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A Carne/IX

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Quebrara em Santos uma casa comissária importantíssima.

O coronel perdia na quebra cerca de trinta contos.

— Que aquela praça era uma cova de Caco, uma Calábria disse ele ao saber da notícia, um dia de manhã: que comiam o fazendeiro por uma perna; que misturavam o café bom, mandado por ele, com o café de refugo, com o café escolha comprado ao desbarato; que essa honestíssima manipulação chamavam bater, fazer pilha, no que tinham carradas de razão porque era mesmo uma batida de dinheiro, uma verdadeira pilhagem de cobres, que davam contas de venda ao fazendeiro como e quando muito bem lhes parecia, e que diabo havia de se ver grego para verificar a exatidão de tais contas; que à custa do fazendeiro comia o intermediário, comia a estrada de ferro com as suas tarifas de chegar, comia o governo com os velhos e novos impostos, comia a corporação dos carroceiros, comia a três carrilhos o comissário, comia o zangão ou o corretor, comia o exportador, comiam todos. Que afinal, para coroar a obra, para evaporar o restinho de cobre que ficava, lá vinha a santa da quebra, a bela da falência, casual, já se deixava ver, porque onde há guarda-livros peritos ninguém quebra fraudulentamente.

Ficou decidido que Barbosa partiria no dia seguinte para Santos, a ver se conseguia salvar alguma coisa do naufrágio. Logo depois do almoço conversou ele por largo espaço com o pai, discutiu, fez contas, ajustou condições, dispôs as bases da negociação e, montado a cavalo, foi à fazenda do vizinho mais próximo, major Silva com quem era necessário entender-se, porque também era interessado no negócio.

Ao dizer-lhe adeus Barbosa, Lenita sentiu-se fazer em torno dela um vácuo imenso, certa muito embora de que a ausência era só até à tarde.

A idéia de outra ausência, da ausência futura, da ida para Santos torturava-a.

Como lenitivo à sua mágoa, quis ela própria fazer a mala de Barbosa, pretextando que não ficaria bom o arranjo pelas mãos descuidosas de uma escrava.

Seguiu a mucama encarregada da roupa branca, entrou pela primeira vez no quarto de Barbosa.

Ao fundo uma cama estreita de solteiro, estendida, com lençóis e fronhas muito alvas; junto da cabeceira um criado-mudo de tampo de mármore, e sobre ele um castiçal de alfenide com um coto de vela de estearina, uma fosforeira de prata e um número de Diário Mercantil; ao alcance da mão uma mesa vasta, forrada de baeta verde com alguns livros, aprestos para escrever, dois revólveres, um punhal japonês e uma fotografia de Sarah Bernhardt; aos pés da cama um mancebo para roupa, com muitos braços. Pelas paredes, nos espaços deixados por um lavatório e uma enorme cômoda, botelhas entrançadas de vime, facões, armas finas, de caça e de alvo, de carregar pela boca, de retrocarga , de repetição, mareadas por Pieper, por Habermann, por Greener, por Fruwirth. Um armário, uma cadeira preguiçosa e várias cadeiras simples completavam o trastejamento.

Entrando, Lenita sentiu-se tomada de embaraço inexplicável. Seu pudor revoltava-se, parecia-lhe que respirava indecência naquele aposento de homem.

Correu-se de pejo, corou e com voz mal segura perguntou à mucama pela roupa branca de Barbosa.

A mucama abriu uma cômoda, tirou dela e empilhou sobre a cama camisas brancas engomadas, camisas de dormir de flanela macia, ceroulas de linho alvíssimo, toalhas, lenços brancos e de bretanha, lenços de seda de cor, meias de fio de Escócia.

Foi buscar e colocou junto da cama uma grande mala inglesa de bojo elástico de fole; no couro preto, punha uma nota viva, um pedaço de papel encardido com o letreiro - Tamar, cabin. Desafivelou as correias, abriu-a em duas.

Lenita forrou um dos compartimentos com uma toalha de algodão mineiro finíssimo, crivada, franjada em abrolhos, e, com esse cuidado meticuloso, com esse jeito peculiar às mulheres moças, começou a arrumar peça sobre peça, perfumando cada uma com um borrifo de essência Vitória vaporizada.

