40 anos no interior do Brasil/Rumo ao Brasil

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Rumo ao Brasil


Foi no ano de 1887. A lata velha, o "Campinas", sofria com suas máquinas gastas através das ondas azuis do oceano, e nós nos entediávamos. Na entrecoberta era ainda mais interessante do que no camarote, mas o que podíamos fazer? Não dava para se dedicar o tempo todo a jogos de salão, o Batismo do Equador já havia sido feito, e assim o tédio do camarote propagou-se pela em geral tão alegre entrecoberta. De repente meu irmão Georg me perguntou: "Diga, Bob, não colocamos as luvas de boxe na mala?" Eu respondi positivamente. "Então vamos dar aulas de boxe para o pessoal aqui; vá pegar as coisas!" Dito e feito. As luvas foram encontradas e foi dado um chamado a quem quisesse participar de uma aula de boxe.

Havia em torno de oito alemães e quatro portugueses. O interesse geral foi despertado; e quando a turma do boxe se apresentou, logo se reuniu um círculo de espectadores, os passageiros do camarote também estavam parados, apinhados no parapeito de seu convés superior. As primeiras horas passaram tranquilas, foram treinados somente os assaltos; os golpes e ganchos foram desferidos contra o ar e efetuadas as defesas contra ataques imaginários. No entanto, isso se modificou quando as luvas foram calçadas e os golpes, ao invés de ar, pousaram sobre peitos e narizes. Os alunos faziam caras muito admiradas quando tal golpe acertava em cheio e o júbilo dos espectadores crescia na mesma medida que o divertimento dos participantes diminuía. Depois de alguns dias havia somente quatro participantes, e apesar disso meu irmão e eu realizávamos belas lutas para animar o interesse, mas tivemos pouco sucesso com isso. Por fim, além de nós dois, havia somente um português. O espanto foi geral quando este, de repente, desafiou meu irmão para uma luta. Nós também não éramos lutadores de boxe profissionais e o rapazinho afirmou que nós não entendíamos absolutamente nada. Em Portugal se luta de uma forma bem diferente. Rindo, meu irmão aceitou o desafio. O interesse foi reanimado, e mesmo os marinheiros, na maioria jovens rudes de Hamburgo, reuniram-se em torno do círculo, enquanto os oficiais e passageiros dos camarotes olhavam de cima do seu convés superior. Meu irmão estava em posição de defesa enquanto o português, um pequeno e ágil rapaz, aproximou-se dele, mas sem propriamente atacar, e sim dava pulos em volta dele como uma bola de borracha. Era espantosa a agilidade que o homenzinho desenvolveu; ora direita, ora esquerda, ora avante, ora para trás dançava esta coisa saltitante em volta de meu irmão, e quando este avançava adiante, o rapaz já havia saltado para o lado, desferia alguns golpes fracos e já estava novamente no próximo canto. "Magricela, vai pra cima dele, Georg!", gritaram os marinheiros. Então meu irmão levantou-se, simulou um ataque à direita e acompanhou o salto do rapazinho para a esquerda e com um longo golpe ele acertou o nariz do rapaz com tanta força que logo o sangue jorrou. Ele caiu de costas, mas rapidamente pôs-se em pé e queria limpar o rosto e, sem pensar nas luvas firmemente afiveladas, esfregou o sangue por toda a cara e então saltou gritando com as mãos e o rosto cheios de sangue entre os espectadores, que horrorizados se dispersaram. Estava acabada a aula de boxe.

