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A Maravilhosa Vida de Santos=Dumont/Capítulo 6

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Capitulo VI - Começo da vida de Inventor


Nos meses que se passaram desde que estivera com Yolanda em Saint Morritz, Santos passou por Petrópolis em sua casa especialmente concebida para abrigar uma só pessoa e também por Cabangú, casa aonde nasceu. Quando chegou na Europa visitou sua cunhada em Paris e rapidamente se dirigiu para Biarritz. Santós tinha uma sociedade com o seu também amigo marques de Soriano - Ricardo Soriano Sholtz von Hermensdorff também chamado de Marques de Ivanrey proprietário da Empresa Automobilística Soriano Pedroso, que desde 1919 fabricava automóveis, motores e até mesmo hidraviões. Santos desenvolvera com o Marques de Soriano um motor especial que funcionava alimentado por petróleo pesado, de baixo consumo, e que eliminava consideravelmente o risco de incendiar-se. O motor foi Lançado comercialmente com o nome de “Dumont-Soriano”.

Santós pretendia passar alguns meses no litoral Francês, então, resolveu alugar um apartamento de propriedade de seu amigo e sócio com bela localização, frente ao maravilhoso mar de divisa entre a Espanha e a França.

Apos rápida passagem pelo apartamento Santos dirigiu-se para a empresa do amigo. Encontrou-o testando um carro esportivo modelo Coche que aparentava ser novo a despeito de seus oito anos de idade.

De forma bastante reservada Santós demonstra felicidade ao encontrar o amigo com um forte aperto de mãos e sorriso no rosto.

“Que bom te ver meu amigo, espero que tenha feito boa viagem e que tenha apreciado os arranjos que fiz no apartamento para Recber-te”diz o Marquez de Soriano também com um largo sorriso.

“Não tenho como não gostar daqui, passei ótimos momentos neste litoral, foi em Deauville que tive a inspiração para criar as asas do 14 Bis. Tenho boas recordações daqui. Vejo que também mata a saudade de seu modelo clássico” comenta Santos referindo-se ao Coche 1920.”

“De fato, oito anos se passaram e esta pequena jóia da engenharia ainda me impressiona. Tudo neste carro parece ser o elegantemente necessário para o prazer de dirigir. Não é um auto de luxo mas é confortável, o seu motor aparente enche de prazer os ávidos por emoção, e o que dizer do ronco deste motor. Até o cheiro de petróleo parece ser diferente quando queimado por este carro.”

“Conheço bem o sentimento, você conseguiu resumir muito bem o sentimento que tinha pelo meu dirigível numero 9, aquela talvez tenha sido a minha melhor aeronave.”

“vamos entrando Alberto, temos muito o que conversar .

“Sabe Alberto...” afirma Soriano “o ano de 1920 me trouxe coisas boas e outras não tão boas assim”.

“Deve estar referindo-se ao Coche 1920 que estávamos apreciando lá fora?” pergunta Santós tentando perplexamente entender a vaga afirmação do amigo espanhol. “sim” responde prontamente Soriano “o Coche foi sem duvida um bom acontecimento, no entanto foi também no ano de 1920 que me separei de Maria... Biarritz não é mais a mesma, já se passaram oito anos e ainda assim sinto sua falta.”

“Vejo que o numero 8 não persegue só a mim” afirma Santos causando desta vez perplexidade em Soriano “A oito anos não está mais ao lado de sua amada, a oito anos também construíste aquela maravilha estacionada lá fora, no dia 08 de agosto (mês oito) sofri um terrível acidente no Hotel Trocaderó, outros tantos oitos assombraram terrivelmente minha vida...”

Soriano interrompe bruscamente Santós enquanto gentilmente segura seu braço com a mão esquerda e com a direita, aponta para uma poltrona confortável um pouco mais afastada de sua mesa de trabalho.

“Vamos, sente-se Alberto, deve estar cansado. Sei o quão cansativa é esta viagem de Paris a Biarritz.”

Soriano acompanhava atentamente as noticias sobre as constantes internações de Santos, era bastante consciente de seu estado nervoso e temendo que o assunto do numero oito pudesse desencadear mais aborrecimento inicia um outro muito mais prazeroso “percebi em seu olhar que estava encantado ao ver o motor do Coche” indaga Soriano “percebo que as maquinas a explosão te deixam em estado de êxtase”.

“De fato” segue Santós “Fiz o que fiz no campo da aeronáutica depois de me apaixonar por um motor a petróleo”. Soriano ri de tal afirmação enquanto Santós continua sua narrativa com um certo sorriso nos lábios “é verdade, o motor a petróleo me abriu perspectivas, tornou viável meus sonhos. Lembro-me como se fosse ontem.

Em 1891, decidiu a minha família fazer uma viagem a Paris. A perspectiva causou-me dupla satisfação. Paris é, como se diz, o lugar para onde emigra a alma dos bons Americanos quando morrem.” risadas “Para mim, de acordo com a convicção adquirida em leituras, a França, terra dos avoengos de meu pai, que fizera seu curso de engenheiro na Escola Central, representava a própria grandeza e o progresso.

Na França é que fora lançado o primeiro balão cheio com hidrogênio, que voara a primeira aeronave com sua maquina a vapor, seu propulsor de hélice e seu leme. Naturalmente eu acreditava que a questão havia avançado consideravelmente desde a data em que, em 1852, Henri Giffard, com uma coragem tão grande quanto a sua ciência, havia demonstrado de maneira magistral a possibilidade de dirigir um balão munido com um motor a vapor. No entanto, sabia que os motores a vapor são engenhocas desengonçadas e pesadas, e que o futuro da navegação aérea definitivamente não estava nas maquinas a vapor.

Ninguém havia, depois de Giffard, prosseguido experiências com balões alongados, propelidos por motor térmico. O ensaio de balões similares, a motor elétrico, tentado pelos irmãos Tissandier em 1883, havia sido retomado por dois construtores no ano seguinte, mas fora devidamente abandonado em 1885 pois carecia de potencia, as baterias eram enormes e pesadas, e não proporcionavam autonomia. Desde anos, não se via nos ares um só balão em forma de charuto. Sabia que a resposta para a dirigibilidade dos balões estava próxima, mas de uma estranha forma sabia também que esta equação carecia de um algarismo X. Este algarismo se apresentou a mim, e devo confessar que foi amor a primeira vista, no Palácio das Industrias da grande Exposição Universal de Paris. Em visita que fiz acompanhado de meu pai percorríamos os vários corredores apinhados de inventos.

Meu pai fornecia a cada vislumbre de maquinas criadas por cérebros inventivos explicações e comentários técnicos. Até que chegamos a um pequeno e elegante dispositivo que movimentava rodas metálicas movido por explosão de petróleo. Aquele momento mágico deu-me a certeza de que a resposta a dirigibilidade dos balões estaria doravante em minhas mãos, mal pude perceber meu pai que continuou a andar e falar, enquanto eu parei boquiaberto frente a meu mais novo sonho ”.

