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"Doida não!" Antes vítima/Para a Senhora D. Maria Adelaide meditar

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Para a Senhora D. Maria Adelaide
meditar
 

 

Antes que a pena fixasse no papel as considerações que venho expôr-lhe, meditou-as profundamente o coração que ao pensamento as inspirára.

Rodeava-me uma solenidade augusta, nessa hora de meditação.

Um patético luar « Clair de Lune », como o que inspirou o imortal Beethoven, inundava de poesia e de sonho a janela do meu quarto solitário virado ás brisas do mar.

A ode eterna da lua, desprendia sôbre a terra a luz velada do seu mistério que põe nos lábios murmúrios de unção, e curva a alma em geneflexão ideal, enternecendo e inspirando. Foi nessa hora de silêncio e de recolhimento, que invoquei o seu olhar profundo, maguado e dôce, para penetrar no intimo da alma apartada do redemoinho do mundo prevertido de indignas cubiças. E visionei um rosario de lágrimas caindo dêsses ollos maguados e tristes.

Porque choravam os dôces olhos? Porque a alma padecia escrava de si mesma. Mortificava-a uma luta de sentimentos desencontrados. De um lado, a paixão que domina, atrae e quebranta. Do outro lado o apartamento, a saúdade, o amôr de mãe a impelir o coração até junto do filho nunca esquecido e sempre amado. E o coração, de outro amôr possuido mas não rendido, debate-se na ância dos escravisados. Cabem-lhe la dentro mananciais de afectos. Quiz conciliar a todos como um arco iris de imensa ternura. Mas a sociedade implacavel e severa, não admite êsse poder. A alma despedaça-se na luta. E os olhos vertem prantos atribulados.

 
 

Mas o seu filho, minha senhora! Quem melhor poderá falar-lhe do amôr que por êle sente o seu coração, senão o coração de uma mãe? Bem póde o filho, apartado de si mesmo, ter ferido de desamôr e de egoismo, que hoje invade todos os ânimos, a alma da mãe que se queixa.

A queixa é desabafo, que nunca abafa o amôr. E esse proceder do filho amado, não é senão exaltação do momento, defeza de conveniências de ordem pessoal e social a que arrasta esta orgia de interesses e ambições em que se converteu o mundo. Mas ésses impulsos são apenas exterioridades instaveis que não penetram o invólucro de coração.

A alma das mães é quasi sempre sublime. Espera, esquece e perdôa. A neurose do século é a responsavel de todos os arrebatamentos e desharmonias familiares que só a indulgência e o amôr reconciliam.

 
 

Quanto mais delicada é a alma, mais sujeita às fraquezas e mais fácilmente se deixa por elas dominar.

 
 

Minha Senhora — No julgamento imparcial do emocionante episódio em que a lançou o destino, tenho-me esforçado por manter o seu nome e os seus actos num plano de rehabilitação condigna dos seus méritos e da sua posição social. E julgando o homem de que o destino quiz fazer o seu companheiro de infurtúnio na dura expiação de um crime de amôr, fiz por elevá-lo conscienciosamente á altura dos meritos que destinguem a mulher virtuosa da mulher frágil.

Mas se justifiquei o facto; se expliquei a sua origem, se o atenuei nos limites máximos da minha consciência para resgatá-la da malevolência do mundo, salvaguardando as virtudes meritórias da bondade, da inteligência que teem sido aureola de simpatias na vida de V. Ex.a não devo nem posso abdicar de outros principios porque se regem os costumes da sociedade actual. Se assim não procedesse, prejudicaria a imparcialidade e a justeza das apreciações. E destruiria a efeito da defeza, se não entrasse tambem no campo da acusação.

Porque se as culpas de V. Ex.a se revestem de sólidas atenuantes, nem por isso deixam de ser culpa. É V. Ex.a a primeira a reconhecê-la confessando-se responsavel pelas lágrimas, pelas atribulações e prejuizos a que tem arrastado a estonteadera culpa de uma paixão. É nobre essa confissão. Mas será nobilissima se fôr consagrada pelo arrependimento. A bondade, o dever e sacrificio, serão a divisa dêsse nobilitante arrependimento.

Disse De Tocquebille, um célebre francez: « Nada ha no mundo que valha a pena serão o cumprimento do dever. Cada vez me convenço mais de que a felicidade consiste no cumprimento dêsse dever, e que só êste é legitimo e real. Porque a única coisa neste mundo que merece nos esforcemos por alcançá-la, é o bem do género humano. »

 
 

Saiu fóra dos deveres impostos pelas leis sociais de hoje, o acto de V. Ex.a. Causou dôres e sobressaltos, desdita, oprobio e revoltas. Recalcou orgulhos, violou pudôres, feriu sentimentos, desencadeou rancores, violências e âncias de vingança.

