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VIII

Muito antes de Pepe lhe declarar que a amava, Severina comprehendera que se operára na sua vida um subito reviramento, que a transfigurára.

A sua alma, doentiamente perturbada, repousára afinal na divina realisação do sonho, até ali inaccessivel.

A visão humanisara-se; o Deus ignoto viera, atravez das ondas, ao seu caminho, personificado n'esse homem bello como um principe, cloquente como um poeta, delicado e meigo como um archanjo.

No seu coração, pungido de secretos anceios, fizera-se uma paz ineffavel e fulgira uma luz redemptora.

E desde então, Severina vivia em um mundo á parte, absorta na muda adoração do seu vivo ideal, estranha a todos os desencantos da terra, alheia a todos os obstaculos que a distanciavam do ente amado, esquecendo a dor da eterna separação, suspensa sobre a sua cabeça, como uma sinistra ameaca.

Uma manhã de maio que o Manuel Cherne aproveitára para a pesca dos linguados, José de Lumbrelas veio lêr a Severina uma carta do pae, em que o velho negociante ordenava ao filho que partisse sem demora para Barcelona, onde um negocio urgente solicitava a sua presença.

— E o senhor obedece-lhe? perguntou Severina, livida como uma defunta.

— Que remedio! volveu ellc, fitando-a apaixonadamente; depois, curvando-se, dominando-a sob