A Joia/III
A mesma decoração
Cena I
[editar]João de Sousa, Joaquim Carvalho
(Este sentado na poltrona, aquele de pé.)
Sousa - Agora, caro compadre,
que boas novas te dei
dos pequenos, da comadre,
que de saúde deixei,
explica a tua presença
aqui
Carvalho - É bem natural.
Sousa - Se me concedes licença,
direi que começa mal:
meter aqui o bedelho
homem casado não vem!
E além de casado, velho!
De natural nada tem...
Carvalho - E você? como é que explica
sua presença? Ande lá!...
Sousa - A minha só significa
que sou bom pai: aqui está!
Na casa em que estou agora
não era capaz de entrar,
me pagassem muito embora!
Carvalho (À parte.) - E eu entro para pagar...
Sousa - Fui obrigado a fazê-lo...
Hei de contar-te depois.
Mas, tu, compadre! Um modelo!
Carvalho - Ouve, e fique entre nós dois...
Porém, agora reparo
que não te queres sentar!
Sousa - Eu tenho um caráter raro,
tenho uma alma singular!
Sentar-me nestas cadeiras!
Livre-me Nosso Senhor! (Escarra e cospe.)
Cuspir nas escarradeiras
farei... por muito favor.
Da morte embora nas ânsias,
sentar-me... Oh! Não sou capaz!
Eu não venço as repugnâncias
que esta miséria me faz!
Este luxo deslumbrante
é vil, é mais do que vil:
produto negro, infamante,
do falso amor mercantil!
Não sei que nome lhe quadre,
não sei seu nome qual é...
(Outro tom.)Você desculpe, compadre,
mas hei de ouvi-lo de pé.
Carvalho - És rigoroso, contudo...
Sousa - Eu penso assim...
Carvalho - Pensas bem. (Erguendo-se.)
E para dizer-te tudo,
eu me levanto também.
(Depois de alguma pausa.)
Como sabes, compadre, vim à corte
vender uma partida de café;
era gênero de primeira sorte;
nos comissários não fazia fé.
Fiz bom negócio. Efetuada a venda,
as malas a arrumar me decidi.
Os deveres chamavam-me à fazenda...
Infelizmente Valentina vi...
Encontrei-a no Prado Fluminense;
ela, a sorrir, mandou-me o seu cartão...
Um pecador que se já não pertence
tornei-me desde aquela ocasião.
Vivemos sós. Aqui ninguém mais entra.
Neste retiro sinto-me feliz.
E a minha f’licidade se concentra
no que ela pensa, ordena e diz!
Forçoso é dar um paradeiro a isto!
Lá na fazenda espera-me o dever!
É grande a sedução, mas eu resisto:
e posso me ausentar quando entender!
Com parcimônia me regrado tenho;
só um conto gastei; nem mais um vintém.
Só hoje é que quatro gastar venho
co’estes brilhantes que lhe dei.
Sousa (Pega na jóia; depois de examiná-la com indiferença.)
- Pois bem.
(Deixa a jóia onde estava. Pausa.)
Compadre, vou expor-te:
apareceu lá na roça,
em minha casa... na nossa...
um rapaz aqui da corte.
Foi há seis dias... e meio.
Como pelo meu cunhado
me fora recomendado,
em minha casa hospedei-o.
- Era muito divertido;
conversa muito bem;
finalmente, que haja alguém
mais simpático duvido.
Descobri (sabes, meu rico,
que não há quem me embarrele)
que entre minha filha e ele
havia seu namorico.
Tu sabes: eu sou pão-pão.
queijo-queijo; sabes?
Carvalho - Sei.
Sousa - Por isso lhe perguntei
qual era sua intenção.
Era casar. Ela quer...
Eu não sou dos mais incautos,
pois não estive pelos autos...
e disse à tua mulher:
“Vamos ver se ele a merece.
Não é seguir boa trilha
entregar um pai a filha
a um homem que não conhece.”
- Portanto, a missão que trago
é indagar; tu bem compreendes
que, se a filha me pretendes
e eu não te conheço, indago.
Carvalho - Ele é só?
Sousa - Tem uma irmã
viúva e muito bonita,
que nesta cidade habita.