Novamente o tédio voltou a ser excessivo. Os suecos que estavam a bordo afirmaram que os seus miolos já estavam torrando. A família dinamarquesa dava menos estalos com os seus engraçados tamanquinhos de madeira pelo convés; o alemão de poucas palavras, que por doze anos havia lutado como soldado holandês contra os nativos da Indonésia, agora abria a boca com mais frequência, pois o terrível calor parecia fazer-lhe bem. Ele me contou que, em seu tempo de Amsterdã, recrutas holandeses haviam adicionado algum narcótico em sua bebida e só foi acordar quando se encontrava a bordo de um navio de transporte holandês a caminho de Java. Depois contou espantosas histórias dos degoladores de lá, finalmente foi bem sucedido com o auxílio de um marinheiro alemão ao entrar sorrateiramente em um navio veleiro, onde ficou escondido dos marinheiros em um dos barris d'água que estava pela metade. Nesse agradável banho que chegava até os seus quadris, ele permaneceu por dois dias e duas noites, enquanto os soldados holandeses revistavam todos os navios que se encontravam no porto. No segundo dia o navio partiu e só então ele se apresentou. O capitão praguejou quando soube das circunstâncias, pois se o homem houvesse sido encontrado em seu navio, ele teria tido todo tipo de aborrecimentos com as autoridades holandesas. Seguiu então como marinheiro no navio para Hamburgo, e encontrava-se agora a caminho do Brasil. Quando ele viu o arsenal de armas que os emigrantes carregavam, riu com menosprezo e me mostrou secretamente sua bengala, a qual ele desparafusou a cabeça e a ponta; a parte do meio era oca e formava uma zarabatana. Em uma caixinha, guardava espinhos bastante singulares, equipados com pincel e uma garrafa com veneno javanês. "O mais terrível predador morre dentro de um minuto, quando é atingido por uma seta embebida no veneno", me informa ele, "e no momento que a seta penetra na pele, o animal não sente mais quase nenhuma dor, pois a ponta é aguda como uma agulha e o caçador pode esperar tranquilamente até que o veneno faça efeito".

De repente, certa tarde, um de nossos marinheiros gritou: "Terra!" Esse grito teve o efeito de um choque elétrico sobre os passageiros e a tripulação. Principalmente os passageiros corriam gritando para lá e para cá, gritando e perguntando sem parar onde se podia ver terra. Quem tinha um binóculo apressou-se em pegá-lo; e então centenas de olhos armados e desarmados fitavam a terra de seu desejo, de sua expectativa, e ah!, talvez de tantas decepções. Uma fina linha azulada e ondulada distinguiu-se só um pouco do horizonte, tanto que foi tomada como nuvens por muitos. No entanto, o marinheiro que antes havia dado o grito, tinha olhos aguçados, e foi se tornando cada vez mais certo que era terra, pois os contornos se tornaram mais nítidos e ao tom azulado misturou-se agora um delicado verde.

Era a costa do Brasil. De toda a América do Sul, os alemães só tem noção de dois países: a Argentina com seu trigo e suas ovelhas e o Brasil com o café e os diamantes. Todos pensam: onde há tanta riqueza, um pouco vai sobrar para eu e meus filhos podermos viver. E sem precisar pagar impostos, sem necessidade de carvão, livre da eterna tutela das autoridades alemãs, como deve ser bom viver por lá, além disso, a enorme fertilidade do solo virgem! Mas como sempre: onde há muita luz, há também muita sombra. A riqueza do Brasil, na maior parte, ainda é inexplorada, e os capitais para tanto precisam vir da América do Norte e Europa. O colono precisa pagar muito pouco ou quase nada de impostos, mas indiretamente ele paga talvez mais do que na Alemanha, pois os artigos de consumo são muito caros; ele não precisa de carvão, mas em compensação sofre com o calor; é livre da tutela das autoridades alemãs, mas em compensação não desfruta de benefícios como auxílio saúde, seguro desemprego, etc... Sobre o solo fértil certamente cresce tudo muito bem, mas também a erva daninha, e é preciso um trabalho fatigante para arrancá-la. Poucos passageiros tinham noção desses inconvenientes enquanto agora, de hora em hora, dia após dia, a terra se aproximava, ora mais próxima, ora mais distante. O navio raras vezes navegava sem ter uma visão da costa e quando se via as palmeiras sobre as brandas colinas acenarem com suas delicadas e gigantescas folhas, parecia como uma saudação do país mágico. Os mapas foram estudados fervorosamente, pois o nosso navio não atracou em parte alguma, além do seu destino São Francisco. Já havíamos deslizado pela cálida Bahia, pela maravilha do Rio de Janeiro, pelo porto cafeeiro de Santos e finalmente estávamos em São Francisco. O vapor ficou um pouco para fora, pois seu calado não permitiu atracar no baluarte. Decepção geral, pois já haviam forjado planos de tudo o que nós íamos fazer no passeio em terra. Um berlinense parou ao meu lado e cuspiu a bordo. "Água suja e atrás um pouco de terra", opinou ele desdenhosamente. Eu me apoiei na balaustrada, olhei de cima para a balbúrdia de barcos que circundavam o navio e meus pensamentos vaguearam de volta à casa paterna e ao futuro distante, que subitamente estava tão próximo de nós, e um sentimento incômodo crescia em mim, por não conhecer aqui viva alma, quando, de repente, de um dos barcos lá embaixo meu nome foi chamado no mais perfeito dialeto de Berlim: “Ah, Helling, você também está aqui?” Eu olhei para baixo e lá estava meu amigo Karl atirado em um dos botes, o mesmo amigo com o qual eu ia à escola. Como este mundo é pequeno! Karl havia emigrado dois anos antes de mim, eu só não sabia para onde.