Na candidez dos linhos destacava-se, em notas cruas, o vermelho-sangue, o azul-de-rei dos lenços de seda, o ouro-fosco, o verde-garrafa, o preto-lustroso das meias de fio de Escócia.

A mucama saiu, passou a outro quarto para trazer umas roupas de casimira que Barbosa lhe dissera querer levar.

Lenita ficou só. Foi a tirar a última camisa de sobre a cama e notou que, no retesado da coberta, havia um afundamento apenas visível sobre a travesseira rendada uma depressão mais cava. Depois de feita a cama, Barbosa com certeza nela se estendera a descansar.

Inconscientemente, automaticamente, atraída, puxada pelos nervos, Lenita pôs as mãos no colchão fofo, curvou-se, aproximou a cabeça.

Da travesseira, misturando-se a um aroma suave de água de Lubin, desprendia-se um cheiro animal bom, de corpo humano, são, asseado.

Lenita, haurindo essa emanação sutil, sentiu quer que era elétrico abalar-lhe o organismo: era um anseio vago, uma sede de sensações que a torturava. Quase em delíquio, deixou-se cair de bruços sobre a cama, afundou o rosto na travesseira, sorveu a haustos curtos, açodados, o odor viril, esfregou, rostiu os seios de encontro ao fustão áspero da colcha branca.

Sentia quase o mesmo que sentira na noite da alucinação com o gladiador, um prazer mordente, delirante, atroz, com estranhas repercussões simpáticas, mas incompleto, falho.

Trincou nos dentes a cambraia da fronha, gemendo, ganindo em contrações espasmódicas.

—Eah! gritou a mucama que entrava, sinhazinha está com ataque! e, atirando sobre a cadeira a roupa que trouxera, correu para ela, ergueu-a nos braços, sacudiu-a com força.

Lenita acalmou-se sem demora: estava pálida, trêmula, tinha os olhos muito brilhantes, a boca pegajosa, a fala travada.

—Não é nada disse, foi uma vertigem, já passou. Vá buscar um copo d'água.

—Sinhazinha, ponderou a mucama, o que lhe fez mal foi o cheiro forte do vidro que vassuncê estava pondo na roupa: a mim também me tonteou. Cuidado.

E saiu.

À tarde, Barbosa, quando voltou da fazenda do major Silva, estranhou a Lenita. Ela não o procurava, não lhe falava, mal respondia às suas numerosas e reiteradas perguntas.

Contra o costume recolheu-se cedo, antes da ceia, pretextando incomodo.

Barbosa despediu-se do pai e da mãe: não os queria ir acordar de madrugada, e contava partir antes de amanhecer.

Entrou para o quarto mas não pôde dormir. A viagem que tinha de fazer contrariava-o imenso. Não sabia como passar ausente de Lenita. As poucas horas que estivera na fazenda do major Silva tinham-lhe parecido eternidades. Viera a galope. E mais, para coroar a obra, os modos bruscos da moça.

Acabou de arrumar a mala.

—Sim, senhor, disse, a Marciana arranjou isto muito bem. Está admirável, até com gosto, com arte. Mas, onde diabo foi ela buscar essência Vitória? Cheira que é uma delícia. Fez jus a cinco mil-réis, há de tê-los.

Tirou do armário uma garrafa de conhaque, bebeu um cálice, acendeu um charuto.

Entrou a pensar.

—Que teria Lenita? Teria adoecido assim de repente? Regras, aquilo de certo eram regras: “tota mulier in utero„ bem disse Van Helmont. Mas não era que estava mesmo apaixonado pela rapariga? Tinha graça!

Puxou com força uma fumaça, e continuou a pensar!