Carvalho - Tu viste-a?
Sousa - Certa manhã
vi-lhe o retrato: é bonita
Ele ficou de voltar
para saber da resposta;
minha filha está disposta
a se esquecer, ou casar.
Minha medida acertada
não achas?
Carvalho - Acho.
Sousa (Inflamando-se.) - Pois bem;
sabes, compadre, com quem
casava a tua afilhada,
se eu não fizesse este exame?
Carvalho (Intrigado.) - Com quem?
Sousa (indignado.) - Com um homem nojento,
um tipo asqueroso, odiento,
maroto, velhaco, infame!
Carvalho (Benzendo-se.) - Valha-me Nossa Senhora!
Sousa - Esse covarde, esse réu
de polícia, é chichisbéu
da sujeita que aqui mora!...
Carvalho - De Valentina?! Não!... Qual!...
Enganaram-te compadre...
Pintaram contigo o padre...
Aqui não entra um mortal!
Sousa - Não entra! Digo-te mais:
esse miserável homem.
qual outros que á custa comem
destas harpias sensuais,
pelas famílias malditas,
é quem às compra lhe vai,
quem com ela às vezes sai...
É quem lhe traz as visitas!...
Carvalho - E tu, por mais que me digas,
compadre, estás enganado.
Sousa - ‘Stou muito bem informado:
é seu chichisbéu!
Carvalho - Cantigas!
Sousa - Tens uma venda nos olhos,
pois deixa que hei de arrancar-ta
enquanto é tempo, te aparte
destes ásperos abrolhos.
Não seja o tipo eterno
do ridículo matuto,
o lorpa, o simples, o bruto,
sem juízo, sem governo!
a quem já nem mesmo importa
mulher ou filha, se topa
um desses demos que a Europa
todo os dias exporta!
- Como vês, compadre, aqui,
a este lupanar lascivo,
me trouxe melhor motivo
que o mau que te trouxe a ti.
Meu espírito recua
em frente desta desonra:
mas venho salvar a honra...
e tu vens perder a tua...
- Que mal vos fazem, serpentes -
víboras vis, - não direi
homens assim (Aponta para Carvalho.) que bem sei
vos procuram imprudentes;
porém a esposa, que vive
da confiança do esposo,
e perde da alma o repouso
ao mais ligeiro declive
da sua felicidade?!
É o filho, cujo futuro
‘stá no respeito seguro
do pai pela sociedade?...
- Tua mulher nunca teve
brilhantes. Nunca lhos deste,
e contudo os dá a peste
que na corte te reteve,
enquanto lá na fazenda
o obrigação te esperava
e ao deus-dará tudo andava!...
- Que o que digo não te ofenda;
mas o teu procedimento,
compadre, não tem desculpa!
Não lava tão grande culpa
sincero arrependimento!
- Vamos! nem mais estejamos
em casa desta mulher!
Amanhã, se Deus quiser,
o trem de ferro tomamos. (Pegando na jóia.)
A jóia! ninguém a pilha!...
Sou eu que a quero guardar. (Abrindo a caixa.)
Olha, isto fica a matar
na orelha de tua filha...
(Guarda a jóia na algibeira.)
Como hás de ficar contente
- parece-me estar a ver -
quando Laura agradecer
um tão bonito presente.
Ouve os meus conselhos sábios:
de Laura os beijos na testa,
certo valem mais que o que esta
mendiga te dá nos lábios.
Vamos! Anda! (Dá-lhe o chapéu e o sobretudo.)
Carvalho (Vestindo o sobretudo e pondo o chapéu.)
- Não discuto
sobre a verdade dos fatos,
que não sei se são exatos,
nem mentirosos reputo.
Vamos embora, mas quero
que, antes de irmos, te convenças
desses boatos que ofensas
me parecem.
Sousa - Pois espero
Nós aqui, com alguma arte,
tudo havemos de descobrir;
tomara que eu possa rir
de maneira que me farte. (Dispondo-se a sair.)
Espera-me alguns instantes,
Em casa desta jibóia
não há de ficar a jóia.
Confia-me os teus brilhantes. (Sai)
Cena II
[editar]Carvalho, só
[Carvalho] - Zombaram do compadre! Aquele coração
não pode alimentar tamanha perversão!