Durante a noite nós ficamos ainda a bordo; no dia seguinte por volta do meio dia íamos embarcar em um pitoresco vapor que nos levaria a Joinville. O vapor estava superlotado e um dos emigrantes perguntou ao timoneiro, se não havia nenhum bote salva-vidas, pois navegávamos pela grande baía como se estivéssemos em mar aberto, e somente ao longe se viam algumas ilhotas. Mas o timoneiro riu ironicamente e respondeu em belo dialeto: “Eu também nunca me afoguei!” O calor era sufocante e o vaporzinho pôs-se em movimento, mas não tinha pressa, e a passo de lesma fomos adiante. Os passageiros nativos que se encontravam a bordo foram bombardeados com perguntas e, já que a maioria falava alemão, as mais inacreditáveis façanhas foram contadas e acolhidas pelos novatos em parte com pavor, em parte com escárnio. Mas sob uma temperatura de trinta e cinco graus, por fim, a mais fantástica lorota deixa de ser interessante.

Da baía aberta entramos lentamente em um canal cada vez mais estreito, e finalmente parecia-se com um rio, cujas margens, entretanto, nós não podíamos ver, pois árvores e taquaras formavam uma parede verde. “Meu Deus, quanto mosquito!”, reclamou um sério alemão de Holstein, e realmente, quanto mais nós penetrávamos no crepúsculo verde do rio, mais demônios alados apareciam zumbindo em volta de nossas cabeças. Um homem da tripulação nos informou que esses adoráveis bichinhos não seriam os perigosos mosquitos, mas sim pernilongos, e por enquanto seriam só os Pernas Longas, mas em frente nos tornaríamos conhecidos dos mosquitos pólvore quando o vapor ficasse parado no rio. Surgiu um tumulto geral. “Nós devemos ficar aqui nesta geringonça a noite inteira e nos deixar ser sugados por esses pernilongos?” “Onde está o capitão deste poderoso vapor?” “Nós vamos reclamar ao Cônsul!” Assim ecoaram as reclamações. O timoneiro riu ironicamente e retrucou tranquilo: “O capitão sou eu e sem água eu não posso seguir; nós temos maré baixa, olhem para a água!” Todas as cabeças viraram e olhamos para a água como o timoneiro havia nos aconselhado e vimos um caldo espesso amarelo-sujo arrastando-se em torno do barco, o qual a cada quarto de hora se tornava menor. Logo apitou a lastimável sirene do vaporzinho, o timoneiro torceu furiosamente sua roda e o pequeno barco escorregou sobre o lodo macio para mais perto da margem e ficou balançando tranquilamente para lá e para cá e, por fim, parou levemente inclinado à bombordo. Tudo virou confusão. A tripulação desapareceu por uma porta e nós fitamos a noite dos trópicos, onde centenas de vaga-lumes moviam-se no ar. O alemão que havia lutado em Java desenrolou seu cobertor, deitou-se, enrolou-se com sua capa e enrolou na cabeça uma grande toalha, cuja ponta ele puxou sobre o rosto. Cutuquei meu irmão e apontei para o homem. “Vem, vamos fazer como ele!” eu disse baixo e então nós preparamos nossa cama da mesma