—Era casado, era quase um velho. Onde iria parar aquilo?... Não levava a fatuidade ao ponto de crer que a rapariga estivesse apaixonada também pela sua respeitável pessoa... mas, em suma, por que não? Muitos velhos tinham inspirado paixões. A mulher de Lesseps era uma mocinha nova, quase uma criança, e casara por paixão. E demais ele, Barbosa, não era velho, era homem maduro apenas. Dado que o que havia entre ele e Lenita não fosse, como não podia mesmo ser, uma mera afeição de camaradagem, uma simples estima recíproca, que havia ele de fazer? Casar com Lenita não podia, era casado. Tomá-la por amante? Certo que não. Preconceitos íntimos não os tinha: para ele o casamento era uma instituição egoística, hipócrita, profundamente imoral, soberanamente estúpida. Todavia era uma instituição velha de milhares de anos, e nada mais perigoso do que arrostar, contrariar de chofre as velhas instituições; elas hão de cair, sim, mas com o tempo, a mesma lentidão com que se formaram, e não de chofre, como um relâmpago. A sociedade estigmatizava o amor livre, o amor fora do casamento; força era aceitar o decreto antinatural da sociedade. Demais, seu pai tivera Lopes Matoso em conta de filho; tinha a Lenita em conta de neta: um escândalo magoá-lo-ia profundamente, matá-lo-ia talvez.

Sentou-se junto à mesa, quebrou em um cinzeiro a cinza do charuto, apoiou o cotovelo do braço esquerdo sobre o joelho correspondente, encostou a cabeça no rebordo interno da mão, engolfou-se em cisma, tirando fumaça sobre fumaça.

Após largo espaço ergueu-se, atirou fora a ponta do charuto, entrou a passear nervoso de um para outro lado.

—Não, exclamou de repente, é preciso que isto acabe, há de acabar.

Deitou-se.

Às três horas ergueu-se sem ter conciliado o sono, chamou o pajem, mandou-o encilhar os animais, lavou-se, vestiu-se, calçou botas, calçou luvas, envergou o guarda-pó, pôs o chapéu, tomou às pressas uma xícara de café, que uma preta lhe trouxe, saiu, montou a cavalo e, acompanhado pelo pajem, seguiu jornada.

Lenita também não dormira.

O cheiro humano masculino que respirara na travesseira de Barbosa fora realmente um veneno para os seus nervos. Sentia-se de novo presa do mal-estar do histerismo antigo. Tinha anseios, tinha desejos, mas anseios, desejos acentuados, visando a objetiva certo. Ela ansiava por Barbosa. Ela desejava Barbosa.

A seus olhos avultara ele, tomara proporções novas, realizara-lhe o ideal. Deixara-se subjugar, dominar pelo físico robusto e nervoso, pela pujante e culta mentalidade de Barbosa.

A fêmea altiva, orgulhosa, mas cônscia da sua superioridade, encontrava o macho digno de si: a senhora se fizera escrava.

Ao ouvir o estrupido dos animais na partida, Lenita abriu a janela, ergueu a vidraça, acompanhou com o olhar os vultos dos dois cavaleiros que se iam perdendo nas brumas da madrugada.

Notou que paravam, que se voltava o cavaleiro da frente, cujo guarda-pó muito claro punha uma nota muito branca no nevoeiro matutino.

Seria por um dos mil pequenos incidentes de viagem que paravam? seria para contemplar Barbosa ainda mais uma vez, a casa em que ela ficara? seria uma despedida?

Sem o querer, inconscientemente, Lenita apinhou os dedos, levou-os à boca, atirou um beijo ao espaço.

E desatinada, ardendo em pejo, muito embora certa de que ninguém a vira, fechou a janela arrojou-se à cama desatou em pranto convulso.

Despontou o sol, trazendo dia radiante, lindíssimo.

Lenita ergueu-se, vestiu-se às pressas, saiu a dar uma volta pelo pomar, deixando intactos o copo de leite e a xícara de café que lhe levara a servente.

O ar fino da manhã puríssima, saturado das emanações balsâmicas das árvores abafava-a, sufocava-a: parecia-lhe que respirava chumbo.

A luz do sol, a dourar a verdura mole do campo, era crua e incomparável a seus olhos. Achava algo de hostil na vegetação, em tudo.

Era-lhe odiosa a imobilidade dos cerros vizinhos, das montanhas que ao longe divisava. Um terremoto, um cataclismo que desmoronasse as serranias, alteando os vales, derramando os rios, convulsionando tudo, iria muito melhor ao seu estado de espírito do que essa calma da natureza, bárbara, estúpida.