Valentina é um anjo: as lágrimas que chora
não se podem fingir. Não digo que me adora,
mas ama-me, decerto. Um anjo, que me diz:
“Se tu não fosses rico, eu era mais feliz!”
Eu não lhe pago o amor; apenas eu lhe pago
as cadeiras, o leito, o canapé que estrago
e os quadro que desfruto. O mal, o grande mal
foi vê-la e gostar dela. É muito natural
que um velho feio, achando uma mulher que o ame
que, sem saber se é rico, o seu amor reclame,
sinta que lhe desperta o morto coração. (Pausa.)
Mas o compadre... Não! Não é possível! não!
O compadre... Ora adeus! Até causou-me tédio!
Vamos, Joaquim Carvalho: o que não tem remédio
remediado está. É preciso sair!
Mas não como ele quer; sair e não fugir!
A ingratidão não está na minha natureza.
As bichas hão de ser a última despesa...
Cena III
[editar]Carvalho, Gustavo
Gustavo (Entrando sem cerimônia, sem reparar em Carvalho, pela esquerda, segundo plano.)
- Valentina
(Vê Carvalho e tira o chapéu atrapalhado.)
- Perdão... perdão...
Carvalho - Quem é?
Gustavo - Senhor,
eu vinha procurar... o doutor... o doutor...
Carvalho - O senhor, ao entrar, exclamou: - Valentina!
Pois é quem mora aqui. Que quer dessa menina?
Gustavo - Não! Vossa Senhoria enganou-se...
Carvalho - Ora qual!
Ouvi distintamente o seu nome.
Gustavo - Ouviu mal.
Carvalho - Pior é essa! Ouvi - Valentina!
Gustavo - Eu procuro
o doutor... Perdigão...
Carvalho - Ai, mau!
Gustavo (À parte.) - Não acho furo!
(Alto.) Julguei que aqui morasse o Doutor Perdigão:
É Vossa Senhoria?
Carvalho - Ai, mau!
Gustavo (À parte.) - Que entalação!
Carvalho - Antes de entrar aqui, devia bater palmas!
Nesta população de quinhentas mil almas
só o senhor assim procede!
Gustavo - Mas, senhor,
eu vinha procurar o doutor...
Carvalho - Que doutor!
A senhora que aqui reside não é dessas...
Vá lá! Não continue! Sai-lhe o trunfo às avessas!
Gustavo - Pois bem, adeus; perdoe um desalmado!
Carvalho - Bem!
(Enquanto Gustavo sai por onde entrou.)
Aqui não se costuma a desmentir ninguém.
Cena IV
[editar]Carvalho, só
[Carvalho] - Que grandíssimo idiota!
Talvez que também suponha...
É muito pouca vergonha...
(Depois de dar alguns passos pela sala, para, como ferido por uma idéia súbita.)
Esperem! Este janota
será o tal chichisbéu
de quem falou inda há pouco
o meu compadre?.. Estou louco!
Não pode ser. Deus do céu!
Porém verdade, verdade,
não deve entrar um estranho
assim com tanto arreganho,
com tamanha liberdade
em casa e uma pessoa
que não conhece! Ele entrou,
e “Valentina” gritou!
Havia de entrar à toa
sem que por ela estivesse
autorizado? Não vê!
Ah! compadre, que você,
se não tem razão, parece...
(Fica pensativo. Senta-se no sofá.)
Cena V
[editar]Carvalho, Sousa
Sousa (Entrando pela esquerda. segundo plano, e indo a Carvalho.)
- Donde estão os teus brilhantes
nem mil mulheres os tiram!
(À parte.) Do bolso meu não saíram;
é bom que os julgues distantes
pelas dúvidas... (Alto.) Então?
Que tens, que estás pensativo?...
dessa tristeza o motivo
ou motivos quais são?
Dar-se-á caso que o remorso
dos teus negros pecadilhos
contra a esposa e contra os filhos
se te escarranchasse ao dorso?
Serão saudades pungentes
daqueles que tanto adoras?
Como eles choram, já choras?
O que eles sentem já sentes?
Ou simplesmente suspeitas
são de que verdade era
quanto disse da megera
por quem a perder te deitas?