forma. Mas por enquanto não podíamos ainda dormir; pois em primeiro lugar fomos apresentados aos mosquitos pólvore; e segundo, a floresta toda estava tomada dos mais variados sons. Havia um ininterrupto som de assovios, estrídulos, coaxos, e então de novo como quando um martelo cai sobre um barril, involuntariamente se pensava quais animais produziriam todos aqueles sons. Nós também havíamos tentado dormir com uma toalha sobre o rosto, mas como não estávamos habituados a isso, logo a retirávamos e, pouco depois, percebia-se que sobre o rosto havia inúmeros bichinhos; e assim começou uma coceira tal que as mãos tentavam afugentá-los e acabavam sendo picadas também. Uma das pessoas levantou-se suspirando para ir para baixo no assim chamado camarote, mas voltou rapidamente, porque, em primeiro, lugar o pequeno quarto estava cheio de mulheres e crianças, e em segundo, estava terrivelmente abafado lá dentro, tanto que preferiu oferecer seu corpo um pouco mais como comida de mosquito.

Finalmente se pôde dormir um pouco; pelo menos nós constatamos que havíamos despertado, já que o vapor começou novamente a balançar para lá e para cá. Sim, já era dia. Nós olhamos uns para os outros. “Você tem sarampo, cara!” gritou alguém. “E você tem catapora!”, retrucou prontamente o interlocutor. Nós estávamos muito bonitos! Pareceu que, como estrangeiros, havíamos sido um verdadeiro petisco para os mosquitos. O vaporzinho pôs-se em movimento e logo estávamos em Joinville, onde fomos acomodados no alojamento de imigrantes.

Um prédio como esse é muito interessante. Pense em um enorme celeiro, na parede à direita um catre, à esquerda a mesma coisa e está feita a descrição. Então se desenvolveu uma vida agitada sobre esses enormes catres de madeira rudimentares, divididos somente por um corredor no meio, para que as criancinhas também pudessem cair. Nós ficamos aqui alguns dias para esperar nossa bagagem, caminhamos de dia livremente sob as palmeiras e comemos tantas laranjas e bananas quanto podíamos aguentar, e também o que não podíamos; mas prefiro não falar das consequências.

A maravilhosa natureza extasia o europeu do norte. Mangueiras, magníficas orquídeas, palmeiras cica, coqueiros, o gigantesco aceno dos bambus, papagaios em pequenos poleiros em frente das portas, urubus nos telhados nas proximidades de um açougue — tudo é estranho, tudo é esquisito. Com olhos brilhantes olha-se em volta, observa-se as pessoas e o olhar se prendia nas crianças que pulavam de pés descalços. Mas qual era a aparência delas? Todas pálido-amareladas, muitas inchadas. Assustados, nos dirigimos a um nativo. “Qual é a causa disso?” — “É o clima” respondeu este serenamente, “e muitas crianças têm também ‘Mal de Terra’ (verminose); em cima no planalto é melhor”. Nós não queremos ficar aqui e vamos para o planalto, e voltamos um pouco desiludidos para o nosso alojamento de imigrantes.

