A Menina do Narizinho Arrebitado/V
A FESTA VENEZIANA
NESSA noite houve uma pequena festa nocturna nos jardins do palacio. Pelas avenidas de areia muito alva perfilavam-se vagalumes immoveis, de olhos arregalados como tochas, servindo de lampiões. No lago, pequenas rãs serenatistas coaxavam, compassadamente, o "Nocturno do Luar", acompanhadas do cri-cri de milhares de grillinhos. O principe deu uma volta pelo jardim em companhia da menina e depois a convidou para um passeio de gondola. Lá se foram, na gondola de madreperola, remada por doze cavallos marinhos.
E vogaram sobre as aguas, embalados pelos formosos versos que uma libelinha poetisa recitava ao som de pequenina harpa tangida por mestre Louva-a-Deus.
De volta desse lindo passeio o principe convidou-a para voar.
— Até aeroplanos ha por aqui? perguntou a menina, espantada.
— E mais seguros que os aeroplanos dos homens, vaes ver, respondeu o principe.
Apesar do medinho a menina encheu-se de coragem e acceitou o convite.
Veiu logo um aerogrillo. Era um grillão verde, que trazia nas costas a barquinha de vime na cabeça de dois insectos, um besouro e um vagalume. Este vagalume, com os seus grandes olhos phosphorescentes, servia de pharol ao aeroplano e o besouro estava alli para zumbir, fingindo o barulho da helice. Narizinho achou muita graça na engenhosa invenção e trepou á barquinha sem medo. O besouro zumbiu e o aerogrillo disparou como um raio pelos ares afóra. Subiram, subiram, subiram tão alto que a terra de lá parecia uma laranja. Atravessaram nuvens, chegaram muito pertinho da lua, que a menina teve o gosto de tocar com a pontinha do dedo. E só desceram quando o sol vinha raiando.