“Fascinante Alberto!” exclamou Soriano entusiasmado ao perceber a paixão do Pai da Aviação pelos motores e mais surpreso ainda em ver seu tímido amigo, de poucas falas abrindo seu coração. Este era um momento único, Santós estava prestes a contar uma das mais fabulosas empreitadas humanas, relatadas ali, por seu brilhante protagonista. “sei que existe uma distancia muito grande entre o saber fazer e o fazer de fato. Conte-me Alberto, como que a partir deste insight conseguiu criar suas incríveis maquinas voadoras?”

“O inventor, como a natureza de Lineu”, responde Santós “não faz saltos: progride de manso, evolui. Comecei por fazer-me bom piloto de balão livre e só depois ataquei o problema da dirigibilidade. Fiz-me bom aeronauta no manejo dos meus dirigíveis, durante muitos anos estudei a fundo o motor a petróleo e só quando verifiquei que seu estado de perfeição era bastante para fazer voar, ataquei o problema do mais pesado que o ar.”

“Qual foi seu próximo passo?”

“Meu primeiro passo, foi o de experimentar a sensação de vôo, já havia presenciado em São Paulo uma apresentação do jovem Stanley Spencer, que também me deixara boquiaberto. Ele se elevara num Montgolfier e ao atingir determinada altura se desprendia do balão e caia de páraquedas.

No mesmo ano que havia tido meu primeiro encontro com o motor a petróleo Consultei no anuário Didot Bottin da cidade de Paris, e dele tirei o endereço de um aeronauta profissional, ao qual fui comunicar os meus planos.

— O senhor quer subir em balão? perguntou-me o homem em tom grave. Hum! Hum!... Acha que terá coragem? Isso não é nenhuma brincadeira, e o senhor me parece muito jovem.

Garanti a firmeza de minha resolução e de minha coragem. Pouco a pouco meus argumentos o abalariam, tanto que, por fim, concordou em me proporcionar uma curta ascensão de duas horas, no máximo, numa tarde que estivesse bem calma.

— Minha remuneração, acrescentou ele, será de 1.200 francos. Além disto o senhor assinará um contrato declarando que se responsabiliza por qualquer acidente na sua pessoa e na minha, em benefício de terceiros, bem como por qualquer dano que suceder ao balão e seus acessórios. O senhor ficará também com o encargo de pagar nossas passagens de volta e o transporte do balão com sua barquinha na estrada de ferro, do lugar em que aterrarmos até Paris.

Pus-me a refletir. Esse aeronauta, uma vez derrubara a chaminé de uma usina, e de outra cairá sobre a casa de um lavrador; o baldo incendiara e ao contacto das fagulhas que saiam da chaminé e a casa ardera também. As perspectivas eram sombrias. Para um rapaz de dezoito anos, 1.200 francos era uma grande quantia. Como justificar-me de tal despesa perante os meus? E fiz o raciocínio seguinte:

— Si arriscar 1.200 francos pelo prazer de uma tarde, posso gostar, ou não gostar. No primeiro caso, empregarei o meu dinheiro em pura perda; no segundo, ficarei com vontade de repetir o divertimento, e não disporei de meios.

O dilema mostrou-me o caminho a seguir. Renunciei, não sem mágoa, á aerostacão, e fui buscar consolo no automobilismo.

Os automóveis eram ainda raros em Paris em 1891. Tive de ir à usina de Valentigney para comprar minha primeira máquina, uma Peugeot de rodas altas, de três e meio cavalos de força.

Era uma curiosidade. Nesse tempo não existia ainda nem licença de automóvel nem exame de motorista. Quando alguém dirigia a nova invenção pelas ruas da capital era por sua própria conta e risco. E tal era o interesse popular que eu não podia parar em certas praças, como a da Opera, com receio de juntar a multidão e interromper o transito, creio ter sido o primeiro motorista a tomar uma multa de transito na historia do automobilismo.”


“De fato, sei também que foi o primeiro a possuir e trafegar com um automóvel na América Latina” afirma Soriano demonstrando seu vasto conhecimento sobre a historia do automobilismo.

“Sim”replica Santos “não tenho duvidas disso. De então em diante tornei-me adepto fervoroso do automóvel. Entretive-me a estudar os seus diversos órgãos e a ação de cada um. Aprendi a tratar e concertar a máquina. E quando ao fim de sete meses, minha família voltou ao Brasil, levei comigo a minha Peugeot.

Volvi a Paris em 1892. Sempre obsedado pelos meus sonhos de balão, fui procurar outros aeronautas profissionais. Como o primeiro, todos me pediam somas extravagantes pela mais insignificante ascensão. As atitudes eram sempre as mesmas. Faziam da aerostação um perigo e uma dificuldade, exagerando, a seu bel prazer, os riscos de pessoas e bens. Ainda, não obstante os altos preços que pediam, não mostravam interesse em que eu lhes aceitasse as propostas. Evidentemente, estavam decididos a guardar a aerostação só para eles, como um segredo de Estado. E a conseqüência foi que me limitei a comprar um novo automóvel.

Depois dessa época as cousas mudaram consideravelmente, graças á fundação do Aéro Club de Paris. Nascia então a voga dos triciclos automóveis. E comprei um, que jamais sofreu o menor acidente. Meu entusiasmo foi tão grande que institui em Paris, pela primeira vez, corridas de moto triciclos.

Aluguei por uma tarde o velódromo do Parc dos Princes e organizei uma corrida com prêmios oferecidos por mim. As pessoas “de bom senso” prognosticaram um desastre. Eram de parecer que, em uma pista de bicicletas, em virtude da rapidez das curvas, os triciclos tombariam e se quebrariam. Si não sucedesse isto, a inclinação do solo forçaria a parada do carburador ou atrapalharia o seu funcionamento, o que, do mesmo modo, redundaria na queda dos veículos. Os diretores do Velódromo, ainda que aceitando meu dinheiro, recusavam conceder-me a pista numa tarde de domingo. Temiam um fiasco. O sucesso retumbante da corrida desapontou-os.

Quando novamente voltei ao Brasil, lastimei amargamente não ter perseverado no meu projeto de ascensão. Longe de todas as possibilidades, as excessivas pretensões dos aeronautas pareciam-me de pequena monta.

