Página:Turbilhão (Coelho Netto, 1919).djvu/33

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porta, a escorrer, chegou a encostá-lo; logo, porém, retomando-o, entrou em pontas de pés, tímido. O homem indicou-lhe um sofá e foi encostar-se à mesa, bocejando. Pôs-se a olhar - a sala, em silêncio, estava iluminada e, sobre a mesa, acumulada de papéis, havia um capote e embrulhos.

Aquele abandono dava-lhe uma impressão acabrunhadora e, como se aquela sala, que era o vazadouro dos crimes, estivesse impregnada de um fluido mau, com um ambiente sinistro, infeccionada pelas confissões dos réus, como as enfermarias dos hospitais ficam viciadas com a respiração dos doentes, as idéias se lhe foram tornando sombrias. Já não era um doce idílio que ele via introspectivamente, através da claridade da imaginação, que opera, como uma lâmpada mágica, alumiando devaneios e conjecturas - era um crime: Violante a estorcer-se nas mãos brutais de um homem, a gemer, a implorar, meiga e infeliz, com sangue a escorrer-lhe do seio, com lágrimas nos olhos assombrados e, em torno dela, todo o horror de uma espelunca. D'olhos muito abertos, a respiração tomada, viu sair de uma porta fronteira um homem pálido, de barba ruiva, estremunhado, a ajustar ao corpo um robe de chambre de ramagens. O introdutor disse, surdamente, como se não quisesse perturbar o silêncio da casa:

— É este moço.

Paulo adiantou-se para o delegado, que se sentara molemente,