Página:Turbilhão (Coelho Netto, 1919).djvu/361

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— Cada um sabe de si e Deus de todos.

— Isso é que é verdade! - sentenciou a vizinha.

E a conversa generalizou-se. Pouco a pouco a morta foi-se tornando esquecida. Entretidos com a palestra, só de quando em quando um ou outro lançava os olhos para o seu lado a ver se havia necessidade de cortar um morrão às velas ou de arranjar o lenço que o vento, por vezes, levantava.

Um carro parou à porta e a criada de Violante desceu com um embrulho - era o vestido que ela pedira ao amante.

— A senhora precisa de mim?

— Não, podes ir. Vai e vê lá aquilo...

E levava a criada, como que a expulsava para que não tivesse tempo de ver a pobreza de onde ela saíra, a casa dos seus e, como a rapariga levantasse piedosamente o lenço que encobria o rosto da finada, ela pareceu envergonhar-se da própria morta e despachou-a mais apressada: Vai!

— Deus lhe dê o reino do céu.

— Amém, - sussurraram as duas mulheres.

Já na rua a criada ainda perguntou:

— E é só?

— Só.

— Boa noite!

E o carro partiu com estrépito na rua calada e deserta.

Violante não resistiu à fadiga e adormeceu recostada ao sofá. Mamede, a pretexto de arranjar