Carvalho (Erguendo a cabeça.) - Não é nada.
Sousa - Dentro em pouco
sucede à melancolia,
que o teu semblante anuvia
um contentamento louco!
(Aproximando-se de uma das janelas e entreabrindo a cortina com a bengala.)
A recrudescer começa
o movimento das ruas.(Consultando o relógio.)
Já passa um quarto das duas. (Olhando para a rua.)
Compadre, vem cá depressa!
Carvalho (Erguendo-se e aproximando-se de Sousa.)
- O que é?
Sousa (Apontando para a rua.) - Vês ali parado
aquele sujeito... Aquele...?
Pois é o chichisbéu!
Carvalho (Como reconhecendo.) - É ele!...
Sousa - Vais ver se estou enganado,
ou se é certo o que te disse!
Há de ficar cuma cara...
Carvalho (Olhando para a rua.) - Lá vem Valentina; para;
conversa com ele; ri-se!
Parece que ele lhe conta
a aventura de inda há pouco...
Sousa - Que aventura?...
Carvalho - Que descoco!
Para este lado ele aponta.
Sousa (Que tem observado;) - Espera! Se não me engano
é a senhora do retrato!
Carvalho - Quem? Aquela? (Aponta.)
Sousa - Exato! Exato!
Carvalho - Que é Valentina te digo!
Sousa - Valentina! Valentina!
Ela chama-se Joaquina
e é mana do tal amigo.
(Tirando Carvalho pelo braço.)
Depressa! Esconde-te cá
Por detrás desta cortina,
se é Joaquina ou Valentina,
verás!
(Faz com que Carvalho se coloque atrás da cortina da outra janela. Olhando para a rua.)
- Eles aí vem já! (Indo para a outra janela.)
Eu aqui também me escondo.
Não faças rumor!
Carvalho (Escondido.) - Descansa.
Sousa - Deixa, que a nossa vingança
há de aqui fazer estrondo!
Carvalho (Pondo a cabeça para fora.)
- Mas que queres tu que eu faça?
Sousa - Se ver tudo não puderes,
ao menos ouve!
Carvalho - Ah! mulheres!...
Sousa (Abrindo a cortina com repugnância.)
Pegar nisto! Que desgraça!
Carvalho - É preciso ser malvada,
para que esta moça me iluda:
tantas provas dei...
Sousa - Caluda!
que sinto passo na escada.
(Desaparecem ambos.)
Cena VI
[editar]Carvalho, Sousa, escondidos, Valentina, depois Gustavo
Valentina (Entra pela esquerda, segundo plano, e começa a procurar Carvalho.)
- Carvalho! Joaquim Carvalho!
Quincas! Quincas! Carvalhinho!
(Entra, procurando sempre, na direita, primeiro plano.)
Carvalho (A meia voz, pondo a cabeça para fora.)
- Que diz a isto, ó vizinho?
Sousa (No mesmo.) - É preciso tempo; dá-lho. (Escondem-se.)
Valentina (Volta e convencida que está só, vai à porta da esquerda, segundo plano, e diz para fora.)
- Podes vir, que foi-se embora. (Vem sentar-se.)
Fecha a porta à chave. (Gustavo entra.)
Carvalho (À parte.) - É ele.
Gustavo - Então foi-se embora aquele
‘stúpido?
Carvalho (Na janela, à parte.) - Hein?
Valentina - Foi-se.
Gustavo - Inda agora
estava ele aqui.
Valentina - Já sei...
já me disseste... Mas vamos...
Gustavo - Lá vou.
Valentina - Tempo não percamos.
Gustavo (Sentando-se em uma cadeira.)
- Numa vila em que eu andei,
hospedou-me um fazendeiro
que se chama João de Sousa;
tipo que deve ter coisa
de cem contos em dinheiro.
Tem uma filha bem boa;
tivemos logo um derriço
pequeno...
Valentina - Não passou disso?
Gustavo -Nada! Há coisa que mais doa
que uma carga de pau?
- O pai, que não é simplório,
deu-me a entender que o casório
não tinha nada de mau.
Não refleti um momento...
Sousa (À parte.) - Mas eu é que refleti.
