A Esperança Vol. I/O regresso d'um soldado á patria

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O REGRESSO D'UM SOLDADO Á PATRIA
 

 

Torno a ver-te, minha patria,
O meu solo tão querido!
Lá n'essas longiquas plagas,
Nunca de ti me hei 'squecido!

Aqui no verdor dos annos
Deixei paes, irmãos, amante,
Deixei Julia!.. Ah! quem sabe.
Se me trahiu, se é constante!..

N'esse adeus da despedida,
Quantos suspiros lhe ouvi!
E d'amor ó quantas juras!...
Quantas lagrimas lhe vi!...

O retrato que me deu,
Trouxe-o sempre unido ao seio!
Deu-me uma rosa, um annel
Que tudo comigo veio.

Desde que, deixei a patria,
Um lustro decorreu já,
Sem que, d'aquella que eu amo,
Noticias tivesse lá!..

Entre riscos mil da guerra
Combatia denodado;
A minha estrella era Julia,
Só por ella ia guiado!

Esta banda, estas medalhas
Ganhei contente, e queria
A seu pae tão orgulhoso
Mostral-as com ufania;

E dizer-lhe esse Demetrio.
Não é d'outr'ora o soldado;
É capitão aguerrido;
Vezes tres condecorado.

É noute, vae alta a lua,
Vou seguir à minha aldeia;
Mas, ah! que pressentimento!..
Minha alma triste receia!

Meus paes, talvez já não vivam!
Julia, talvez fementida....
Quem sabe!.. Entre os braços d'outro...
Ó minha esperança !.. E's perdida!..

Eis desponta a rosea aurora
Com seu facho luminoso;
Dorme inda o gado, os pastores,
Tudo jáz silencioso.

Já vejo da igreja a torre,
Os sinos ouço tocar;
Talvez à missa primeira;
Vou ouvil-a e a Deus orar.

Está deserto o templo ainda,
Só vem uma dama entrando,
Negro véu a envolve toda,
Não é feliz, 'stá chorando.

Atravez do manto escuro
Vê-se a tez alva, mimosa
E balbucia baixinho
«Ó quanto sou desditosa!..

«Ao vosso templo sagrado
«Hei-de vir hoje meu Deus
«Para que a um pae obedeça,
«Renegar affectos meus!..

«Consentir n'esse consórcio
«Tendo a outro amor jurado!..
«A'quelle que jamais pôde
«N'ausencia ser olvidado!

«E que posso eu offertar-lhe
«Se dei alma e coração
«Ao companheiro da infancia,
«Ao meu gentil mocetão!

«Não tem brazões; era pobre;
Rico em brios, pundenor;

«Jurei amal-o até morte,
«Fui o meu primeiro amor!..

Oh! Quanto me era gostoso,
Antes d'este enlace, a morte!...
Ah! Demetrio! Volve á patria,
Vem só tu ser meu consorte

E o bravo capitão, seu nome ouvinde,
Corre junto á donzella ajoelhando,
Conhece a fiel Julia, a sua amante
E cuida quanto vê estar sonhando.

Busquemos de meus paes o domicilio,
E fujamos, lhe diz, ò minha amada!
Ai! Mancebo infeliz! Clama Julia,
«Jazem ambos dos mortos na morada!..

Então amargo pranto se deslisa
Pelas crestadas faces do guerreiro;
— Ah! segue-me querida, ou será este
«Da minha vida o dia derradeiro!..

E na capella o toque de finados,
Lugubre s'escutou e compassado;
De repente expirára aquella noute,
D'amante d'esse bravo o desposado.

Esta nova ventura inesperada,
Teme Julia, não seja verdadeira;
Mas vê na egreja entrar éça pomposa
E espera a sua sorte mais fagueira;

Mas qual foi o seu 'spanto quando triste,
Pallido vê seu pae no templo entrar
E dizer-lhe depois — «ô filha cara.
Não succumbas á dôr, é resignar!..

«Não chores a ventura que sorrindo,
«Lisongeiro porvir veio mostrar-te;
«Pois que esse noivo illustre, millionario,
«Quiz a morte cruel d'elle privar-te!..

— «Enganaes-vos senhor; hoje não veio.
«Do noivo separar-me a dura morte;
«Mas antes foi o día afortunado.
«Que o ceu a mim guiou o meu consorte!

Vede-o: eil-o alli curvado ante o Eterno!
«O soldado d'outr'ora ennobrecido
«No campo da batalha, onde seu braço,
«Entre guerreiros mil se ha destinguido!

«Que importa que não tenha do finado,
«Thesouros que a ambição amontuou?
«Olhae aquella espada que brandindo-a,
«As medalhas do peito lhe ganhou!

«O' que pae, não dará da filha a dextra
«A um guerreiro tal com ufania!
E por est'arte ouvindo-a o ancião
Vae unil-a ao amante n'esse dia.

MARIA ADELAIDE FERNANDES PRATA.