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Ás Mulheres Portuguêsas/I — A mulher e o casamento

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I
A MULHER E O CASAMENTO

...Instruir a mulher, dar-lhe
ao nosso lado o seu verdadeiro lo-
gar de igual e de companheira,
porque só a mulher libertada póde
libertar o homem.
Émile Zola.




COMO companheira do homem e educadora dos seus filhos, a mulher é o factor mais importante para a reorganisação completa da sociedade.

Ora a mulher, entre nós, como toda a criatura sem educação, é retrógrada e timorata, influindo com os seus pavôres e ideias velhas no espirito das gerações, que assim se tornam, sem dar por isso, cobardes para as rasgadas iniciativas do futuro, prêsas ao passado pelo sentimento do mêdo que lhes incutiram, com o leite, as crendices maternas.

É o sentimento que nos fere em toda a nossa geração, neste culto fetichista que não temos, mas fingimos, pelo passado, e que, em vez de nos ser lição, se torna em obsessão. Não se respeita um monumento que se não comprehende; não se póde vangloriar a alma por actos que já não entende; mas nos ultimos tempos começou a ser móda falar do passado, das nossas glorias, dos nossos feitos; e esta gente, que não vê vantagem nenhuma positiva para as suas necessidades de hôje nesses feitos heroicos dos nossos antepassados, acha cómodo pendurar ao peito a venera honrosa de povo historico e apresentar-se com ella no grande concerto das nações...

Os nossos rapazes de agora nascem velhos, ponderados e graves como conselheiros de estado. Não é preciso reprimi-los em seus ardôres e alegrias de rubra mocidade; elles reprimem os velhos e comentam com acerto, quando lhes contam as revoltas e independencias dos moços de outróra — que hôje os tempos são outros...

E é a mulher, permitam-me que tenha esta triste vaidade, a culpada deste estado deprimente do espirito juvenil, mas a culpada inconsciente, porque a maior culpa recái sobre o homem que assim a tem querido para sua esposa e para mãe dos seus filhos.

É um grande principio educativo procurar no passado ensinamentos e estimulos para o futuro, mas é tristemente depressivo para o espirito esta obsessão do que fomos, martelando na alma das crianças como dobre a finados...

— Isto não é o que fazem os povos mais adiantados e mais cultos; não é o que convem á sociedade de hôje; mas é o que faziam os nossos avós, o que acreditavam os nossos antepassados...

E nestas crenças nos amortalhâmos, e nellas morreremos, se não sacudirmos esta letargía da alma, se não higienisarmos moralmente a educação da mãe, que hade educar a criança.

A mulher da nossa raça é naturalmente bôa e inteligente, mas em geral é profundamente ignorante e duma convicta preguiça para entrar na lucta pela vida, motivo porque se tem deixado ficar na rectaguarda de todas as dos mais povos de civilisação similar.

Ha quem afirme, e tenha isso como consolação, que a hespanhola é muito mais futil e vaidosa, muito mais ignorante e inutil. Não temos dados para estabelecer o confronto, mas o que é certo é que nada nos devem consolar tais opiniões. Se são verdadeiras, pesa-nos que haja um paiz na Europa no qual a mulher, ainda mais do que no nosso, se esqueça de que deve ser a companheira e auxiliar do homem, sua igual e sua amiga. Se são mentiras, não nos lisonjeia o engano.

O homem português, por bondade, por indiferença, e tambem por esta sublime inconsciencia, que fez de nós um povo de conquistadores sem vantagens práticas nas suas conquistas, não incita a mulher a trabalhar, nem procura no seu labôr o auxilio que lhe seria licito esperar, quando as necessidades crescem, dia a dia, assustadôramente, encarecendo a vida sem proporcional augmento nos ganhos.

Tambem a não hostilisa francamente, é verdade... embora pela educação, e talvez por hereditariedade, seja ferozmente arreigado a velhos preconceitos, muito desconfiado e temendo o ridiculo das inovações; nunca a mulher do nosso paiz, que quiz estudar e trabalhar, encontrou no homem séria oposição.

Desconhecemos as luctas violentas que lá fóra tornaram a questão feminista uma verdadeira guerra, com adeptos apaixonados em ambos os campos, e até com sacrificios e com mártires.

A nossa mulher, essencialmente passiva, sem ambições que vão alem da satisfação que as pequenas vaidades do luxo trazem, não aspira senão ao casamento, para elle se cria e engalana, nelle põe a unica esperança do seu futuro.

Não é o casamento, segundo a natureza, pela necessidade fisica de amar e ser amada; não é o casamento superior de dois espiritos que se comprehendem e juntos podem viver felizes, fisica e intelectualmente ligados; não é mesmo o casamento comercial — chamemos-lhe assim — em que duas fortunas ou dois nomes se ligam pelo interesse monetario, formando para o futuro uma só firma... O casamento português é, na maioria dos casos, pura e simplesmente uma arrumação para a mulher, o amparo, como que o asílo, para a pobre invalida, incapaz de ganhar pelo trabalho a subsistencia e o conforto.

Dado que se não realise o almejado casamento, embora para isso se tenham procurado todos os meios, ei-la uma criatura sem posição, infeliz, arrastando uma existencia miseravel, se tem de trabalhar para viver, com as aptidões quasi nulas com que a educação a preparou.

Se não sabe trabalhar, ou tem familia que se envergonha desse trabalho, torna-se um fardo pesado e aborrecido, cheia de resentimentos e amargurosas censuras á vida, invejosa da felicidade alheia, um elemento de discordia na sociedade.

