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Mas nos corredores murmurava comsigo, em tom aforismatico:

—Não tem que vêr. Filho mação, pae idiota… casa perdida.

Como frei Januario suspeitasse que ia encontrar o cozinheiro menos attento no desempenho dos seus gravissimos deveres, dirigiu-se, pé ante pé, á cozinha, a fim de surprendêl-o em flagrante.

Ao avisinhar-se deu-lhe maior rebate ás suspeitas um acalorado travar de vozes, que de lá vinha.

Espreitou. A criadagem estava em congresso; orava o hortelão, o inimigo irreconciliavel do padre; escutavam-n'o os outros boquiabertos, e mais attento do que nenhum, o cozinheiro, que sentado em um banco baixo, com uma perna atravessada sobre a outra e as mãos a segurarem o joelho, nem ouvia o chiar das caçarolas, nem se lembrava da ceia.

O padre fumou com a descoberta.

O hortelão dizia:

—Foi então que o imperador… oh aquillo é que era um homem!… foi então que elle fez aquella falla que lá está toda na memoria do Mindello, que foi onde nós desembarcamos, no dia 8 de julho de 1832, alli pela tardinha.

E o hortelão, tomando uns ares solemnes e endireitando o corpo, começou recitando oratoriamente:

—«Soldados! Aquellas praias são as do malfadado Portugal; alli, vossos paes, mães, filhos, esposas, parentes e amigos, suspiram pela vossa vinda e confiam…

Era demais para a magnanimidade de frei Januario. A proclamação de D. Pedro desafinava-lhe os nervos, sempre que a ouvia; o que não era poucas vezes, graças ao enthusiasmo do hortelão. Cedendo pois ao seu animo indignado, o padre rompeu pela cozinha dentro, exclamando:

—Então que pouca vergonha é esta? O fidalgo á espera da ceia, e esta sucia de mandriões aqui postos a ouvir as patranhas d'aquelle senhor!

Os criados surprendidos ergueram-se em alvoroço e tomaram os seus postos. O hortelão reagiu, como era seu costume.