Choveu, não como na Europa, mas sim como se tivesse caído um temporal e uma atmosfera quente e úmida invadiu o prédio, tanto que fui vivamente lembrado da impressão que sempre tive quando metia o nariz na lavanderia de minha mãe. Estiquei-me no catre; era noite e sonhei. Um animal gigante lutava comigo, ele me puxava para baixo d'água, presas pontiagudas agarravam meu rosto, uma garra prendia-se em minha boca. Acordei com um grito, cuspi algo, depois agarrei, aí ele fugiu, eu o segurei. Meu irmão despertou com o meu grito, assustado acendeu a luz, eu cuspi continuamente e sem dizer nada segurei para ele algo rastejante, que minha mão continuava segurando e ele exclamou: “Uma baratta!” “Anda capturando baratas de noite?” Eu joguei a coisa fora; era um monstro de no mínimo quatro centímetros, um elefante comparado às nossas baratas conterrâneas e este bicho monstruoso havia entrado na minha boca enquanto eu dormia. Sabe Deus o que procurava lá!

Na manhã seguinte, ansiosamente prosseguimos viagem. Nós havíamos alugado uma grande carroça com um certo senhor Blum e colocamos em cima toda a nossa bagagem que era de certa monta. Tal carroça era atrelada com oito cavalos, mas segundo nossos conceitos alemães eram apenas pequenos cavalinhos, por mais que o cocheiro os elogiasse como grandes. Nosso companheiro de viagem, o senhor Blum, tinha consigo sua esposa e dois belos pastores alemães e já havia estado no Brasil. Conhecia tudo por lá e se tomava por conhecedor. A viagem continuava em frente por 40 km em uma estrada plana, então no segundo dia começou a subida da serra. As curvas serpenteavam por mata em cima de mata e um olho de pintor não se fartaria de ver todos os maravilhosos tons de verde desta magnífica vegetação. As palmeiras entremeadas pareciam-se com nobres donzelas entre o povo vulgar, grandes árvores com flores vermelho-púrpuras do tamanho de uma mão, flores brancas das trepadeiras, flores amarelo-vivas do Ipê contrastavam com o mar verde. No segundo dia nós acampamos pelo meio-dia em uma fonte e o cocheiro lentamente desatrelou seus oito cavalos, todos guarnecidos com guizos, e os deixou correr pela mata; a conversa naturalmente girou em torno de cavalos e cães, no que Blum elogiava ambos os cachorros. Finalmente o cocheiro disse que achava que Blum só se gabava, ele deveria dizer aos seus cachorros para ir no mato e buscar os cavalos.

“Aposta quanto?”

“Uma dúzia de cervejas.”

“Feito!”

Os cachorros pareciam ter entendido a conversa e fitavam impacientes o seu dono. Este se levantou e chamou o cachorro grande, pressionou-o com o focinho sobre o rastro fresco dos cavalos e disse com autoridade: “Procura e traz!” Os cachorros voaram dali. Incrédulo, o cocheiro riu, mas logo um trote de cavalos e sons estridentes dos guizos que os cavalos tinham no pescoço o advertiram de que algo estava em andamento e logo depois os cavalos se aproximaram rapidamente seguidos pelos cachorros. Assim que um dos cavalos quis parar, recebeu uma mordida no garrão, e num instante o cachorro saltou para o lado para esquivar-se do consequente coice. Não haviam passado dez minutos quando todos os cavalos estavam em posição, estreitamente cercados pelos dois cachorros. Blum os chamou e obedientes se puseram aos seus pés, mas o cocheiro, com um gesto negativo da cabeça, examinou seus cavalos que em parte sangravam nos garrões. Mas a aposta ele tinha perdido.

No segundo dia chegamos a São Bento.[1] Nós havíamos dito na frente do cocheiro que queríamos ajudar em qualquer trabalho, para que pudéssemos ter uma ideia geral de tudo, principalmente no que diz respeito à agricultura.

“Sim, se é isso que vocês querem, então podem começar comigo. Quero dizer, só em troca de comida, pois mais do que isso vocês ainda não valem”.

