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A Luneta Mágica/III/IV

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E claro que eu estava em caminho adiantado para vencer o vexame, que me fazia hesitar em apresentar-me na casa do Reis.

Todo o homem é mais ou menos egoísta e em proveito do seu egoísmo raro é aquele que em circunstâncias imponentes, em casos extraordinários não sacrifica simples consideração de delicadeza.

Quantos homens ricos e maus que nunca deram esmola ao pobre, tornados mendigos pelo vaivém da fortuna, deixariam de estender a mão pedinte a algum recente herdeiro de inesperada riqueza, ao qual dantes tivesse por vezes respondido: Deus o favoreça?!...

Eu não fiz tanto como isso: hei de pois dominar o meu vexame e ir à casa do Reis.

Pedirei perdão com humildade, e luz para meus olhos, como um condenado à morte que pede a vida ao poder que e capaz de dá-la.

O medo que eu tenho, é de sair à rua, de expor-me às zombarias, as vaias, à perseguição dessa gente que me detestou, que talvez me detesta ainda por causa da visão do mal.

Em seu ódio, em seu empenho de vingança muitos conspiraram para que eu fosse reputado maníaco ou doido, e em todo caso perigoso e nocivo à sociedade.

Horrível ameaça pesou sobre mim, e mais de uma voz, mais de um conselho sinistro apontava a conveniência de me recolherem ao hospício dos alienados.

Eu tenho medo de aparecer a essa gente que maldizia de mim, e que pedia a minha prescrição, o encarceramento do doido.

Tenho medo de sair à rua.