Finalmente, certo dia, em 1897, em uma livraria do Rio, fazendo sortimento de livros, pois tinha em vista uma próxima terceira viagem a Paris, dei com uma obra de Lachambre e Machuron, que acabava de aparecer: “Andrée — Au pôle Nord en Ballon”. Consagrei os lazeres da travessia á leitura desse livro, que foi para mim uma revelação. Acabei decorando-o como se fora um manual escolar. Detalhes de construção e preços abriram-me os olhos. Enfim, eu chegava a ver claro! O enorme balão de Andrée — do qual a capa trazia uma reprodução fotográfica, mostrando os flancos e o ápice escalados, como uma montanha, pelos operários encarregados de enverniza-lo — esse enorme balão, dizia eu, não havia custado, construção e equipamento inclusive, senão 40.000 francos. Chegando a Paris, decidi-me a deixar de lado os aeronautas profissionais e dirigir-me aos construtores. Meu empenho particular era conhecer o sr. Lachambre, que havia construido o balão de Andrée, e seu associado o sr. Machuron, autor do livro. Dirigi-me a oficina dos construtores ba Rue Favorites em Vaugirard, espantou-me a quantidade e a variedade de bonecos infláveis, ora flutuando com gases mais leves que o ar, ora bizarramente acomodados murchos nos cantos.


Digo com toda a sinceridade que encontrei neles o acolhimento que desejava. Quando perguntei ao sr. Lachambre o preço de um ligeiro passeio em balão, fiquei tão surpreso com a resposta que lhe pedi que me repetisse:

— Uma ascensão de três ou quatro horas, com todas as despesas pagas, incluindo o transporte de volta do balão em caminho de ferro, custar-lheá 250 francos.

— E as avarias? arrisquei eu.

— Mas, retrucou o meu interlocutor, rindo, nós não vamos ocasionar avarias.

Fechei imediatamente o negocio. E combinamos tudo para a manhã do outro dia.

Guardo uma recordação indelével das deliciosas sensações de minha primeira tentativa aérea.

Cheguei cedo ao parque de aerostação de Vaugirard, afim de não perder nenhum dos preparativos. O balão, de uma capacidade de 750 metros cúbicos, jazia estendido sobre a grama. A uma ordem do ar.

Lachambre, os homens começaram a enche-lo de gás. E em pouco a massa informe começou a se transformar numa vasta esfera.

Às 11 horas tudo estava terminado. Uma brisa fresca acariciava a barquinha, que se balançava suavemente sob o balão. A um dos cantos dela, com um saco de lastro na mão, eu aguardava com impaciência o momento da partida. Do outro, o sr. Machuron gritou:

— Larguem tudo!

Alexis Machuron

No mesmo instante, o vento deixou de soprar. Era como se o ar em volta de nós se tivesse imobilizado. É que havíamos partido, e a corrente de ar que atravessávamos nos comunicava sua própria velocidade. Eis o primeiro grande fato que se observa quando se sobe num balão esférico. Esse movimento imperceptível de marcha, possui um sabor infinitamente agradável. A ilusão é absoluta. Acreditar-se-ia, não que é o balão que se move, mas que é a terra que foge dele e se abaixa.

No fundo do abismo que se cavava sob nós, a 1.500 metros, a terra, em lugar de parecer redonda como uma bola, apresentava a forma côncava de uma tigela, por efeito de um fenômeno de refração que faz o circulo do horizonte elevar-se continuamente aos olhos do aeronauta. Aldeias e bosques, prados e castelos desfilavam como quadros movediços, em cima dos quais os apitos das locomotivas desferiam notas agudas e longínquas. Os latidos dos cães, eram os únicos sons que chegavam ao alto. A voz humana não vai a essas solidões sem limites. As pessoas apresentavam o aspecto de formigas caminhando sobre linhas brancas, as estradas; as filas de casas assemelhavam-se a brinquedos de crianças.

Meu olhar sentia ainda a fascinação do espetáculo quando uma nuvem passou diante do sol. A sombra assim produzida provocou um esfriamento do gás do balão, que, murchando, começou a descer, a principio lentamente, depois com velocidade cada vez maior. Para reagir, deitamos lastro fora. E eis a segunda grande observação: alguns quilos de areia bastam para restituir ao individuo o domínio da altitude.

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Readquirimos o equilíbrio acima de uma camada de nuvens. Aí planando a cerca de 3.000 metros, deslumbramos a vista com um panorama maravilhoso. Sobre esse fundo de alvura imaculada, o sol projetava a sombra do balão; e nossos perfis, fantasticamente aumentados, desenhavam-se no centro de um triplo arco-íris.

Pelo fato de não vermos a terra, toda noção de movimento deixava de existir para nós. Poderíamos avançar com a velocidade de um furacão sem nos apercebermos. Nenhum meio de conhecer o rumo tomado, se não descer e determinar nossa posição. O som de um alegre carrilhão chegou aos nossos ouvidos.

Os sinos tocavam o “Angelus” do meio dia. Havíamos levado uma refeição substancial: ovos duros, vitela e frango frios, queijo, gelo, frutos, doces, champagne, café e licor.

Nada mais delicioso do que semelhante repasto acima das nuvens. Que salão de refeições ofereceria mais maravilhosa decoração? O calor do sol, pondo as nuvens em ebulição, fazia-as lançar em derredor de nossa mesa jatos irisados de vapor gelado, comparáveis a grandes feixes de fogo de artifício. A neve, como por obra de um milagre, espargia-se em todos os sentidos, em lindas e minúsculas palhetas brancas. Por instantes os flocos formavam-se, espontâneos, sob os nossos olhos, mesmo nos nossos copos!

Acabava eu de beber um cálice de licor quando uma cortina desceu subitamente sobre esse admirável cenário de sol, nuvens e céu azul. O barômetro subiu rapidamente 5 milímetros, indicando uma brusca ruptura do equilíbrio e uma descida precipitada. O balão devia ter se sobrecarregado de muitos quilos de neve; caía com uma nuvem.

A neblina nos envolveu em uma obscuridade quase completa. Distinguíamos ainda a barquinha, nossos instrumentos, as partes mais próximas do cordame. Mas a rede que nos prendia ao balão não era mais visível se não até certa altura; e o balão, ele próprio desaparecera.

Experimentamos assim, e por um instante, a singular sensação de estarmos suspensos no vácuo, sem nenhuma sustentação, como se houvéssemos perdido nossa ultima grama de gravidade e nos achássemos prisioneiros do nada opaco.

Após alguns minutos de uma queda que amortecemos soltando lastro, vimo-nos abaixo das nuvens, a uma distancia de cerca de 300 metros do solo. Uma aldeia fugia abaixo de nós. Localizamos o ponto e comparamos nossa carta com a imensa carta natural que a vista lobrigava. Foi-nos fácil identificar as estradas, os caminhos de ferro, as aldeias, os bosques. Tudo isso avançava para o horizonte com a rapidez do vento.

A nuvem que provocara a nossa descida era prenuncio de uma mudança de tempo. Pequenas rajadas começavam a impelir o balão da direita para a esquerda e de cima para baixo. De espaço a espaço o “guide-rope” — uma grande corda de uns 100 metros de comprido, que flutuava fora da barquinha, — tocava no chão. A barquinha não tardou por sua vez a roçar as copas das árvores.

