A Casa Branca Nau Preta
Aspeto
- Estou reclinado na poltrona, é tarde, o Verão apagou-se...
- Nem sonho, nem cismo, um torpor alastra em meu cérebro...
- Não existe manhã para o meu torpor nesta hora...
- Ontem foi um mau sonho que alguém teve por mim...
- Há uma interrupção lateral na minha consciência...
- Continuam encostadas as portas da janela desta tarde
- Apesar de as janelas estarem abertas de par em par...
- Sigo sem atenção as minhas sensações sem nexo,
- E a personalidade que tenho está entre o corpo e a alma...
- Quem dera que houvesse
- Um terceiro estado pra alma, se ela tiver só dois...
- Um quarto estado pra alma, se são três os que ela tem...
- A impossibilidade de tudo quanto eu nem chego a sonhar
- Dói-me por detrás das costas da minha consciência de sentir...
- As naus seguiram,
- Seguiram viagem não sei em que dia escondido,
- E a rota que devem seguir estava escrita nos ritmos,
- Os ritmos perdidos das canções mortas do marinheiro de sonho...
- Árvores paradas da quinta, vistas através da janela,
- Árvores estranhas a mim a um ponto inconcebível à consciência de as estar vendo,
- Árvores iguais todas a não serem mais que eu vê-las,
- Não poder eu fazer qualquer coisa gênero haver árvores que deixasse de doer,
- Não poder eu coexistir para o lado de lá com estar-vos vendo do lado de cá.
- E poder levantar-me desta poltrona deixando os sonhos no chão...
- Que sonhos? ... Eu não sei se sonhei ... Que naus partiram, para onde?
- Tive essa impressão sem nexo porque no quadro fronteira
- Naus partem — naus não, barcos, mas as naus estão em mim,
- E é sempre melhor o impreciso que embala do que o certo que basta,
- Porque o que basta acaba onde basta, e onde acaba não basta,
- E nada que se pareça com isto devia ser o sentido da vida...
- Quem pôs as formas das árvores dentro da existência das árvores?
- Quem deu frondoso a arvoredos, e me deixou por verdecer?
- Onde tenho o meu pensamento que me dói estar sem ele,
- Sentir sem auxílio de poder para quando quiser, e o mar alto
- E a última viagem, sempre para lá, das naus a subir...
- Não há, substância de pensamento na matéria de alma com que penso ...
- Há só janelas abertas de par em par encostadas por causa do calor que já não faz,
- E o quintal cheio de luz sem luz agora ainda-agora, e eu.
- Na vidraça aberta, fronteira ao ângulo com que o meu olhar a colhe
- A casa branca distante onde mora... Fecho o olhar...
- E os meus olhos fitos na casa branca sem a ver
- São outros olhos vendo sem estar fitos nela a nau que se afasta.
- E eu, parado, mole, adormecido,
- Tenho o mar embalando-me e sofro...
- Aos próprios palácios distantes a nau que penso não leva.
- As escadas dando sobre o mar inatingível ela não alberga.
- Aos jardins maravilhosos nas ilhas inexplícitas não deixa.
- Tudo perde o sentido com que o abrigo em meu pórtico
- E o mar entra por os meus olhos o pórtico cessando.
- Caia a noite, não caia a noite, que importa a candeia
- Por acender nas casas que não vejo na encosta e eu lá?
- Úmida sombra nos sons do tanque noturna sem lua, as rãs rangem,
- Coaxar tarde no vale, porque tudo é vale onde o som dói.
- Milagre do aparecimento da Senhora das Angústias aos loucos,
- Maravilha do enegrecimento do punhal tirado para os atos,
- Os olhos fechados, a cabeça pendida contra a coluna certa,
- E o mundo para além dos vitrais paisagem sem ruínas...
- A casa branca nau preta...
- Felicidade na Austrália...