Figurava-se-lhe estar dentro de um círculo de altas muralhas de aço brunido, cujo diâmetro se fosse a cada instante estreitando. Tudo lhe falava de Barbosa, tudo lhe recordava.

Aqui era a laranjeira-cravo junto da qual o vira, como em um avatar, como em uma transfiguração, risonho, franco, comunicativo, sob o aspecto que em um momento a cativara.

Ali era um grupo de ameixeiras, que servira de assunto a uma preleção de botânica industrial. Lembrava-lhe muito bem — ameixeira da Índia, ameixeira do Canadá, nomes impróprios, origens falsas. A árvore é autóctone da China e do Japão, onde vive em estado selvagem, é a eriobotria, a Mespilus japonica. Está destinada a um grande papel no futuro, quando este país se tomar industrial. A geléia que produz não tem competidora, e a sua aguardente, coobada, levará de vencida a famosa kirchwasser.

Além era um renque de ananazeiros, a cujo respeito a exposição luminosa e fácil de Barbosa lhe tirara muitas dúvidas. Como lhe vivia na memória a descrição que ele fizera — Bromelia arianas, família das bromeliáceas; folhas em corimbos, duras, quebradiças, alfanjadas, de perto de metro, às vezes, guarnecidas de acúleos; flor vermelha ou roxa, a emergir de um cálice duro, cor de sangue, em pecíolos longos de vinte a trinta centímetros; fruto lindo, pinhiforme, verde, branquicento, dourado, vermelho, constituído por uma série de bagas em hélice, soldadas, unificadas umas com as outras, em escamas orladas de pequenas folhas escarlates, coroado tudo por um penacho espinhento. Abacaxi, nanã, macambira , onore, uaca, achupala, naná-iacua, chamava-se no continente sul-americano essa fruta adorável que, em 1514, Fernando, o Católico, declarou, na Espanha a primeira fruta do mundo. Gonzalo Hernandez, Lery, Benzoni descreveram-na em suas obras; Cristóvão Acosta deu-lhe o nome que hoje tem. Conta nada menos de oito variedades; penetrou na África até às margens do Congo, na Ásia até o coração da China: é soberbo em Pernambuco, mas onde atinge a perfeição em forma, em aroma, em gosto, onde chega a ser divino é no Pará.

Ainda além um mamoeiro...

E Lenita sacudiu a cabeça, interrompendo desesperada o seu curso de idéias; os ensinamentos de Barbosa, a sua erudição, o que ela reproduzia, mais lhe acendravam o desalento da saudade.

Não o podia crer ausente: ele lá estava, lá devia estar na sala do coronel, a arranjar um aparelho elétrico desmanchado: ou na varanda, a procurar em grossos léxicos uma raiz grega ou sânscrita. Sim, lá devia estar dentro, fazendo uma das coisas do costume. Quem sabe se precisava dela para o ajudar...

E correu. Antes de chegar ao portão parou. Tolices, Barbosa estava longe, partira, ela o vira partir.

A essa hora já tinha andado umas duas léguas, seis mil braças, treze mil e duzentos metros: cada minuto afastava-o dela cento e dez metros. No outro dia, às seis horas e dez minutos, precisamente, da tarde, deveria estar, estaria em Santos, a quarenta e cinco léguas, a trezentos quilômetros, a trezentos mil metros!

Recolheu-se abatida, mal almoçou, jantou ainda pior.

Ao entardecer, quando o sol, no descambar, derramava sobre a terra torrentes de luz amarela, suave, cor de ouro-velho, projetando ao longe, gigantescas, as sombras dos animais, das árvores, das casas, dos cerros, Lenita com o peito opresso, a arfar em fôlegos curtos, foi sentar-se em um bosquezinho denso de amoreiras, sobre um alcantil, à beira do ribeirão.

Oculta pelo tramado da folhagem, ela abrangia um vasto trato de terreno no arco de círculo percorrido pelo raio visual. Na verdura veludosa do pasto, punham notas fortes grandes vacas muito pretas, malhadas de branco.