O que se denomina fazer o “guide-rope” apresentou-se-me assim em condiçõess particularmente instrutivas. Tínhamos ao alcance da mão um saco de lastro: se um obstáculo qualquer se apresentasse no caminho soltávamos alguns punhados de areia; o balão subiria um pouco e a dificuldade seria vencida.

Mais de 50 metros do cabo arrastavam-se já pelo chão. Não era preciso tanto para nos mantermos em equilíbrio a uma altitude inferior a 100 metros, pois havíamos decidido não exceder disso até o fim da viagem.

Esta primeira ascensão permitiu-me apreciar devidamente a utilidade do “guide-rope”, modesto acessório sem o qual a aterrissagem de um balão esférico apresentaria graves dificuldades na maior parte dos casos. Quando, por uma razão ou por outra o acúmulo de umidade sobre a superfície do balão, golpe de vento de cima para baixo, perda acidental do gás, ou mais comumente ainda, passagem de uma nuvem diante do sol — o balão baixa com velocidade inquietadora, o “guide-rope” arrastando em parte pelo solo, deslastre todo o sistema de uma parte do seu peso e impede, ou pelo menos, modera a queda.

Na hipótese contraria, se o balão manifesta uma demasiado rápida tendência ascensional, esta poderá ser contra-balançada pelo levantamento do cabo, o que ajunta um pouco mais do seu peso ao que pesava, antes da manobra, o sistema flutuante. Como todos os inventos humanos, o “guide-rope”, se tem vantagens tem também seus inconvenientes. Pelo fato de se arrastar sobre superfícies desiguais, sobre campos e sobre prados, sobre colinas e sobre vales, sobre estradas e sobre casas, sobre sebes e sobre fios telegráficos, imprime ao balão violentas sacudidelas. Acontece que após ter-se enrolado, ele se desembaraça instantaneamente; ou que venha a prender-se a qualquer aspereza do solo, ou enganchar ao tronco ou aos galhos de uma árvore. Não faltava se não um incidente deste gênero para completar minha aprendizagem.

Quando franqueávamos um pequeno massiço de arvores, um balanço mais forte do que os outros atirou-me para trás na barquinha. Imobilizado de subito, o balão estremecia açoitado pelas lufadas de vento, na extremidade do seu “guide-rope” enrolado nas franças de um carvalho. Durante um quarto de hora fomos sacudidos como um cesto de legumes e só nos libertamos aliviando um pouco de lastro. O balão, deu então um pulo terrível e foi como uma bala furar as nuvens. Estávamos ameaçados de atingir alturas que depois nos podiam ser perigosas para a descida, dada a pequena provisão de lastro de que já dispúnhamos. Era tempo de recorrer a meios mais eficazes: abrir a válvula de manobra para que o gás escapasse . Foi obra dum minuto. O balão retomou a descida e o “guide-rope” tocou de novo o solo. Não nos restava senão dar por encerrada aí a excursão; a areia estava quase toda esgotada. Quem quer que aspire navegar em aeronave deve, preliminarmente, exercitar-se em algumas aterrissagens em balão esférico, por pouco que ligue a aterrissar sem tudo espatifar a um tempo: balão, quilha, motor, leme, propulsor, cilindros de água servindo de lastro (water-ballast), latas de essência.

Quando tivemos de executar esta última manobra, o vento, que era muito forte, constrangeu-nos a procurar um local abrigado. Do extremo da planície avançava ao nosso encontro um recanto da floresta de Fontainebleau. Em alguns instantes, á custa do nosso ultimo punhado de lastro, contornamos a extremidade do bosque. As arvores agora nos protegiam contra o vento. Atiramos a ancora, ao mesmo tempo que abríamos completamente a válvula para dar escapamento completo ao gás.

 

A dupla manobra colocou-nos em terra sem o menor abalo. Saltamos e assistimos o balão murchar.

Alongado no chão, ele esvaziara do restante do gás em estremecimentos convulsivos, como um grande pássaro batendo as asas ao morrer.

Tiramos alguns instantâneos fotográficos da cena; depois dobramos o balão e o arrumamos na barquinha, juntamente com a rede. O sitio que havíamos escolhido para aterrissar pertencia ao parque do castelo de La Ferrière, propriedade do sr.Alphonse de Rothschild. Alguns trabalhadores dum campo visinho foram buscar uma carruagem na aldeia. Meia hora mais tarde chegava um “break”.

Colocamos nele a nossa bagagem e partimos para a estação da estrada de ferro, distante uns quatro quilômetros onde tivemos um grande trabalho para fazer descer nossa cesta com o seu conteúdo, pois pesava 200 quilos.

Às seis e meia estávamos novamente em Paris.

Havíamos efetuado um percurso de 100 quilômetros e passado quase duas horas nos área.

Eu estava tão entusiasmado com a aerostação, apos esta primeira viagem, que manifestei ao sr. Machuron o desejo de fazer construir um balão para mim. Ele aprovou minha idéia. Supunha que eu queria um balão esférico de dimensões ordinárias, de 500 a 2.000 metros cúbicos de capacidade. Não se imaginava se fizesse coisa menor, é curioso constatar como os construtores ainda se obstinavam no emprego de materiais pesados. A menor barquinha acusava obrigatoriamente 30 quilos. Nada era leve; nem o invólucro, nem a aparelhagem, nem os acessórios.

Expus minhas idéias ao sr. Machuron. Ficou espantadíssimo quando falei dum balão de 100 metros cúbicos e em seda japonesa da qualidade mais leve e mais resistente. O sr. Lachambre e ele procuraram convencer-me, em suas oficinas, de que eu pedia o impossível.

Quantas vezes, mais tarde os meus projetos foram submetidos a provas análogas... Hoje, estou habituado a elas. Espero-as. Todavia, por mais desconcertado que ficasse então, perseverei no meu ponto de vista.

Os senhores Machuron e Lachambre tentaram provar-me que um balão, para ter estabilidade, necessitaria peso. Um balão de 100 metros cúbicos devia ser, além do mais, muito mais sensível aos movimentos do aeronauta na barquinha do que um grande balão de dimensões correntes.

Para evitar que meu movimento dentro da barquinha alterasse o centro de equilíbrio do balão pedi cordas maiores, o que terminou em um grande sucesso no que diz respeito ao equilíbrio e distribuição de peso.

Quando levei ao sr. Lachambre minha leve seda do Japão, ele me olhou e disse: “Será muito fraca”. Ensaiamo-la ao dinamômetro e o resultado foi surpreendente. Ao passo que a seda da China suporta uma tensão de 1.000 quilos por metro linear, a delgada seda japonesa suportou uma tensão de 700 quilos; quer dizer que provou ser 30 vezes mais resistente que o necessário em virtude da teoria das tensões. Caso extraordinário se considerar que ela pesa somente 30 gramas por metro quadrado!