Tenho de ser leal com a minha consciência acusando os efeitos depois de haver justificado as causas. Porque se há em mim um espirito livre que vê claro na razão e na justiça fundamental das causas, que afectam uma sociedade inconsciente, há uma outra forma de vêr áparte dessa, e que procede cingida aos preceitos da educação do meio e das regras que formam o espírito da época.

Defendendo a V. Ex.a, estou dentro dos princípios que formarão a consciência da sociedade futura.

Mas não posso absolvê-la em obediência aos dógmas da sociedade de hoje. Convenço-me no entanto que a aclamaria a absolvição geral da sociedade, se o amôr da mãe suplantasse a paixão que abrazou o coração da amorosa.

Que poema de renúncia para a história dos heroismos femeninos!...

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Decerto V. Ex.a conhece a história de Cornelia, Mãe dos Gracos. E portanto não ignora que depois de viúva de Sanponio, Talomeo, o poderoso rei egipcio, lhe oferecera um amôr ardente sobre um trono de faustuosa realeza. Viveria em palácios de ouro e mármore pantélico cercados de luxuriosos palmares e de soberbos odeliscos. Deslumbraria pela formosura aureolada por um septro de rainha.

Mas a filha imortal de Escepião, preferiu a todos os amôres e a todas as glórias a glória de ser a mais virtuosa das mães e das mulheres romanas. A sua paixão, o seu único amôr, o seu ideal, o seu dever, as suas joias, são os filhos que mais tarde seriam os herois tão célebres da história romana. Com que desvanecimento e orgulho ela os mostra á pueril matrona que vem falar-lhe só de frioleiras e atavios curiosa de indagar do valôr das suas joias!

E a ternura valorosa desta mulher heroica, desdobra-se em heroismos, bondade e intrepidez, na alma dos tilhos bemqueridos, para formar a alma espiritual e valorosa da época mais nobre e célebre de Roma.

 
 

Sendo tão piedosa e tão boa, deve V. Ex.a ter em si o espirito de heroismo que floresce em vocação de sacrificio.

Renunciando a uma paixão fatal, renasceria para a glória da abnegação. Rendeu-se à fraqueza. Triunfaria na fortaleza que seria a conquista de si mesmo.

Retomando o seu lugar de prestigio social, mais dignificado do que nunca, pela renúncia, abafaria o rubro incêndio da paixão, para atear o suave crepitar do amôr filantrópico que preencheria o vácuo de todas as ternuras. Então se consolidaria definitivamente perante o mundo, o formoso quilate da sua alma, do seu carácter e do seu coração.

E ficaria gravada em páginas de ouro a mais bela epopeia da magnanimidade feminina.

 
 

Porventura ja pensou V. Ex.a, que é tanta vez doloroso o despertar dos sônhos de amôr que se abismam na realidade? Já ponderou que, afinal, existe entre duas existências que a sorte atraíu, uma diferença de posição, de idades e educação, que pode vir a ser dura contingência de desharmonias e desengano?

Esquece que, no outôno da vida, uma rajada de sofrimento breve desfólha as últimas rosas de juvenil frescura que é um milagre psíquico no seu gracioso e expressivo semblante? E se o encanto espiritual é fascinação e combustível de afeições ideais em ânimos educados, póde sossobrar em desdem e desharmonia após a realização de aspirações e desejos que arrefecem e pulverisam a dedicação, quando consumados e satisfeitos.

Depois, nunca póde aquilatar o grau das dedicações quem tem entre si e elas, a posse ou promessa de uma fortuna que sempre faz medrar cubiças. Méritos sem dinheiro, só raramente se reconhecem. Só penetra o fundo escuro das almas e da sociedade, quem tendo muito que lhe dar em virtudes e pensar, algum dia careceu de reclamar apoio para trabalhar pelo bem comum.

Então, essa sociedade artificiosa e cobarde, recua, retrai-se e uitraja. E faz das virtudes defeitos, para justificar egoismos, convertendo em virtudes defeitos que favorecei as suas mais mesquinhas conveniências.

 
 

As almas insaciadas de beleza, nunca se sentem satisfeitas no amor em que dominam as imperfeições de instintos imperfeitos. Só libertas do contágio do mundo grosseiro, sentem as verdadeiras emoções do amôr elevado e nobre que é eucarestia da sua fé, na pureza de um sacrário de virtudes ideais.