Gustavo - Sem mais nem menos, lhe pedi
a pequena em casamento...
Valentina - Mas isso não vem ao caso...
Gustavo - Do resto vou por-te ao fato:
eu levava o teu retrato
comigo, por mero acaso.
O velhote estava um dia
a meu lado, e viu nas malas...
(Eu estava a desarrumá-las..)
... a tua fotografia.
Quis saber logo quem era!
Imagina o que lhe disse
- fora de certo tolice
falar verdade.
Valentina - Pudera!
Na tua situação!
Gustavo - Que eras minha irmão viúva...
Valentina - Tira o cavalo da chuva!
Pois lhe disseste isso?...
Sousa (À parte.) - Cão!
Gustavo - O velho achou-te uma flor!
Muitos elogios fez-te!
Enfim, nunca tiveste
mais sincero admirador!
Valentina - Finalmente... o que concluis?
Gustavo - Que concluo? Ora essa é boa?
Que do velho na pessoa
raro tesouro possuis!
Armamo-lhe um forte logro!
Ele supõe que és honesta:
casa-se contigo.
Carvalho (À parte.) - E esta?...
Gustavo - Por esse tempo é meu sogro.
Liquidamos o que houver (Ação de furtar.)
e fugimos para a América!
- Que tal esta idéia?
Valentina - Homérica!
Gustavo - É um país. como se quer,
a América! De lá passamos
à Itália, à França, à Alemanha,
à Suíça, à Áustria, à Espanha!
Todo mundo visitamos!
quando voltarmos, ninguém
de nós se lembra, descansa...
Valentina - Só de ser rica a lembrança,
não sei por quê, faz-me bem.
Carvalho (À parte.) - Custa-me a crer!
Gustavo - Mas que dizes?
Se tomas conta do pai
e a filha nas mãos me cai,
seremos muito felizes!
Eu, que desveladamente
faço a tua f’licidade,
batendo toda a cidade,
buscando quem te freqüente,
venho trazer-te a ventura,
a independência talvez!
Valentina - Mas trata-se desta vez
de uma arriscada aventura!
Gustavo - Que tem que seja arriscada?
Somos alguns trapalhões?
Já pensei nas precauções
que exige a empresa arrojada.
Minha irmã viúva morreu:
podes bem passar por ela,
e o marido que foi dela
passa por marido teu.
Mudas de nome, isso sim!
Em lugar de Valentina,
tu ficas sendo Joaquina.
Ela chamava-se assim.
(Batem à porta da esquerda, segundo plano.)
Valentina - Quem bate? (A Gustavo.) Vai para a sala
de jantar. Já lá vou ter.
(Gustavo saí pela direita, segundo plano. Valentina abre a porta. Entra O Joalheiro.)
Ah! é o senhor!
Cena VII
[editar]Carvalho, Sousa, escondidos, Valentina, O Joalheiro
O Joalheiro - Vim trazer
o seu recibo. Esperá-la
não pude, que o fazendeiro
estava aqui.
Valentina - Bem, dê cá.
(O Joalheiro dá-lhe o recibo, que ela lê.)
O Joalheiro - ‘Stá tudo conforme?
Valentina - Está!
(Tirando um maço de notas da bolsa e dando-lhas.)
Aqui tem o seu dinheiro.
O Joalheiro (Depois de contar as notas.)
- Dois contos. Está exato. (Guardando-as.)
Muito obrigado. - A menina
fez um negócio da china!
Por um preço tão barato
nunca brilhantes daqueles
ninguém possuiu!
Valentina - Lamento
que aquele tolo e avarento
não pagasse tudo.
O Joalheiro - E eles.
Os brilhantes? Já lhos deu.
o fazendeiro?
Valentina -Inda não;
mas não tarda aí.
Sousa (À parte.) - Ladrão!
O Joalheiro - Pois aproveite-o.
Carvalho (À parte.) - Judeu!
O Joalheiro (Apertando-lhe a mão como para retirar-se.)
- Se os brilhantes quer vender...
Valentina - Por quanto?
O Joalheiro - Por cinco contos...
Valentina (Pensando.) - Ganho três
O Joalheiro (Deixando de apertar-lhe a mão e batendo no bolso.)