Um fato que mostra até que ponto pessoas competentes podem se enganar, quando se apegam a julgamentos sumários, é dizer que todos os balões das minhas aeronaves são fabricadas com a mesma seda. No entretanto, a pressão interna que eles têm de suportar é enorme, ao passo que os balões esféricos são todos munidos, na parte inferior, de um orifício que lhes permite alívio.

Depois de pronto, o “Brasil” apresentou 113 metros cúbicos de capacidade, o que corresponde aproximadamente a 113 metros quadrados de superfície de seda. Todo o invólucro pesava apenas 3 quilos e meio. As camadas de verniz fizeram subir esse peso a 14 quilos.

A rede, que muitas vezes pesa uns 50 quilos, não ia senão a 1.800 gramas. A barquinha, cujo mínimo ordinário é 30 quilos, apenas 6. O meu N.° 9 tinha uma barquinha que não atingia a 5 quilos. Meu “guide-rope”, fino mas muito longo, pois media 100 metros, pesava 8 quilos, se tanto; seu comprimento dava ao “Brasil” uma boa elasticidade. Substituí a ancora por um arpão de ferro de 3 quilos.

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Atendo-me embora á leveza em todos os detalhes, achei que o balão, apesar das suas reduzidas dimensões, teria forca suficiente para me levantar com os meus 50 quilos de peso e mais 30 de lastro, cheguei até a testar uma bicicleta amarrada às cordas, coma a intenção de voltar de distantes lugares ao confronto do lar, mas infelizmente chegava muito próximo a tara total do balão e se tornou inviável, so voltei a fazelo no meu segundo balão o America. E foi nestas condições de peso que fiz minha primeira viagem aérea.

Em outra ocasião, em presença dum ministro francês curioso de ver o menor dos balões esféricos, quase que nem tomei lastro, 4 ou 5 quilos apenas, e não obstante fiz uma boa ascensão.

O “Brasil” era muito manejável no ar e muito dócil. Era, além do mais, fácil de embalar após a descida: foi com razão que espalharam que eu o carreguei numa maleta. Antes da minha primeira ascensão no pequenino “Brasil”, fiz vinte e cinco ou trinta em balões esféricos comuns, inteiramente só, ao mesmo tempo capitão e passageiro único. O sr. Lachambre, que se encarregara de diversas ascensões públicas, permitiu-me realizar algumas em seu lugar. Foi assim que subi em diversas cidades da França e da Bélgica. Isto evitava trabalho ao sr. Lachambre, a quem eu indenizava de todas as despesas e incômodos, proporcionava-me prazer e permitia-me praticar o “sport”. A combinação acomodava a nós dois.

Duvido que, sem uma série de estudos e experiências preliminares em balão esférico, um homem obtenha qualquer probabilidade de ser bem sucedido com um dirigível alongado, cujo manejo é muito mais delicado. Antes de tentar conduzir uma aeronave é indispensável ter, a bordo dum balão ordinário, aprendido as condições do meio atmosférico, feito conhecimento com os caprichos do vento, penetrado a fundo as dificuldades que apresenta o problema do lastro, sob o tríplice aspecto da partida, equilíbrio aéreo e aterrissagem.

Ter manobrado pessoalmente um balão esférico é, no meu entender, preliminar indispensável para adquirir noção exata de tudo o que comporta a construção e a direção de um balão alongado, munido de motor e propulsor. Compreender-se-á assim que manifesto grande surpresa quando vejo inventores que nunca puseram os pés numa barquinha, desenharem no papel e até executarem, no todo ou em parte, fantásticas aeronaves com balões cubando milhares de metros, carregados de enormes motores, que eles não conseguem levantar do chão e providos de máquinas tão complicadas que nada faz marchar. Os inventores desta classe nunca manifestam medo porque não fazem nenhuma idéia das dificuldades do problema.

Se houvessem começado por viajar nos ares ao sabor do vento, enfrentando as influencias hostis dos fenômenos atmosféricos, compreenderiam que um balão dirigível, para ser prático, requer antes de mais nada uma extrema simplicidade de mecanismo. Alguns infelizes construtores, que pagaram com a vida sua triste imprudência, nunca haviam efetuado uma subida em balão esférico como capitão e sob sua própria responsabilidade. A maior parte dos seus êmulos de hoje, tão devotados ás suas tarefas, encontra-se ainda nas mesmas condições de inexperiência. Assim se explicam para mim os seus insucessos. Estão na mesma situação de quem, sem haver jamais deixado a terra firme ou posto os pés num bote, pretendesse construir e comandar um transatlântico.”

“Entendo muito bem o que diz” atesta Soriano “seria inadmissível um construtor de autos esportivos valorizar o design sem considerar a segurança e a aerodinâmica que se aprende dirigindo muitas e muitas vezes. Imagino que nada substitui a experiência de se elevar em um balão e viajar pelos céus, descer hoje na Bélgica e amanhã em algum outro exótico lugar.”

“O aeronauta transforma-se em explorador. Sois um jovem curioso de percorrer o mundo, conhecer aventuras, perscrutar o desconhecido, contar com o inesperado, mas retido em casa pela família e pelos negócios? Praticai o balão esférico. Ao meio dia, almoçai tranquilamente com os vossos. Às duas horas, parti em balão. Dez minutos mais tarde não sereis mais um cidadão vulgar, sim um explorador, um aventureiro da ciência, tal como os que vão gelar nos “icebergs” da Groenlândia ou fundir de calor nos rios de coral da índia.

Não sabeis senão vagamente onde vos achais; não podeis saber onde ides, muito embora isto dependa por muito da vossa vontade, da vossa habilidade e da vossa experiência. Tendes a escolha da altitude: podeis aceitar uma corrente de ar ou ir atrás doutra. Podeis franquear as nuvens, atingir regiões em que se respira o oxigênio dos tubos, perder a visão da terra, que desaparece como que girando embaixo de vós, e então todo sentido do rumo vos escapa. Podereis descer de novo, acompanhar a superfície do solo, ajudado pelo “guide-rope” e por punhados de areia, para dar, sem esforço, saltos de gigante por cima das casas e das árvores.

Chegado o momento de aterrar, goza-se de indizível alegria em ir ter com homens estranhos, como um deus saído de uma máquina. Em que país se está? Em que língua, alemã, russa, norueguesa, obter-se-á resposta? Membros do Aéro Club foram alvejados com tiros de fuzil ao transporem certas fronteiras européias. Outros, detidos no momento de aterrissarem, e levados á presença de algum burgomestre ou governador militar, começaram por sofrer o susto de uma acusação de espionagem — enquanto o telégrafo avisava sua prisão á capital distante — para acabarem o dia bebendo champagne no entusiasmo de uma roda de oficiais! Outros, mesmo, em pequenos lugares perdidos, tiveram de se defender contra a ignorância e a superstição das populações rurais. Tal a fortuna dos ventos.”

“Mostra-se um aventureiro de espírito Alberto, e um elegante “sportsman” afirma Soriano “quero te apresentar um auto que seria você na versão de um potente carro”.