Pareceu-nos bem, e, portanto ficamos assim provisoriamente. Com os nervos à flor da pele foi-se ao trabalho no dia seguinte. Foi aberta uma picada com foice e facão. Que saco, mas que trabalho infame era aquele no emaranhado de cipós com capoeira, e além do mais, que calor! Mas nós resistimos corajosamente, apesar de nossas mãos logo se cobrirem de bolhas. Mas o que era pior era a comida! Era simplesmente terrível, e somente um vegetariano inveterado poderia tê-la apreciado. Pelas manhãs café; sim, eles realmente chamavam aquele estrume de café, mas havia somente um caldo de batata-doce que era picada crua em cubos e então assada no forno. Além disso, havia um pão de centeio viscoso, cuja terça parte era constituída de batata-doce e que ficava preso nos dentes. Ao meio-dia havia de novo batata-doce, mas desta vez cozida com a casca. E que incrivelmente prática era essa refeição para a dona de casa; pois os pratos não ficavam sujos. As batatas vinham para a mesa na grande panela de cozinhar, a panela era entornada, cada um esticava sua faca e apanhava uma daquelas coisas parecidas com um longo rabo de rato, tirava a pele, molhava em um pouco de sal e mordia. Antes desse manjar dos deuses havia uma sopa de centeio cinza e com gosto desagradavelmente azedo. À tarde nós ganhávamos de novo o assim chamado café com o pão de centeio viscoso e à noite novamente batata-doce com sopa de centeio. Eu gostaria de recomendar esse tratamento a todos que sofrem de prisão de ventre; pois conosco ele se manifestou de tal forma que no quinto dia meu irmão me disse que se sentia como um ovo vazado. Nós devíamos parar enquanto ainda restava algo em nosso interior. Portanto, nós dissemos adeus ao cocheiro e nos alojamos provisoriamente em um hotel em Oxford.

O que não leva o nome de hotel nesse mundo. Era uma casa de madeira, os quartos pequenas divisões com uma cama de madeira rústica com colchão de palha e um banquinho; mas a comida era simplesmente magnífica para nós, comedores de batata-doce. Havia carne de verdade, feijão preto e farinha de mandioca e até mesmo um pouquinho de manteiga para passar no pão, que não ficava colado na parede quando se fazia bolinhas e jogava. Por dois dias nossa ocupação não foi outra além de comer e passear; para de novo poder comer. Então o sentimento do dever despertou novamente e procuramos trabalho. Nós tínhamos recebido cartas de recomendação do Cônsul em Joinville para um comerciante, Senhor Schlemm, a quem expusemos nossa situação e dissemos que nos interessava principalmente um trabalho no qual pudéssemos aprender na prática a língua portuguesa. “Aqui se encontra um carpinteiro que frequentemente sai da região da colônia, onde naturalmente só é falado português e vocês podem aprender a língua com facilidade”. Nós fomos, portanto, ao carpinteiro. Era um homem de Holstein; ele falou com muito desprezo dos alemães da Boêmia, esses comedores de batata-doce, tanto que com relação a isso ficamos tranquilos; então veio a pergunta de quantos anos nós havíamos trabalhado como carpinteiros etc. Nós rimos e dissemos sem hesitar que não éramos carpinteiros, mas havíamos servido por um ano com o batalhão de engenharia e por isso não éramos de todo sem prática. Ele havia estado na mesma arma e agora descontraiu em um agradável bate-papo do sempre belo tempo em que servimos no exército, a esposa trouxe café com pão e manteiga, e nessa altura foi discutida a pergunta principal: quanto ele pagaria. Uma visível frieza soprou através da sala quando falamos do salário. “Hum”, opinou ele, “eu havia propriamente pensado que vocês, como aprendizes, ainda iriam pagar alguma coisa”. Nós protestamos energicamente contra esse desaforo, pois já tínhamos nos informado que, no livre Brasil, seria considerado indigno; e por fim, uma coisa leva à outra e chegamos a um acordo de um salário mensal de treze mil réis por homem mais alojamento. Para nós era indiferente se ganhássemos mil réis a mais ou a menos, pois cada um de nós trouxe sobre o peito nu um saquinho de couro com mil marcos em ouro para eventuais compras de terras. Mas queríamos passar por tudo e nos mudamos de nosso hotel de luxo novamente e fomos ao carpinteiro.