E quando o amôr profano é fulminado pela condenação das turbas, pela blastêmia e maldição que medrou em rancôr noutras almas, nunca póde sair de um limbo de tormentos, de expiação e desespêros.

 

Minha Senhora ― Eu tenho sofrido fundas agruras na minha penosa via-sacra de mulher, de vítima da sociedade e de idealista. Mas o destino reservou-me uma recompensa. Concedeu-me uma alegria infinita entre uma dôr imensa.

Tenho três netinhas que são quatro amôres. E quando os seus olhos transparentes como lagos e lindos como estrêlas me trazem a caricia da sua ternura; quando os seus bracitos carinhosos de sensiveis me enleiam o rôsto vincado pelo sofrimento, quando a melodia da sua vox querida e terna murmura enternecida ao ouvido encantado «vovó», florescem rosas de consolo e alegria em tôrno dos braços de uma cruz.

Esqueço toda a dôr, aparto-me de todas as maldades do mundo, refugio-me do ultrage de todos os ódios, de todas as ignorancias, e vejo só esta enternecedora inocência, concentro-me sómente na graça e no enlêvo dêste amôr que consola, alenta e purifica. Porque quando a aima é nobre, sacrifica aos afectos puros, todas as paixões em que se misturam laivos de pecado.

V. Ex.a tem um filho que a ama e que poderá em breve dar-lhe netos. Mas V. Ex.a nunca poderá sentir as alegrias e o consolo que eu experimento, se a paixão que a avassala fizer do coração desse filho um túmulo do afecto maternal.

A existência da avo terna e compassiva, ficaria sendo, talvez, um cemitério de amarguras, um exilio de afectos, de saúdades e desconsôlo recamado de urzes de martírio que nenhum outro amôr seria capaz de reverdescer.

E, por sobre tanta desolação, talvez as cinzas frias de uma paixão morta, requeimada, que deixaria de si apenas o rastro de piedade da amorosa, condensado na luz que brotou do seu julgamento desenrolado na alvorada da nova consciência social.

 
 

Mas quererá o destino que a sua existência siga a verêda da adversidade, desviando-a da única via da redenção?

Que alegrias brotariam da vida que se consagrasse a uma grande obra de beneficência, dispersando nela os tesouros da sua peregrina bondade e da sua excelsa e fecunda inteligência?

Para que mais dispêndios fabulosos de processos, para que mais papel selado, para que mais perseguições e afrontas?

Todo este drama teria como nobre epilogo a fundação de una obra de amôr que se destinaria a educar e proteger crianças em principios de sólida moral, que previsse todas as fraquezas e solidificasse todas as resistências.

Sepultado o passado num sarcófago de olvidos, erigir-se-ia um monumento de bondade, sobre um cristalino alicerce de perdão, de sacrificio e sublimidade.

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Emquanto escrevia estas paginas sentidas, esvoaçava uma pequenina e branca borboleta em tôrno da luz que me alumiava. Tanto agitou as azitas vaporosas, inquietas, na fascinadôra vertigem da luz que a deslumbrava, que por fim se arremessou num vôo doido e derradeiro, contra a chama que ia devorá-la.

Mergulhou o corpito estonteado e trémulo no combustivel candente e derretido da vela, que ardia frouxamente, na crise de luz, que, assignala de trevas cerradas, o século das luzes. Um estalido seco e rapido pulverisou o débil insecto.

Quiz salvá-lo. Mas já era tarde. Só retirei daquela luminosa sepultura um despojo informe e minúsculo. E agora, êste mísero fraguemento da alada mariposa, está diante dos meus olhos pensativos, como um simbolo vivo das paixões humanas que seduzem para aniquilar.

O vôo da pobresita que se desmaterialisou nem rápido estestôr, é a imagem dos arrebatamentos em que se afoga o coração, e a vida se despedaça num estalar de agonias que são morte depois de haverem sido delírio e embriaguez fatal. Mas alguma coisa ficou do alado insecto. Pereceu a vida material para volver ao encreado, para se transfundir de novo em ideal. E emquanto o corpito carbonisado destaca sôbre a alva mortalha de uma folha de papel, desprende-se dessas células mortas uma onda de impalpavel energia fluídica que se transmitiu a esta pena para traduzir a ideia. Esse ideia irá num vôo de pensamento adejar de alma em alma, pondo diante dos olhos atraídos pelas tentações de amôres de perdição, os despojos da branca borboleta convertida em emblema inanimado do martírio que é remate das insensatas paixões das almas revôltas.

 
 

Que as azas de esta paixão sejam carbonisadas como a alada mariposa, ficando das suas cintas apenas o espirito creador que irá iluminar almas e converter consciências.