Santós se surpreende enquanto levanta-se de sua confortável poltrona e segue seu anfitrião até uma garagem próxima. Lá encontra um auto esportivo, com longo capô que escondia um possante motor. “Tenho certeza que se dirigir este carro se apaixonará, te conheço muito bem meu amigo, assim como conheço as maquinas que faço. Assim como um bom cavaleiro tem que se integrar espiritualmente com seu correspondente eqüino percebo que formarão uma bela dupla. Com ele poderá dar rumo as suas aventuras tal como fez com o seu balão Brasil.”

Entusiasmado com o carro Santós entra em um silencioso dilema, sabe que seu estado de saúde não lhe permitiria sentar-se ao volante e experimentar as maravilhosas aventuras que aquele auto poderia proporcionar. Apesar de ser um grande amigo de Soriano, eles também eram sócios. Santós fazia questão de pagar pelo aluguel do apartamento que estava morando em Biarritz de propriedade do Marques de Soriano, e nas somas de razões optou por não aceitar o presente.


“Só tu mesmo meu grande amigo saberia como me agradar com um presente tão perfeito, porem devo indubitavelmente declinar esta honra.” Compreendendo as condições que levaram seu amigo a não aceitar o presente, Soriano faz mais uma oferta, que desta vez, parece irrecusável. “Me parece impossível que duas almas tão parecidas não possam viver juntas” diz Soriano comparando a personalidades de Santos à do automóvel. “Participarei nos dias que seguem de um concurso de elegância automotiva em Paris gostaria que me representasse como o glorioso choufer ou o Jóquei deste eqüino”.

Ainda embasbacado pela oferta do amigo Santós procura se esquivar “conheço bem tal concurso e sei que precisamos de uma lady para me fazer companhia...” Soriano interrompe a fala antes que pudesse ser terminada, deixando Santós sem alternativa. “Tenho certeza que escolhera a melhor dama para que fique ao seu lado na prova de elegância.”

Naquela mesma noite os amigos se encontraram no final de tarde no terraço do restaurante Campagne et Gourmandise, Santós foi apanhado no apartamento pelo chofer de Soriano a tempo de verem o por do sol.

-“Passei meus melhores anos aqui no litoral Frances” reafirma Santós olhando com admiração a magnífica paisagem.

- “Vamos celebrar então aos seus bons anos com champagne” responde Soriano enquanto ajeita o guardanapo em seu colarinho.

- “Não sei se seria adequado tomarmos álcool” Santós manifesta sua preocupação pois teme perder o efeito dos calmantes que o ajudavam a se recuperar de suas ultimas crises nervosas.

- “Tenho certeza de que não há melhor propósito para comemorar com champagne”afirma Soriano enquanto acena com a mão para o atento maitre.

-“O que mais gosto desta cidade é sua cumplicidade com o mar em estilo proporcional de seus habitantes...” Santos inicia sua fala sem se aperceber que o “garçom” que o serve não está trajando o uniforme típico. Repara porem que Soriano começa a sorrir em meio ao assunto que não é exatamente cômico.

Incomodado com as constantes risadas de Soriano, Santós interrompe sua fala e pergunta –“Porque ris? Ha algo de errado comigo?”

-“Não contigo, não reparaste no garçom?”

-“O que ha de errado com o gar...” Santós fica perplexo ao reparar que quem está servindo o Champagne é ninguém menos que Yolanda Penteado

Em um gesto abrupto e nervoso Santos se levanta e contrariando seu etilo tímido envolve Yolanda em um abraço. “Tio Alberto, que bom te encontrar tão feliz!”

-“Também me alegro muito de vê-la. O que faz aqui?”

Sem que tenha a chance de responder Soriano passa a frente de Yolanda e antecipa a resposta “- quisemos te fazer uma surpresa, Yolanda está de passagem pela França, tinha certeza de que com ela aqui não haveria de declinar minha oferta de participar do concurso de elegância automotiva.”

Ainda emocionado Santos senta-se ajudado por Yolanda que toma assento ao seu lado.

-“Sobre o que conversavam? Não quero interrompe-los.”

-“A verdade é que acabamos de chegar e não conversávamos sobre nenhum assunto muito importante” responde Soriano percebendo que Santos tomado pela emoção ainda não se encontra apto a falar. “No entanto hoje a tarde Santos me contava sobre sou primeiro balão o Brasil.”

-“Sim, o Brasil” afirma Santos agora quase recuperado “o menor, o mais lindo, o único que teve um nome”.

Afiada como sempre Yolanda não perde a oportunidade de tirar uma de suas tantas duvidas com o homem que tanto lhe interessava, mas que ali, na presença de Soriano, tratava de passar a impressão de que era apenas a sobrinha de Santós.

-“Soube que o Brasil fora batizado por Hélène de Raoul.

-“De Fato” Responde Santos feliz pois terá o grande prazer de conversar com Yolanda e sentir seu doce sarcasmo. “não precisei aguardar muito para ter um lindo dia com ventos suaves naquela manhã de sábado, 04 de julho de 1898, minha irmã Virginia havia vindo do Porto, Portugal somente para testemunhar minha proeza, o balão já estava conectado a barquinha, o publico aguardava ansioso e tudo estava pronto, no entanto não pude partir. Havia convidado Hélène de Raoul para ser a madrinha do vôo inaugural e ela estava extremamente atrasada. Quando minha impaciência já sedia lugar ao nervosismo vejo se aproximar a bela madrinha acompanhada de seu chofer.

Naquele instante minha aflição se transformara de forma imediata em grande alegria. Hélène justificou seu atraso ao fato de seu marido, um oficial do exercito Frances, estar na frente de batalha naquela manhã. A cerimônia de batismo tomou lugar como planejada, Hélène insistiu para que o balão fosse batizado com seu champagne predileto, a Dom Perrignon. Foi então que sem mais delongas tomei uma taça e logo subi aos ares”.

-“Esta mulher tinha uma forte relação com o senhor Alberto, mesmo na condição de ter seu marido em uma frente de batalha, Hélène ignora suas preocupações, e segue ao Jardim da Aclimação, somente para tomar contigo uma taça de Champagne” – provoca Soriano compartilhando da ironia de Yolanda.

-“Desta vez não foi eu quem alfinetou” – afirmou Yolanda compartilhando do sarcasmo de Soriano.

-“Isso bem me parece um complô” retruca Santós “parecem estar mancomunados desde quando planejaram que Yolanda me servisse a champagne e agora meu grande amigo Soriano me trai com perguntas que parecem ter saído diretamente da mente picante de Yolanda” prossegue Santós agora com um leve sorriso que expressa sua felicidade de estar sob carinhosos ataques de amigos “de fato creio que nada poderia afastar Hélène de seu divino compromisso comigo, porem, sou um cavalheiro, e jamais diria as razões que me levam a ter esta certeza.”

