboa e v. exc.ª ficou só, e ella não nos faz falta, porque, graças a Deus, a minha Luiza ainda basta só para o trafego da casa, lembrou-me trazêl-a, por me parecer que podia prestar alguns serviços a v. exc.ª.

— Então sabe agora, meu padrinho, o que dirá meu pae? — perguntou Bertha, occupada já a accommodar a cama que o doente tinha desordenada.

— Mas... Thomé — dizia D. Luiz descontente por ter de aceitar um favor do fazendeiro, porém sem coragem de recusal-o. Eu não quero prival-o da companhia de Bertha... Sei quanto se quer a uma filha e não posso aceitar o sacrificio.

— Ora adeus, fidalgo! Eu quero bem á rapariga, isso lá é verdade; mas não me faltam por casa filhos com que me entretenha. E depois isto de filhas, mais tarde ou mais cedo é contar que batem as azas para fugirem do ninho. É bom costumarmo-nos a passar sem ellas. Por isso, se v. exc.ª não tem duvida em aceitar a companhia da pequena... é fazer de conta que ella nada tem commigo...

D. Luiz sentiu que ia ser vencido pela generosidade de Thomé. Resistir por mais tempo era revelar inutilmente repugnancia em aceitar o beneficio, e tornar evidente a sua fraqueza quando finalmente o aceitasse.

Cedeu pois a tempo, e emquanto o podia fazer, salvando a dignidade aristocratica, que sobre tudo prezava.

— Dividas d'essa natureza não hesito em contrahil-as, apesar de saber que as deixarei em aberto. Aceito, Thomé, aceito a companhia d'esta menina, que me fallará de minha filha e m'a recordará. Não é verdade, Bertha?