Era no belo mês de maio, mas este mês de encantos é, no planalto do sul do Brasil, um frio dos diabos. Na manhã seguinte fomos despertados ainda na escuridão, levantamos, tomamos café e marchamos meia hora, de modo que estávamos no canteiro de obras ao nascer do sol. Uma geada miúda e cintilante cobria a grama, árvores e as vigas já preparadas. Deviam ser abertos buracos que o carpinteiro já havia traçado para nós nas vigas. Então sentamos sobre as tábuas e batemos como loucos com os formões para nos aquecer.

Depois de meia hora, eu quis levantar para começar outro buraco, mas não pude, pois a minha calça estava presa na viga; eu estava congelado. Soa estúpido, mas era verdade, no calor do Brasil eu estava congelado. Com o calor do meu corpo eu havia derretido a geada, e a umidade foi congelada novamente, ainda que somente na borda, onde minhas nádegas terminavam. Com algum trabalho eu me soltei, e assim continuei o serviço. Os dias passavam um após o outro naquele trabalho ininterrupto, ficávamos sempre somente dentro da área da colônia, mas queríamos aprender a língua da terra. Mas sempre que falávamos sobre isso com nosso mestre, ele sempre tinha desculpas e quando em um belo dia novamente havia assumido uma construção na colônia eu disse a ele que queríamos ir embora e que gostaria que ele pagasse nosso salário. Então ele fez uma cara feia; observou que nós não tínhamos trabalhado tanto como ele havia pensado, e por isso poderia nos pagar somente oito mil réis por cabeça ao invés dos treze combinados. Enfureci-me com tamanho descaramento e quis me revoltar, mas meu irmão levou a coisa para o lado da brincadeira, começou a rir e disse: “Passa esse ouro pra cá!” O carpinteiro estava completamente perplexo com o nosso comportamento. Como eu agora também acompanhei a gargalhada, ele foi para o seu quarto, remexeu por lá um bom bocado e finalmente voltou para nos comunicar, dando de ombros, que ele não tinha dinheiro; mas nós podíamos pegar tábuas dele e vender. Mas agora aquilo foi o cúmulo do atrevimento, e eu berrei a valer com ele, mas meu irmão riu de novo e disse que tinha outro plano. É que nós estávamos mais ou menos decididos a cavalgar para a Província do Rio Grande do Sul, assim, todas as nossas caixas precisavam ser refeitas, e de modo a adquirirem o tamanho ideal para poderem ser penduradas nas albardas das mulas; e agora o mestre devia pagar o nosso salário com o próprio trabalho. Este olhou fundo em nossos olhos e a princípio não disse nada; em todo caso ele pesou os prós e os contras desse nefasto plano que pelo menos salvaria sua honra; mas finalmente venceu a “Crítica da Razão Pura”, da necessidade urgente da completa carência de dinheiro vivo, e ele concordou.

Então nós ainda ficamos um pouco mais com ele. Mas da viagem ao Rio Grande do Sul nada aconteceu, compramos um pedaço de terra de um quilômetro quadrado fora da área da colônia por um preço horrendo naquele tempo de 1000 marcos, e sobre a qual tentamos transplantar os nossos métodos agrícolas europeus, até compreendermos, que em um país ainda não inteiramente civilizado, o melhor seria fazer como os nativos.

 

  1. Vila de São Bento, hoje São Bento do Sul, região que atraía a colonização alemã. Fica no Norte do Estado de Santa Catarina e na época fazia parte da região contestada entre os estados de Paraná e Santa Catarina. (NdH)

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