“Ela certamente incentivou muito sua vida de inventor” comenta Yolanda com certa duvida.

“Infelizmente minha querida, não foram as mulheres e tampouco os expertos em aerostação que me incentivavam. Recebi meus incentivos diretamente das maquinas, dos carros e de seus motores. Eles estavam sempre dispostos a me ajudar em meus inventos e proporcionar as melhores emoções.”

Os três riem carinhosamente e ao final Santos prossegue:

“Como já disse, o Brasil era muito dócil e a cada vôo me deixava em um belo lugarejo nos arredores de Paris. Participei com ele de uma competição instituída por conta da fundação do Aero-Club em St Cloud no dia 25 de outubro de 1898. Não fui o vencedor, mas o belo e transparente Brasil me levou direitinho até Chantilly. Percebi a menudo que onde eu via prazer, outros balonistas mais experientes se preocupavam com perigos, certa vez em uma excursão que fiz em companhia de Machuron, o “guide-rope” se enroscou em uma arvore e o vento nos sacudia tão barbaramente, o sr. Machuron aproveitou a circunstancia para afastar de mim toda a ilusão a respeito da aerostação dirigível.

— Observe a trêita e o humor vingativo desse vento, gritava-me ele no meio dos balanços. Estamos presos á arvore, e veja com que forca ele procura arrancar-nos! (Nesse momento fui atirado ao fundo da barquinha). Que propulsor a hélice seria capaz de vencê-lo? Que balão alongado não se dobraria em dois?

Era desencorajador! Regressando a Paris pelo trem de ferro, renunciei continuar as experiências de Giffard. E nesta disposição de espírito me mantive durante semanas. Seria capaz de sustentar uma longa polemica contra a dirigibilidade dos balões.

Depois veio de novo um período de tentação, porque uma idéia longo tempo acariciada não morre imediatamente.

Ao mesmo tempo que considerava as dificuldades práticas do projeto, sentia que meu espírito instintivamente trabalhava para se convencer de que elas eram imaginárias. Surpreendia-me murmurando: “Se fizer um balão cilíndrico bastante comprido e bastante fino, ele fenderá o ar...” e, com respeito ao vento: 'Serei criticado por ter recusado sair sob um vendaval, quando nenhuma censura se faz contra o “yachtsman” em situação semelhante”?

Um acidente decidiu-me. Sempre adorei a simplicidade, razão pela qual não aprecio as complicações, por mais engenhosas que sejam. Os motores de triciclo chegavam então a uma alta perfeição. Sua simplicidade encantava-me; e sem que a lógica interviesse, seus méritos prevaleceram no meu espírito contra todas as objeções opostas ao balão dirigível.

Utilizar-me-ei deste motor leve e potente, disse eu. Giffard não teve um tal auxiliar.

A máquina a vapor de Giffard, máquina primitiva e de pouca força relativamente ao seu peso, com uma fornalha que vomitava faíscas ardentes, não oferecia ao corajoso inovador nenhuma possibilidade séria de êxito.

Não perdi tempo pensando num motor elétrico que, se apresenta poucos perigos, sob o ponto de vista da aerostação, tem o defeito capital de ser a máquina mais pesada que se conhece, com relação ao peso da sua bateria.

Com uma libra de petróleo podeis desenvolver um cavalo de forca durante uma hora. Para obter esta mesma energia da máquina a vapor mais aperfeiçoada a, precisareis de muitos quilos d’água e de combustível, petróleo ou outro. Não podereis descer a menos de vários quilos por cavalo, mesmo pela condensação da água.

Outra desvantagem: o carvão, com os motores a vapor, desprenderá fagulhas. O petróleo, com os mesmos motores vos dará chamas em profusão. Façamos justiça ao motor a petróleo que não desprende nem chamas nem centelhas inflamáveis.

Neste momento tenho um motor a petróleo que não pesa senão 2 quilos por cavalo-vapor. É portanto, á leveza e simplicidade do pequeno motor de triciclo de 1897 que devo todas as minhas experiências. Parti do principio de que, para alcançar não importa que espécie de êxito, seria indispensável reduzir o peso, e assim ater-se ás condições, não só financeiras, como mecânicas, do problema.

Estou hoje completamente dedicado á construção de aeronaves; filo de corpo e alma. No começo porém, fui um tímido principiante, não querendo empregar somas vultosas na realização de um projeto duvidoso.

Por essa razão é que preferi construir um balão alongado com o volume apenas necessário para suportar, além dos meus cinqüenta quilos de peso, o da barquinha e seu equipamento, o motor, o combustível, e o lastro estritamente indispensável.

Na realidade, uma aeronave, expressamente para o meu pequeno motor de triciclo.

Procurei, próximo da minha residência, no centro de Paris, a oficina de algum pequeno mecânico onde eu pudesse fazer executar o meu plano sob as minhas próprias vistas, e eu pudesse meter a mão na obra. Encontrei o que queria na rua do Coliseu. Comecei por proceder á superposição de dois cilindros de dois motores de triciclo sobre um só Carter, de modo a acionar somente uma biela, o todo sendo alimentado por um único carburador.

Para reduzir o peso ao mínimo, aliviei cada um dos órgãos tanto quanto pude, sem prejuízo da respectiva solidez. Neste particular realizei algo de interessante para a época, em motor de três e meio cavalos pesando 30 quilos.

Não tardou uma oportunidade para o meu motor-tahdem. As sucessivas grandes corridas de automóveis em estradas, que parece atingiram o apogeu com a corrida Paris-Madrid em 1903, contribuíam para fazer aumentar aos saltos, de ano em ano, a potência destes maravilhosos engenhos. Em 1855, Paris-Bordeaux era ganha por uma máquina de quatro cavalos e uma velocidade média de vinte e cinco quilômetros por hora. Em 1896, a ida e volta Paris-Marselha era realizada a trinta quilômetros por hora. Em 1897, foi Paris-Amsterdam. Apesar de não me ter inscrito, tive a idéia de ensaiar nessa prova o meu motor-tandem, adaptado ao triciclo primitivo. Parti, e tive a satisfação de verificar que ia muito bem. Poderia obter uma honrosa classificação no final, pois o meu veículo era de todos o mais potente em relação ao peso, e a velo- cidade média do vencedor não foi além de quarenta á hora. Mas temia que a trepidação do motor, submetido a um esforço tão rude, fosse causa de qualquer desarranjo, e refleti que tarefa mais nobre tinha eu a exigir dele.

Minha experiência de automobilista serviu muito para as minhas aeronaves. O motor a petróleo é ainda uma máquina delicada e caprichosa. Há, no seu roncar, nuanças cujo sentido só é inteligível a um ouvido exercitado. Que qualquer dia, numa das minhas ascensões, o motor da minha aeronave me ameace de perigo, e estou certo de que meu ouvido escutará o aviso, e saberei defender-me. Esta faculdade, tornada quase instintiva, devo-a exclusivamente á experiência.”