Um touro andaluz, vermelho, mugia ao longe, escarvando a terra. Um rebanho de ovelhas fuscas de cabeças e pernas muito negras pascia irrequieto, às cabriolas, tosando a grama aqui e ali.

Quase a seus pés, sob o alcantil das amoreiras, o riacho espraiava-se em uma corredeira rasa, sobre fundo de seixinhos alvos. Um capão de mato ralo começava à beira da água, indo morrer a pequena distância.

Lenita contemplava o amplo cenário, abstrata, distraída, imersa em cisma, olhando sem ver. Um mugido fero, ao perto, chamou-a à realidade.

O touro tinha-se aproximado de uma vaca muito gorda, cuja cria, terneira alentada, pastava já longe, deslembrada quase da teta.

Chegara-se farejando ansioso, cheirava o focinho da vaca, cheirava-lhe o corpo todo: erguera cabeça aspirando ruidosamente o ar, mostrando, no arregaçar luxurioso da beiça, a gengiva superior desdentada; soltara um berro estrangulado.

Fora o que Lenita ouvira.

O touro lambeu a vulva da vaca com a língua áspera, babosa, e depois, bufando, com os olhos sanguíneos esbugalhados, pujante, temeroso na fúria do erotismo, levantou as patas dianteiras, deixou-se cair sobre a vaca, cobriu-a, pendendo a cabeça à esquerda, achatando o perigalho de encontro ao seu espinhaço.

A vaca abriu um pouco as pernas traseiras, corcovou-se, engelhou a pele das ilhargas para receber a fecundação. Consumou-se esta em uma estocada rubra, certeira, rápida.

Era a primeira vez que Lenita via, realizado por animais de grande talhe, o ato fisiológico por meio do qual a natureza viva se reproduz.

Espírito culto, em vez de julgá-lo imoral e sujo, como se praz a sociedade hipócrita em representá-lo, ela achou-o grandioso e nobre em sua adorável simplicidade.

Um assobiar requebrado e terno que se fazia ouvir no riacho fê-la voltar para esse lado. Olhou, viu a Rufina, uma crioula nova de seios pulados e duros, de dentes muito brancos.

Chapinhava na água rasa da corredeira, de cabeça alta, risonha, erguendo as fraldas muito alto; descobrindo-se até o púbis, mostrando as coxas grossas, musculosas de um negro mate arroxado.

A assobiar sempre, avançou até o começo da corredeira, onde o álveo se afundava um tanto, sofraldou-se mais, prendeu a roupa à cinta, curvou-se, imergiu as nádegas na água murmurosa, e, às mãos ambas, procedeu a uma ablução de asseio, tônica ao mesmo tempo e excitante.

Depois, com água a escorrer em filetes lustrosos pela pele escura, baça, internou-se no capão.

Ouvia-se-lhe sempre o assobio requebrado.

Não levou muito e outro assobio respondeu-lhe.

Por uma trilha do ancantil oposto um preto, moço, vigoroso, desceu a correr, atravessou rápido a corredeira, internou-se por sua vez no capão.

Cessaram os assobios.

Lenita ouviu um murmurar confuso de vozes intercortadas, viu agitarem-se uns ramos e, pelos interstícios dos troncos, por entre o emaranhado dos galhos, lobrigou indistintamente uma como luta breve, seguida pelo tombar desamparado, pelo som baço de dois corpos a bater a um tempo no solo arenoso do matagal.

Lenita mais compreendeu do que viu. Era a reprodução do que se tinha passado, havia momentos, mas em escala mais elevada: à cópula, instintiva, brutal, feroz, instantânea dos ruminantes, seguia-se o coito humano meditado, lascivo, meigo, vagaroso.

Abalada profundamente em seu organismo, com a irritação dos nervos aumentada por essas cenas cruas da natureza, torturada pela Carne, mordida de um desejo louco de sensações completas, que não conhecia, mas que adivinhava, Lenita recolheu-se titubeando, fraquíssima.

O coronel tinha passado a noite mal, com um acesso de reumatismo; conservara-se todo o dia na cama.

Lenita foi vê-lo, demorou-se pouco, retirou-se para o seu quarto, fechou-se por dentro.