A Alma do Lázaro/II/III
Depois que me deixaste, mãe, sinto um consolo imenso em escrever. E como se te falasse
Comecei hoje a tirar sobre o papel, do coração onde as tenho intactas, aquelas bonitas histórias, que aprendeste de meu avó. Foram-me bálsamo, ouvidas de teus lábios nas horas da vigília; porque o espírito ia-se nelas, e o fogo queimava só uma carne insensível. São-me conforto agora contra o desânimo que me invade. Escrevendo-as, estou contigo. A ternura que derramaste nelas é um santo óleo. Vaza-me do seio, onde o verteste, e unge-me Tuas palavras, escuto-as ainda. Deu-lhes tua alma uma voz, para que murmurem assim ao meu ouvido?
A recordar o que me contaste, vivo nesse tempo bom de fé e heroísmo. Não me admiram feitos grandes que houve então. O espírito respirava na estima do povo, como se respira o ar na atmosfera, um ressaibo de nobreza. Era mãe a pátria, que defendiam filhos dedicados. Foi depois que a fizeram senhora, mal servida por fâmulos interesseiros.
Mal de mim que não nasci naquele tempo!... Não me negariam o direito de morrer combatendo pela independência da minha terra. O soldado que a todo instante via a morte, não se temeria do contacto de um pobre enfermo... A bala do arcabuz ou o golpe da lança, é mais terrível do que a lepra.
Nesta era o soldado fez-se aventureiro. Joga a vida pelo lucro. Se me oferecesse por companheiro seu, me haviam de repelir. O mais bravo fugiria de mim! Que horrível anátema trago impresso na fronte!...