“De fato, quanto mais dirigimos estes veículos, tanto mais estes se comportam como se fossem extensões de nossos braços, pernas, e até mesmo nossas mentes” conclui Soriano.

“E como extensão de minha mente, não temi em esforçá-los em seus limites para ter respostas a todas as minhas duvidas.” Complementa Santós “considero que meu primeiro experimento cientifico aconteceu de fato no Bois de Boulogne. Todos os entendidos em balões que consultei para elaborar meu primeiro dirigível afirmavam que quando o dirigível se elevasse do solo, a vibração do motor em funcionamento faria com que todo o dirigível vibraria freneticamente, e seria um pesadelo, perderia a estabilidade e um acidente seria certo. Alem do mais, chamavam de loucura o meu projeto, pois usaria hidrogênio para elevar-me do solo,o gás hidrogênio era o que havia de mais explosivo! Diziam que se pretendia suicidar-me, talvez fosse melhor sentar-me sobre um barril de pólvora em companhia de um charuto aceso. Não encontrei ninguém que me encorajasse.

Buggy elétrico

Tendo desmanchado o triciclo para dispor do motor, comprei pela mesma época uma Panhard seis cavalos, do ultimo modelo, com a qual fui de Paris a Nice em cinqüenta e quatro horas, sem parada nem de dia nem á noite. Sim meu amigo Soriano, estas maquinas eram minhas únicas amigas que de fato me incentivavam e nas quais podia encontrar conforto. É bem certo que, se não me houvesse dedicado á aerostação, ter-meia feito entusiasta das corridas de automóveis, passando continua- mente dum tipo a outro, procurando constantemente uma velocidade superior avançando com os progressos da industria, como fazem tantos outros, para gloria dos mecânicos franceses e do novel espírito esportivo parisiense. Mas as minhas aeronaves exigiam-me na capital. Eu não podia deixar Paris durante as experiências. As longas corridas não me eram mais permitidas. O automóvel a petróleo, com a facilidade maravilhosa que se tem de encontrar combustível em qualquer lugarejo, perdeu, para mim, sua principal atração. Em 1898, vi por acaso um modelo que me era desconhecido de um pequeno “buggy” elétrico americano.

Recomendava-se aos meus olhos, ás minhas conveniências e á minha razão: comprei-o. Não me arre- pendi. Com ele corro Paris. É consideravelmente rápido, silencioso e não desprende odor algum. Foi dirigindo este agradável veiculo que reiterei minhas suspeitas, e tive a certeza de não usá-los em minhas experiências com dirigiveis.

Havia eu já entregue aos construtores o plano do invólucro do meu balão. Era o dum balão cilíndrico, terminado em cone na frente e atrás, com 25 metros de comprimento e 3,50 de diâmetro, para uma capacidade de 180 metros cúbicos de gás. Meus cálculos não me deixavam dispor senão de 30 quilos para peso do balão, inclusive verniz. Renunciei pois a rede ordinária e á “camisa” o invólucro exterior, por ter considerado que este segundo invólucro era não somente supérfluo mas ainda incômodo, se não perigoso. Em lugar dele fiz as cordas de suspensão da barquinha serem fixas diretamente ao invólucro único por meio de pequenas hastes de madeira introduzidas em longas ourelas horizontais costuradas dos dois lados do estofo, em uma grande parte do comprimento do balão. Para não exceder, com o verniz, o limite de peso calculado, recorri forçosamente á minha seda japonesa que tanta solidez havia provado no “Brasil”.

Ao tomar conhecimento das minhas especificações o sr. Lachambre começou por recusá-las redondamente. Não queria ter a mínima interferência em, empresa tão temerária. Todavia, quando lhe recordei que a propósito do “Brasil” ele me fizera as mesmas objeções, e quando lhe assegurei, além disso, que se preciso fosse, eu mesmo talharia e coseria o balão, cedeu e encarregou-se do negócio. Talharia, coseria e envernizaria o balão segundo os meus planos. Fiz o leme com seda esticada sobre uma armação de aço triangular.

Faltava-me apenas encontrar um sistema de pesos deslocáveis, que, desde o principio, eu considerava indispensáveis. Para este fim coloquei, um á frente e outro atrás, dois sacos de lastro, suspensos por cordas ao invólucro do balão; por meio de outras cordas mais leves, cada um destes dois pesos podia ser puxado para a barquinha, modificando assim o centro de gravidade de todo o sistema. Puxando o peso dianteiro, eu faria a proa elevar-se diagonalmente; puxando o peso traseiro, produziria o efeito oposto. Eu tinha, a mais, um “guide-rope” de 60 metros de comprimento, do qual, em caso de necessidade, me serviria também como lastro deslocável.

Estes trabalhos tomaram-me vários meses e foi todo realizado na pequena oficina da rua do Coliseu, a poucos passos apenas do local onde o Aéro Club de Paris devia ter um dia suas primeiras instalações.

Garantida a confecção do invólucro, cuidei da barquinha, do motor, do propulsor, do leme e da maquinaria. Quando o todo ficou pronto, submetio a diversas experiências, suspendendo o sistema por meio de uma corda ás traves da oficina. Puz o motor em ação e medi a força do movimento de impulsão que determinava o propulsor batendo o ar; opuz-me a este movimento de impulsão por meio de uma corda fixa a um dinamômetro, e constatei que a força de tração desenvolvida pelo motor no propulsor, com dois braços medindo cada um, 1 metro, atingia 25 libras, ou sejam 11 quilos e meio. Tal número prometia uma boa velocidade a um balão cilíndrico das dimensões do meu, cujo comprimento era igual a cerca de sete vezes o diâmetro . Com 1.200 voltas por minuto, e caso tudo corresse normalmente, o propulsor, fixo diretamente á arvore do motor, imprimiria sem esforço á aeronave uma velocidade de pelo menos 8 metros por segundo.

Fiz o leme com seda esticada sobre uma armação de aço triangular. Faltava-me apenas encontrar um sistema de pesos deslocáveis, que, desde o principio, eu considerava indispensáveis. Para este fim coloquei, um à frente e outro atrás, dois sacos de lastro, suspensos por cordas ao invólucro do balão; por meio de outras cordas mais leves, cada um destes dois pesos podia ser puxado para a barquinha, modificando assim o centro de gravidade de todo o sistema.

Puxando o peso dianteiro, eu faria a proa elevar-se diagonalmente; puxando o peso traseiro, produziria o efeito oposto. Eu tinha, a mais, um “guide-rope” de 60 metros de comprimento, do qual, em caso de necessidade, me serviria também como lastro deslocável.

Estes trabalhos tomaram-me vários meses e foi todo realizado na pequena oficina da rua do Coliseu, a poucos passos apenas do local onde o Aéro Club de Paris devia ter um dia suas primeiras instalações.”

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