Terceiro féretro - Carolina

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Esta, Carolina, uma flor infernal de sangue e treva que a Angústia fecundou.

Esta, a harpa maior, a harpa da Dor, cujas cordas são mais puras, mais admiráveis e onde mais alto e majestoso chora todo o incomparável Intangível da minha Saudade.

Este féretro é um oceano rasgado de tempestades, de ventos imprecativos, anatematizadores e negros.

Fluidifica-se deste féretro uma música bárbara de sensibilidade, de martírio.

Aberto diante de mim, assim como eu o estou vendo aqui, que sugestões singulares me traz, que despedaçamentos me recorda, que sombrios idílios e delírios!

Ah! na vida avara como os sentimentos são avaros, como o pensamento humano é avaro para perscrutar uma existência assim!

Onde estão os ascetas que se martirizaram, onde estão os apóstolos que creram, onde estão os santos que ciliciaram e que escutaram de perto, mudos, o eloqüente silêncio da Dor, para virem agora, aqui, comigo, aqui, com a minh'alma, traduzir os recônditos segredos que aí estão nesse féretro, penetrar nos ergástulos sem nome que aqui estão, nessa alma.

Que purificações e que sugestivas grandezas parabólicas, que transcendentalismos das palavras de Cristo no Sermão da Montanha, ecoando impressionativo e a medo como o ulular primicial e majestoso de imaginários mundos em gestação, poderão, acaso, interpretar esta vida deserta que subiu às mais longínquas e altas cordilheiras da Dor, exprimir os ais que a violinaram, os soluços que a transportaram ao céu, os desencontrados combates que a despedaçaram!

Sim! Vazio é tudo no mundo! Os olhos acordam nesta ânsia viva de chorar e de amar! As ansiedades que em vão se escondem plangem à flor dos sentidos, diluem-se, fluidificam-se e, vagamente, aí vêm então jorrando, vêm vindo as lágrimas...

Sim! Criatura dos Anjos que, no entanto, o Inferno possuiu e por fim acabou por estrangular! Coração sangrante! Ser do meu ser! Os outros seres vãos que babujam a terra com a argilosa Infâmia de que são feitos nunca poderão, nunca saberão, melancolicamente não, nunca, que hóstia sanguinolenta e travorosa deram-te a comungar na Vida, que pão tenebroso de Páscoa de lágrimas deram-te a devorar, que cálix de vinho letal, alucinante, sugado ao fel das chagas e das gangrenas propinaram-te à boca verminada pelo primeiro beijo de amor, quando tu tinhas as fomes e as sedes vorazes, cegas, desesperadas do Não-Ser, quando aspiravas às formas celestes, quando sentias, apesar da tua inocuidade de poeira mas, talvez!, poeira de algum divino astro diluído, o insaciável desejo de abranger Infinitos.