Página:Turbilhão (Coelho Netto, 1919).djvu/287

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levam os pensamentos tristes. A vida é muita curta - quem mais vive é quem mais goza, não achas? Falam no futuro, no dia d'amanhã. Eu vejo as outras, coitadas! umas, viúvas, cheias de filhos; outras, sofrendo horrores com os maridos. O amante é um escravo, o marido é um senhor. É como dizia uma argentina que conheci: "Os homens são encantadores, o homem é insuportável." Ter de aturar um sujeito toda a vida é o mesmo que não ter senão um vestido que vai envelhecendo e ao qual é necessário a gente ir pondo e sobrepondo enfeites para esconder as manchas e os remendos. Não me serve.

— Ainda gostas muito de romances?

— Leio. E tu? A tua mania era o casamento. Já tens noiva?

— Deus me livre!

— Deus te livre?! - Fez um momo faceiro. - Pensas que não te conheço.

— Não, estás enganada. Namorei por troça, passatempo apenas, Casar! upa!

E gravemente, com a entono da responsabilidade:

— Preciso cuidar da velha. Ela não tem mais ninguém no mundo, bem sabes.

— É verdade... Eu, compreendes, não tenho coragem de oferecer-lhe a minha casa, nem ela havia de querer.

Paulo não contestou.

— Enfim, sempre posso fazer alguma coisa... A questão é saber se ela aceita.

— Por que não? Não és filha?