A Esperança Vol. I/Maria Isabel/XI

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XI

Meia declaração

Maximino ficou callado junto da donzella, que, parecendo ainda pouco senhora das suas acções, esfregava a testa e exalava suspiros. O mancebo olhava-a com amor e compaixão. Ella voltou a cabeça como para se certificar de que ell estava alli. Cobriram-se-lhe as faces de rubor, e balbuciou algumas palavras de agradecimento.

― Pesa-lhe a minha presença, disse elle, pesaroso. Não me queixo: sei que devo ser-lhe odioso.

― Odioso, porque? Acaba de me dar socorros, apesar do mal que a minha familia fez á sua...

O mancebo sentiu-se lisonjeado. Tinha sido reconhecido.

Ficaram ambos em silencio. Se Francisco visse n'este momento Maximino, chamar-lhe-ia cobarde. Este queria fallar, e não ousava. Lembrou-se que o marinheiro e sua mãi, não tardariam, e disse então:

― Essa boa gente, que tem a felicidade de poder ser sua protectora, não deve tardar, e eu serei obrigado a sahir. Peço-lhe licença de vir todos os dias saber da sua saude. Demorar-me-hei pouco, se a minha presença a incommodar.

― Não, snr. Maximino, não venha ver-me. A minha posição é tão critica... Pelo amor de sua irmã, de que me fallou seu pae, deixe-me aqui viver, ou morrer só. Peça a Deus que me chame em breve para o lado de minha mãe.

― Quer morrer tão joven! Faça por ter coragem... Não perca o animo. Nas grandes adversidades se conhecem as grandes almas.

― Tinha animo para tudo, se a minha mãe vivesse... mas perdel-a... ver-me só no mundo!..

― Mas tem corações que a amam! ― exclamou com força o mancebo; porém, retendo-se, acrescentou, suspirando:

― Francisco e sua mãe, amam v. exc.a, e podem ostentar sua dedicação.

― São excellentes corações... Devo-lhes muito.

― Mas não podem fazer-lhe companha. Permitta-me que eu venha... ao menos de longe a longe...

E elle lhe tomou uma das mãos, que apertou entre as suas, pelo costume de ha pouco. Ella, porém, estava reanimada; córou ligeiramente, retirou a mão com brandura, e replicou:

― Não póde ser... Peço-lhe que me não torne a procurar. Sou grata á compaixão que lhe causam meus infortunios; mas não está na mão de v. s.a minoral-os.

― Mas eu sentiria tanta consolação em vel-a...

― Não devemos ter relações. Se tem a bondade de interessar-se por mim, deixe-me, snr. Maximino, e não torne a procurar-me.

O moço conhecia tanto a rasão com que fallava a donzella, que não insistiu mais. Pegou-lhe outra vez na mão, levou-a aos labios e precipitou-se fóra do quarto. Tinha já a certesa de que amava, e amava sem esperança.

Francisco chegou antes de sua mãe. Maria Isabel já estava com o seu trabalho.

― O snr. Maximino?! ― perguntou assombrado o marinheiro.

― Foi-se embora.

― Já?!..

― Pedi-lhe que me deixasse. Sentia-me já boa.

― Mas elle não devia sahir tão depressa... Ama tanto a snr.a D. Mariquinhas... não lh'o disse?

― Não, snr. Francisco... nem devia fazel'o. O seu amor, nas minhas circumstancias, seria uma desgraça; se me fallasse n'elle far-me-ia uma offensa. Espero que essa desgraça não exista, assim como não teve logar a outra offensa.

O moço marinheiro ficou a olhal-a boquiaberto.

A chegada de Carolina impediu-o de continuar com o mesmo assumpto. Receiava despertar o humor desconfiado de sua mãe, contraria aos amores dos jovens. «Não se devia querer bem, dizia ella, senão depois de ter ido á igreja dar o sim.»