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A Luneta Mágica/I/III

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Aos dezoito anos de idade comecei a compreender todas as proporções da minha desgraça dupla: chorei, lastimei-me, pedi médicos para os meus olhos, e mestres para minha inteligência.

A força de muito rogar e bradar consegui que me dessem uns e outros.

Os mestres ganharam o seu dinheiro e eu quase que perdi todo o meu tempo com eles; porque bem pouco lucrei no empenho de combater a minha miopia moral.

O mais hábil dos meus professores declarou-me no fim de quatro anos que um mancebo tão rico de cabedais como eu era, podia bem reputar-se literato de avantajado merecimento, sabendo ler, escrever e as quatro espécies da aritmética.

Convencido sempre que só me diziam a verdade, e tendo conseguido saber, aos vinte e dois anos de idade, ler mal, escrever pior, e fazer com a maior dificuldade as quatro espécies da aritmética, mandei embora o hábil professor, e fiquei literato.

Os médicos falaram-me em córnea transparente, em cristalino, em raios luminosos muito convergentes, em retina, e não sei em que mais, e acabaram por dizer-me que aos sessenta, ou setenta anos de idade, eu havia de ver muito melhor.

Dos médicos alopatas recebi esta consolação de melhor visão aos setenta anos, se estivesse vivo; dos homeopatas sei se me deram o cristalino em glóbulos, ou os raios convergentes em tintura; mas o fato é que em resultado de dez conferências e de vinte tratamentos diversos não vi uma linha adiante do que via, e apenas posso gabar-me de não ter ficado cego com a luz de tanta ciência.

O meu desgosto foi aumentando com os anos.

Meu irmão, que é um santo homem, me dizia:

— Consola-te, mano; tudo tem compensação: a tua miopia é uma desgraça; mas porque és míope não vês como são bonitos os bordados da farda de um ministro de estado, e portanto não te exasperas por não poder ostentá-los.

Convém saber que meu irmão saiu eleito deputado na última designação constitucional, e mandou fazer a sua libré parlamentar ainda antes de ser reconhecido representante legítimo do povo soberano que anda de paletó e de jaqueta.

Deste fato e da sua observação concluí eu em minha simplicidade que o mano Américo vive doido por ser ministro para fazer o bem da pátria.

E não é só ele; a prima Anica já sonhou três vezes com mudança de gabinete, e com correios e ordenanças à porta de nossa casa.

Inocente menina! é um anjo: os seus sonhos são piedosos como as vigílias da tia Domingas, sua mãe, e patrióticos, como os cálculos o mano deputado; ela diz com virginal franqueza que tem meia dúzia de parentes pobres a arranjar, quando o mano Américo for ministro.

Meia dúzia só!... que abnegação e que desinteresse da prima Anica!

Ela está se tornando tão profundamente religiosa como a tia Domingas.

Já fez um ponto de fé deste suavíssimo princípio: "a caridade deve começar por casa".