Ainda algumas vezes é victima de todos os egoismos, tornando-se a criada dos proprios seus, curtindo despresos e vexames de toda a ordem, de grandes e pequenos.

Só quando rica, o quadro se torna risonho; mas não é dos raros felizes que se trata quando se fala em generalidades. Alêm disso, as raparigas com dote raro ficam para tias, porque o assédio é de tal maneira apertado que o triumfo heroico do casamento não se faz esperar.

Falando pois na mulher sem fortuna, repetimos: — a sua educação não a torna superior pela inteligencia cultivada, nem apta a ser independente pelo proprio trabalho. Alêm da educação, é a preguiça que a conserva — mais do que as leis e a vontade dos homens — na mais completa dependencia.

Quantas vezes os pais, que querem dar uma educação prática ás filhas, não têm que desistir do seu proposito, vendo nellas só pendor para festas, namoricos e futilidades, apoiadas pela mãe que conserva da missão do seu sexo as ideias mais amesquinhadoras da dignidade feminil?...

Só por excepção se dará o caso duma mulher do nosso paiz querer estudar e ter, para o fazer, de luctar com grandes oposições.

Nem o codigo o permitiria, porque as nossas leis, apesar de más e discutiveis, como todas as leis, são melhores do que as de outros paizes mais cultos, como teremos ocasião de o mostrar e provar.

Tratando a questão, sobre todas urgente, do trabalho da mulher, não nos referimos, é claro, á mulher do povo. Essa é no nosso paiz, como em todos, laboriosa e util; nem que quizesse poderia deixar de o ser, porque a familia reclama o auxilio do seu braço e os cuidados da sua atenção. No povo trabalha sempre, e muito, e só excepcionalmente é ociosa, porque a necessidade e a lucta pela vida são poderosos incentivos para azorragarem os pobres. É só no povo que encontrâmos, entrando como valôr dotal, as aptidões de trabalho da noiva.

Quando um homem da classe média pensa no casamento, ou, mesmo que não tenha pensado, se resolve a fazê-lo porque lhe agradou um rostosinho pálido que assomára a uma janella, ou pegou o namoro encetado por brincadeira, não tem como o homem do povo a frase consoladora que vale por um dote: — é uma mulher de trabalho.

No nosso paiz, como em todos os outros, a mulher do povo trabalha sem reparar se os serviços são ou não proprios do seu sexo, mas deixando que os outros olhem... para darem menor salario.

Não é pois a essa que precisâmos recomendar o trabalho como fonte de todas as alegrias e licita liberdade! Estudaremos, sim, em outra ocasião, as condições desgraçadas em que é feito, mas não neste capitulo dedicado á classe média, onde a educação é menos util e menos prática, e onde, pelo contrario, deveria ser mais cuidada e bem dirigida para um fim de segurança futura.

Já o temos dito varias vezes, mas não é demais repeti-lo, — que é nos outros paizes a mulher da burguezia aquella que mais e melhor procura educar-se.

Isto porque a civilisação, tornando a vida cada vez mais cara e mais exigente, já fez lá o que não tardará a fazer entre nós. A mulher inhabil e pobre não casa.

Por egoismo e maldade do homem?!

Não nos atrevemos a condemná-lo.

O seu egoismo é filho da necessidade, que faz pensar com horror nos encargos duma familia nas circumstancias em que a sociedade coloca hôje o individuo.

Não espere a mulher portuguêsa que sejam os homens que a empurrem para o futuro e para a independencia pelo trabalho, porque isso será a confissão tacita da sua incapacidade e preguiça.

Antes que chegue a hora em que o homem — até hôje bastante sentimental e imprevidente para o triste dia de ámanhã de todos os casamentos pobres — ache que as alegrias dum noivado não valem os encargos, cada vez mais pesados, de um lar, e procure no celibato a emancipação, é que a mulher se deve precaver, preparando-se para esse proximo dia em que só terá de contar comsigo.

Isto que ainda nos parece uma monstruosidade e que repugna ao nosso sentimentalismo, é já um facto na sociedade francêsa, onde a rapariga sem dote tem noventa e nove probabilidades, contra uma, de ficar solteira.

Dahi a situação angustiosa dos pais, que vêem crescer a familia e pensam com amargura nos filhos a colocar e nas filhas a quem é preciso arranjar dote.

Não obstando a este mal com uma séria e util educação, que ponha a mulher ao abrigo da miseria e da dependencia, não tardará que cheguemos ao caminho por onde a França vai para a despopulação, para a inferioridade egoista do numero.

Se a mulher latina não seguir o caminho largo que lhe indicam, com o exemplo, as fortes raças do norte, ai da familia e das nações a que pertence!

As que primeiro se decidirem a entrar na lucta sofrerão por certo muita contrariedade e verão cahir sobre os seus pobres hombros, mal vesados á responsabilidade forte do trabalho e da liberdade, todo o peso dos preconceitos e das costumeiras, toda a malquerença invejosa e malévola dos rotineiros, numa sociedade ignorante, que só cultiva com amôr a má lingua tradicional.

Mas o numero faz a força e o habito fará o resto. Quando a mulher, que procure numa profissão honrosa o seu sustento e a sua independencia, não fôr uma excepção, mas uma legião, facilmente poderá aguentar o embate dum passado que se desmorona, vendo brilhar um futuro que mal se esboça ainda num sorriso longinquo.