- Já cá estão prontos;
se quiser, é só dizer...
Valentina (Pensando.) - Não é má idéia, não..
(Resoluta.) Vou consultar com Gustavo...
Espere um pouco...
(Sai pela direita, segundo plano.)
Cena VIII
[editar]Sousa, O Joalheiro, Carvalho
O Joalheiro (Que se julga só.) - Bravo!
Um conto de pé pra mão!
Sousa (Saindo do seu esconderijo e tomando o braço dO Joalheiro.)
- Passe já para cá os cinco contos. Já!
Não pense! Não reflita! A jóia, ei-la aqui está !
(Tira a jóia da algibeira e arremessa-a aos pés dO Joalheiro.)
O Joalheiro (Atônito, apanhando a jóia.- Mas, senhor...
Carvalho (Da cortina.) - Não recuse! Em flagrante delito
por crime preso está de estelionato!
(Puxando um apito, a Sousa.) Apito?
Sousa - Não apites! não! - Já cinco contos de réis!
E dê-se por feliz que eu não lhe peça os seis!
O Joalheiro (A Carvalho.)
- Mas Vossa Senhoria há de passar recibo!
(Dá o dinheiro a Sousa.)
Carvalho Eu dou-lhe o seu, cá está! (Dá-lho.)
Sousa (Tendo verificado o dinheiro.)
- E saiba que o proíbo de estar
mais tempo aqui! Já! Rua!
(O Joalheiro sai pela esquerda, segundo plano.)
Carvalho - Muito bem!
Sousa - Esconda-se, compadre: os ladrões aí vem.
Cena IX
[editar]Carvalho, Sousa, escondidos, Valentina, Gustavo
Valentina (Entrando pela direita, segundo plano, acompanhada por Gustavo.)
- Já cá não está,
Gustavo - Foi-se embora?
Valentina - Arrependeu-se talvez...
Gustavo - Pois olha: mesmo por três
é negócio.
Sousa - Nós agora!
(Salta do esconderijo e agarra Gustavo pelo pulso.)
Ai, grandíssimo cachorro!
Carvalho (O mesmo com Valentina.)
- Canalha! corja! canalha!
Sousa (Agitando a bengala.)
- Vais ver como isto trabalha!
Carvalho - Pede já perdão!
Valentina (Caindo de joelhos.) - Socorro!...
Carvalho (Cruzando os braços.)
- Pois lucrei com a minha vinda
aqui!
Sousa - Com que tua irmã
é uma torpe barregã,
e tu és mais torpe ainda!
Apanha! (Dá-lhe com a bengala.)
Gustavo (Esquivando-se) - Senhor!
Sousa (Perseguindo-o e dando-lhe.) - Apanha!
Toma! Toma!
Gustavo (No mesmo.) - Ai! Quem me acode?
Sousa - Toma, patife!
Gustavo - Não pode!
(O Joalheiro entra pela esquerda, segundo plano e interpõe-se.)
Carvalho - Pouca vergonha tamanha
nunca se viu!
O Joalheiro (Apartando Sousa e Gustavo.) - Mas que é isto?
Sousa - Deixe matar este cão!
Carvalho (A Gustavo.) - Que é do doutor Perdigão?
O Joalheiro - Que fez o pobre de Cristo?
Valentina (Como ferida por uma idéia súbita.) - E a jóia?
(Cai desmaiada em uma cadeira; Sousa e Carvalho dão-se o braço e descem à cena. Gustavo corre para Valentina, e vendo que está desmaiada, sai pela direita, primeiro plano. Saída falsa. O Joalheiro fica ao fundo como que apreciando.)
Sousa (A Carvalho.) - ‘Stá satisfeita
de todo a nossa vingança!
Partamos sem mais tardança!
Carvalho - É compadre, a conta feita,
saio com o cobre que trouxe.
Sousa - Eu sinto um prazer estranho;
mas hei de tomar um banho
quando sair deste alcouce.
Gustavo (Volta com um frasquinho, que faz aspirar Valentina.)
- Valentina!
Sousa (Ao público.) - O exemplo importa
da estranha aventura nossa,
não só aos tolos da roça
como aos espertos da corte.
(CAI O PANO)
FIM